Neste dia 1 de Junho de 2020, entrou-me no computador
um mail da Associação Conquistas da
Revolução que recorda este discurso de Vasco Gonçalves. Como sempre, ler o
que disse Vasco Gonçalves em tantas ocasiões de um período verdadeiramente
empolgante da nossa História, é singularmente refrescante e consciencializador.
É a serenidade ideológica em situações de enorme tensão. Tenho pena de não me ter
lembrado dele em 8 de Maio, neste dia em que, todos os anos, confronto a “habilidade”
farsante de se adiar para o dia seguinte a comemoração do DIA da VITÓRIA, da
EUROPA, da PAZ, apagando-o ao aproveitar uma certa confusão de calendários para
instaurar um dia da Europa como se esta tivesse deixado de existir para ser uma
União Europeia. Lembro o discurso-lição de Vasco Gonçalves, de 8 de Maio de
1975:
Representantes dos resistentes
anti-fascistas que vieram até nós.
Resistentes
anti-fascistas portugueses.
Camaradas do Conselho da Revolução e do MFA.
Membros do Governo.
Camaradas do Conselho da Revolução e do MFA.
Membros do Governo.
Representantes
Diplomáticos.
Conselho Português para
a Paz e Cooperação.
Minhas senhoras e meus senhores.
Minhas senhoras e meus senhores.
Ao comemorar a derrota
do fascismo na Europa não quero deixar de exprimir um sentimento de alegria
reconfortante pela presença dos resistentes que vieram e que quiseram trazer ao
MFA e a Portugal o seu apoio e a sua experiência.
Uma referência muito
particular quero também fazer a Maria
Lamas, fidelíssima combatente anti-fascista e símbolo da luta da
mulher portuguesa pela sua libertação total.
Há 30 anos a Europa
respirava aliviada do pesadelo fascista, renascia a esperança do homem no
futuro. Esse renascimento cimentava-se na luta e no sacrifício de milhões de
pessoas originárias de todos os Continentes; tal devia bastar para que a
Humanidade rejeitasse duma vez por todas aquela aberração. Sítios houve, porém,
onde a derrota de 1945 foi por longo tempo inconsequente. A Portugal, as
liberdades conquistadas pelos povos europeus, só chegaram na madrugada de 25 de
Abril de 74. O Povo Português tem, em relação à Europa, um crédito de 30 anos
de liberdade a lançar na conta do fascismo.
A neutralidade na guerra
de 39-45, para além dos benefícios imediatos, custou ao Povo Português um preço
demasiado caro. A não participação no tremendo conflito foi ignobilmente
explorada pelo governo fascista no sentido de criar num povo, mantido num
estado de atraso material e intelectual deplorável, a ideia do guia esclarecido
e incontestável na defesa dos interesses da Pátria.
A partir daqui todas as
conquistas dos povos na sua marcha para a liberdade foram classificadas e
apresentadas como passos na degradação dos valores tradicionais, como
maquinações de diabólicos inimigos, fomentando-se o individualismo pessoal e o
isolamento nacional como últimos baluartes da dignidade Humana.
À sombra desta enorme
mistificação incentivou-se e desenvolveu-se o capitalismo mais retrógrado, num
proteccionismo feroz, na exploração desenfreada das massas trabalhadoras e no
comprometimento da Independência Nacional.
O fascismo português
atingiu um tal grau de contradições que, criado pelo capitalismo, para seu
serviço, acabou por se tomar um obstáculo ao desenvolvimento desse mesmo
capitalismo, ao ponto de originar uma boa aceitação do 25 de Abril pelos seus
sectores mais avançados.
Nesta perspectiva há que
estar atento à realidade de que, se o fascismo foi derrubado em Portugal, as
forças capitalistas não desistiram nem desistirão facilmente de tentar
recuperar as suas condições de expansão.
Perdidas as esperanças
no 25 de Abril como factor de readaptação a novos condicionamentos, o ataque
desencadeou-se, como o provam as diversas crises atravessadas até ao 11 de
Março, e continuará a desenvolver-se utilizando formas mais subtis e menos
detectáveis ao nível do Povo Português.
É preciso que as classes
trabalhadoras estejam conscientes dos novos perigos, que olhem a realidade de
frente para além dos programas aliciantes e das propostas brilhantemente
demagógicas. Os amigos, bem como os inimigos, revelam-se na prática diária e
não através de verbalismos estéreis. A marcha dura dum processo político difere
substancialmente do deslizar dos sonhos.
