terça-feira, agosto 31, 2010

Tomar partido! (estatísticas, necessidades, pauperismo)

Há que tornar muito claro que, a partir da nossa base teórica, não se podem menosprezar as representações (estatísticas, ou outras como as artísticas) da realidade, bem como os métodos quantitativos e o cálculo. Elas são necessárias, indispensáveis. Só que são representações super-estruturais, reflectindo o estádio da luta de classes.
Com o keynesianismo em socorro do capitalismo, as representações estatísticas, podiam, por exemplo, aproximar um cálculo da repartição do Rendimento Nacional (categoria macroeconómica-chave em Keynes) entre capital e trabalho, no entanto ideologicamente enquanto factores de produção, e não no quadro de uma relação social de exploração.
Essa transposição para conceitos da nossa base teórica de expressões estatísticas da realidade tornou-se mais difícil com o neo-liberalismo económico, com a lenta recuperação do espaço pela economia de mercado ideologicamente antagónica da intervenção do Estado na economia a não ser (e determinantemente) para apoiar os grandes grupos financeiros. Também com o desaparecimento da União Soviética e a perda de, entre tanta coisa, de trabalhos em curso na sua Academia de Ciências Sociais.
Mas não se tornou menos necessária. Até mais indispensável.
Fechando este parêntese, negar a separação dos dois momentos da relação trabalho/capital é o mesmo que dizer que custos unitários de mão-de-obra se podem confundir, por substituição e apagamento, com o que, na base teórica em que assenta o nosso tomar partido!, é fundamental, o valor da força de trabalho que, enquanto valor de troca, permite o acesso ao salário e aos produtos que satisfazem necessidades.
Por outro lado, insisto na necessidade de colocar no nosso temário as necessidades (não estou a ser tautológico por distracção ou menos cuidado na escrita…). E, para reforçar esta insistência, (ou insistir na insistência...) recorro ao Manifesto (de 1848), em que Marx e Engels, na página final do capítulo I, abrem debate sobre um tema-conceito que pouco tem sido debatido, o do pauperismo ou pauperização.
«… o operário moderno, em vez de se elevar com o progresso da indústria, afunda-se cada vez mais abaixo das condições da sua própria classe. O operário torna-se num indigente [Pauper] e o pauperismo [Pauperismus] desenvolve-se ainda mais depressa do que a população e a riqueza.»
Ora, para esse debate há que ter em conta a evolução das necessidades. Hoje, em 2010, os pobres, os indigentes, mostram o vazio do seu frigorífico e eu, que sendo avançado na idade ainda estou dentro do prazo de validade, lembro que atravessei toda a minha juventude sem ter frigorífico em casa dos meus pais. E nunca fui/fomos indigente/s. A evolução das forças produtivas (e algumas instrumentos e derivas ideológicos, como a publicidade) é que, neste curto espaço de tempo (historicamente falando), tornou hoje necessidade o que ontem não era!

2 comentários:

Ricardo disse...

Sérgio,
Para além da constatação de que as necessidades evoluem com o próprio desenvolvimento das forças produtivas e das «necessidades» de reprodução do sistema, não deveriamos considerar que a exigência de mais horas de trabalho aos trabalhadores para satisfazer as suas necessidades corresponde a um agravamento do pauperismo?
Ou seja, a contradição entre aquela que é a maior capacidade de produzir (e assim potencialmente satisfazer as necessidades dos trabalhadores) e a menor capacidade do trabalhadores satisfazerem as suas necessidades (observadas em termos relativos pelo maior número de horas ou maior peso de tempo necessário) não é demonstrativa do agravamento do pauperismo? A riqueza (produção de valores de uso) que cresce mais rapidamente que os trabalhadores são capazes de responder às suas próprias necessidades (afastados quaisquer juízos de valor sobre essas necessidades).
Está confuso (muito mesmo) mas acho que percebes a ideia...

Ricardo disse...

É que analisar o valor de troca da força de trabalho de uma forma estática (em quantidades e tipo de valores de uso adquiridos) poderá conduzir-nos ao erro (digo eu) de considerar que o bem estar das populações aumentou ou que os trabalhadores hoje estão mais «ricos» porque adquierem mais valores de uso em relação a tempos passados.
Tenho a ideia que devido ao desenvolvimento da luta e aos avanços revolucionários em 1975 um operário vivia melhor do que hoje, se bem que, poucos teriam televisão ou frigorífico e menos ainda automóvel... Mas para o nível de vida espectável de então, para as necessidades a satisfazer, o fim-do-mês chegava mais tarde...