É crucial ligar essa questão ao princípio da proporcionalidade da representação. Porque um deputado é, em democracia (burguesa, mas democracia), um representante do povo, escolhido pelo povo com capacidade eleitoral, de acordo com um sistema, adoptado no quadro constitucional, definido pela legislação e mecanismos necessários.
Em Portugal, esse princípio da proporcionalidade está constitucionalmente consagrado, os círculos eleitorais são os distritos (e as regiões autónomas), a apresentação de candidaturas obedece a regras e o mecanismo é o do método de Hondt.
Deste conjunto de preceitos, resultou a seguinte composição, em 2009:
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PSD – 81 (3 eleitos na emigração)
CDS/PP – 21
BE – 16
CDU – 15 (13 deputados do PCP e 2 do PEV).
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Vejamos a questão da proporcionalidade:
i) No plano geográfico, é a população que, naturalmente, condiciona os números de deputados proporcionalmente às populações. Assim, o distrito com mais deputados é de Lisboa, com 47 deputados, e os distritos com menor número de representantes, ou mandatos, são Beja, Bragança, Évora e Portalegre, com 3 deputados;
ii) na relação entre os votos expressos – que levam a eleitos, mandatos ou representantes – e mandatos resultantes da aplicação do método de Hondt, temos a seguinte distorção:
- PS, com 36,6% dos votos, tem 42,2% de representantes na AR, isto é, mais 5,6 p.p.;
- PSD, com 29,1% dos votos, tem 35,2% de representantes, isto é, mais 6,1 p.p.;
- CDS/PP, com 10,4% dos votos, tem 9,1% de representantes, isto é, menos 1,3 p.p.;
- BE, com 9,8% dos votos, tem 7,0% de representantes, isto é, menos 2,8 p.p.;
- CDU, com 7,9% dos votos, tem 6,5% de representantes, isto é, menos 1,4 p.p.;
- 6,2% dos votos (portanto, de votantes) não têm representantes na AR.
A redução de deputados, com esta distribuição espacial – e com qualquer outra, “cozinhada” pelo PS e PSD – teria o efeito de, geograficamente, poder levar regiões a perderem representantes na AR,
e, quanto a mandatos, teria o efeito de agravar a desproporcionalidade, aumentando as diferenças entre os votos e os deputados (positivamente para os PS e PSD, e negativamente para os outros partidos e para os eleitores sem representação parlamentar).
É isso que a democracia pede, e o povo quer?
9 comentários:
Não!
Mas esta explicação, afigura-se-me que há de ser eterna... de cada vez que se fala do assunto, cada bica, cada almoço... e o teu barbeiro, claro!
Abraço.
Boa e esclarecedora análise!
Eles querem transformar a AR num grupo de amigos ao serviço do capitalismo.
Precisamos de posts com estes esclarecimentos. Para os encaminharmos, para servirem de base ao trabalho que temos pela frente. Já sabes que contas é contigo...
Um beijo.
Com essa diminuição de deputados e de círculos uninominais ou lá o que é, talvez o PCP arranjasse lá para o Alentejo, algum deputado. Penso eu (e não digo de que porque não gosto do Pinto da Costa).
Um beijo.
De pleno acordo com o post, aliás acho que se deve mudar sim, mas é o método d'Hondt que só beneficia os partidos mais votados. Porque não o método de Sainte-Lange que é usado em vários países e assegura de maneira mais justa a distribuição de mandatos?
Só um pequeno reparo: Portalegre elege 2 deputados. Se a redução fosse aplicada provavelmente só ficaria com 1...
Apenas respondo, por agora, a JP agradecendo-lhe a correcção do meu erro: Portalegre tem, na verdade, apenas 2 deputados (1PS + 1PSD).
Esta situação apenas agravaria as perspectivas quanto à proporcionalidade regional, configurando a bipolariçao forçada.
viva.
uma redução "cozinhada" de forma diferente poderia facilmente até garantir mais proporcionalidade:
http://blogsinistro.blogspot.com/2011/02/da-reducao-do-numero-de-deputados.html
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