A nossa luta
desenvolve-se em torno do que «é» e não do que gostaríamos que fosse. Os povos
só se libertam pela luta intensa, incansável e de todos os dias contra a
opressão. Quando se cansam, perdem. Para que a luta triunfe é necessário que o
povo tenha consciência da sua exploração e também de quem o explora e como o
explora. Só assim são aceitáveis os sacrifícios que a revolução pede, só assim
aparece claramente projectado o inimigo do Povo.
Sob pena de que a
revolução se perca, o Povo Português tem de saber distinguir as suas
verdadeiras opções e estas são:
— Revolução ou reacção.
Não se põem neste
momento, tal como desde o início, questões de pormenor. Não estamos perante
problemas que digam respeito à roupagem da via para o socialismo. Tais questões
podem levantar-se para camuflar o problema de fundo, para criar divisões entre
os trabalhadores, para confundir as mentes. Mas o problema é ainda:
— Socialismo ou
capitalismo.
O MFA não faz revoluções
contra o Povo, nunca na História se fizeram revoluções contra a vontade do
Povo; o que por vezes aconteceu foi classificar-se de revoluções as readaptações
das classes dominantes, mas é preciso que a vontade do Povo coincida com os
interesses do Povo, sem o que, essa vontade pode tornar-se objectiva e
inconscientemente contra-revolucionária.
Os trabalhadores
portugueses foram desde 25 de Abril de 1974 os grandes geradores da energia da
revolução, sem a qual nunca se teria materializado a união POVO-MFA. Seria
trágico que esses mesmos trabalhadores comprometessem todo o processo,
admitindo no seu seio o divisionismo, deixando galopar o oportunismo político,
lutando entre si por questões de pormenor ampliadas artificialmente para servir
interesses que não são os interesses do Povo Português.
Uma revolução, por mais
pura que seja a linha teórica, não sobrevive à completa degradação económica e,
particularmente, a economia portuguesa não comporta mais encontrões. Quem são
as vítimas principais e quem recolhe os benefícios da desintegração económica
do País? É suficientemente claro, e os trabalhadores devem analisá-lo com a
cabeça fria.
A consciência revolucionária
do Povo, demonstrada em 28 de Setembro e em 11 de Março não deve permitir que
se deixe espartilhar a revolução por baias imediatas e exclusivamente
utilitárias.
Uma revolução no sentido
do socialismo, como a nossa, implica o controlo progressivo dos meios de
produção pelos trabalhadores bem como a garantia de que as mais-valias criadas
se aplicam em benefício da colectividade. Implica também a existência duma
democracia real, aberta a todas as liberdades, excepto à liberdade de explorar.
Nenhuma via socialista pode assentar em benefícios salariais imediatos, nenhum
povo revolucionariamente consciente pode centrar a sua luta sobre o empolamento
reivindicativo de tais benefícios.
Temos uma necessidade
premente de construir um aparelho produtivo sólido e o MFA tem dado sobejas
provas de que esse aparelho não será posto ao serviço de classes privilegiadas
mas sim ao serviço da colectividade.
A conjugação da vontade
do MFA com a iniciativa criadora dos trabalhadores permitirá caminhar
seguramente e eliminar à partida qualquer equívoco sobre o processo.
Para além disto, reivindicar
o que a economia nacional não tem capacidade para conceder, e a economia
nacional é, fundamentalmente, o somatório da economia das empresas; só poderá
conduzir à contra-revolução em detrimento dos trabalhadores. E a
contra-revolução, perante uma economia deteriorada, não pode deixar de
desembocar no totalitarismo fascista, esse mesmo fascismo que a Europa varreu
em 1945 e que não queremos que regresse à nossa Pátria.
Vivam os resistentes
portugueses anti-fascistas! Vivam os resistentes anti-fascistas dos países
amigos que vieram até nós!
Vivam a Paz e a Amizade
entre os Povos de todo o mundo!
1 comentário:
Vasco Gonçalves,o grande "soldado" revolucionário,era um apaixonado pela História.Há uns anos,passava as mãos pelos livros na feira de velharias da Festa do Avante e deparei-me com: "Discursos,conferências e entrevistas" do Vasco Gonçalves.Autografado em 1982.Custou-me dois euros e cinquenta cêntimos.Comprei uma obra de um valor intelectual e histórico sem preço.E lá está o discurso no Teatro de São Luís,que acabei de reler aqui.Bjo
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