segunda-feira, agosto 03, 2009

Um texto que é um alerta genial...

Por várias razões (algumas pessoais, de idade...) Exit - o fantasma sai de cena, de Phillip Roth, é um romance que coloco, sem hesitações, entre os que mais me "marcaram", como um carimbo, um ferrete, uma impressão digital. Nem preciso que passe algum tempo para sedimentar. Já está entranhado (como ele diz...). No blog (som-da-tinta.blogspot.com), em que falo de livros que vou lendo, deixei umas notas sobre alguns trechos. E quis pôr um ponto final. Para partir para outra. Para outro livro... Mas o fantasma não sai de cena, da "minha cena". Enquanto dou o que posso, daqui, a partir da "minha cabana", para o trabalho pré-eleitoral, que é imenso, esta página (a 72) desafia-me. Como um alerta, que bem dispenso mas que me ajuda. Pela lucidez de uma demissão, pela violência de uma desistência, pela força que dá para mais lutar contra esta máquina infernal que quer fazer de todos e de cada um de nós ... um cidadão fantasma que, se já esteve em cena, dela tem ganas de sair, de fugir.
Página 72 de Exit - o fantasma sai de cena:

"Nunca tinha estado propriamente afastado dos antagonismos da vida partidária, mas agora, depois de viver fascinado pela América durante quase três quartos de século, tinha decidido não continuar a deixar-me dominar de quatro em quatro anos pelas emoções de uma criança – as emoções de uma criança e a dor de um adulto. Pelo menos enquanto estivesse refugiado na minha cabana, onde podia continuar na América sem que a América voltasse a entranhar-se em mim. Além de escrever livros e me embrenhar uma vez mais, a última, nos primeiros grandes autores que li, tudo o resto que outrora foi da maior importância deixou pura e simplesmente de importar, e eu eliminei uma boa metade, se não mais, dos vínculos e interesses de uma vida inteira. Depois do 11 de Setembro cortei definitivamente com as contradições. Senão, disse para comigo, vais transformar-te no exemplo acabado do maluquinho das cartas ao director, no rezingão cá do sítio, que revela a síndrome em todas as suas manifestações patéticas: fúrias e protestos enquanto lês os jornais, urros de indignação perante a perniciosa rentabilidade em nome da qual o patriotismo autêntico de uma nação ferida estava em vias de ser explorado por um rei imbecil, e numa república, um rei num país livre com todos os slogans de liberdade com os quais as crianças são educadas. O vexame sem remissão que consiste em ser um cidadão consciente no reinado de George W. Bush não era para alguém que tenha desenvolvido um forte interesse em sobreviver num estado de razoável serenidade – e por isso comecei a matar o desejo permanente de saber. Cancelei assinaturas de revistas, deixei de ler o Times, deixei mesmo de pegar de vez em quando num exemplar do Boston Globe quando ia ao supermercado. O único jornal que lia regularmente era o Berkshire Eagle, um semanário local. Servia-me da TV para ver basebol, da rádio para ouvir música, e mais nada."

7 comentários:

samuel disse...

Como me identifico com esta página 72!
Felizmente (será?) tenho resistido à grande tentação...

Abraço.

cristal disse...

Comecei a ler na sexta-feira este Philip Roth mas ainda não cheguei à página 72 que já me fizeste ler. Chegarei lá para fazer a leitura de carreirinha mas a impressão primeira já fica colhida a partir daqui.

Unknown disse...

Com as devidas distâncias, é comparável ao que sente um professor português no reinado de Sócrates. Vexado.

Unknown disse...

camarada Sérgio
se possivel,manda me o teu mail para eu te enviar outro de volta com um pedido.
Ricardo Miguel ~
Cadaval

Unknown disse...

o meu mail é
ricardomanuel.miguel@gmail.com

Anónimo disse...

Que falta faz uma força colectiva, lúcida e organizada, num país (em qualquer país) onde o 1º de Maio teve a sua origem.
Uma pessoa só, por muito genial e bem intencionada que seja, cai no desânimo e na amargura.
Estou com uma enorme vontade de ler este livro.

Campaniça

Graciete Rietsch disse...

É verdade camarada Sérgio às vezes desanima-se. Mas é preciso continuar porque " até mortos vêm ao nosso lado".Tenho um filho um pouco diferente de mim no campo ideológico que gosta muito desse autor por isso lhe enviei um link do blog para ver se lhe desperto um bocadinho a consciência."abreijos"