terça-feira, dezembro 01, 2009

1º de Dezembro de 1640 (em 2009)

A propósito da data de hoje, desta efeméride antes tão saudada - e lembrando que D. Quixote foi escrito e editado no período em que os Filipes eram reis de Portugal... -, fui (re)buscar dois trechos do livro de Aquilino Ribeiro de minha especial predilecção - No cavalo de pau com Sancho Pança - de que, enquato o relia, fiz 66 "posts" há uns 2 anos (no som-da-tinta.blogspot.com).

«1. Nós, que somos hispanos, no bom significado do termo latino e medieval, mas não espanhóis, como pretende Madariaga, quebrámos os vínculos políticos com Espanha em 1640, e não há que rever, nem por sombras, o gesto decidido dos nossoa avós.
Para o castelhano das três dimensões, homem de touros e zarzuela, nunca se desvaneceu o sonho da união ibérica. Livrem-nos os fados de tal conjuntura! Alianças ou conúbios destes seriam como os da panela de ferro e da panela de barro, lavadas na corrente de um rio. Nós, dum momento para o outro, poderíamos ficar escaqueirados. Olho no monstro: ainda quando nos aparece como filósofo salvador é sempre Caliban. Sem dúvida que aparentou sempre discursador da beatitude terrena em Deus do Céu.
Com Espanha – dizia Mazarin – são de desejar todas as boas relações de vizinhança. Mas fique-se na cortesia. Se ides mais longe, às duas por três, sem vos consultar, nem dar cavaco, o vosso aliado manda queimar as naus. Não que o faça sempre por trancafio, mas por orgulho, indómito orgulho, e que mais não seja para exercício da vontade, ou pôr à prova o estado da senhoria que lhe é visceral.» ( pág. 327)
(…)

«2. Cá e lá repetem-se horas por horas, cuidados por cuidados, ânsias por ânsias, como a água que corre nos dois territórios. Quando o Engenhoso Fidalgo se joga contra os rebanhos de carneiros que na sua fantasia alucinada toma pela hoste do soberbo Alifanfarrão, Sancho arranca do fundo do peito: Mal haya yo! O Zé Povinho usa de igual expressão nos desesperos e arrelias: - Malo haja!
Em que divergem? Pois, e profundamente, no psíquico. Parecendo-se de modo flagrante, todavia não são os mesmos. Isso que é imponderável, imensurado, inapreensível ao espéculo, germinou, cresceu, dispartiu-se de todo e formou tipos diferentes. Como? Vá lá saber-se como elaboram os cadinhos subterrâneos em matéria de antropologia! A pequena molécula bioquímica cá e lá, bafejada por ventos morais, desenvolveu-se noutra direcção. O português em suma não é o espanhol.
Portugal estaria para Cervantes no conceito de província que andara escapa à soberania do seu rei e voltava ao redil.» (pág. 331)

2 comentários:

Justine disse...

Semelhantes mas diferentes, vizinhos mas independentes. Embora haja praí muito boa gente a defender que só tínhamos a ganhar se...
Eu cá por mim: Vivó 1º de Dezembro:))

jrd disse...

Dizia o grande Aquilino que poderíamos ficar escaqueirados. Mal sabia ele que, a ser verdade, estaremos a ficar envenenados pelos restos das panelas inox e não só que nos vêm na corrente do rio.