Entre a volumosa quantidade de mails na “caixa de entrada” – muito “lixo”, muitos sinais do “assalto” que nos quer fazer ganhar “dinheiro fácil”, assim alimentando o dinheiro falso e as ilusões –, vêm algumas mensagens que, com toda a amizade, pretendem partilhar recordações e boa disposição. Nem sempre com tempo ou disposição, sempre me merecem um sorriso e um agradecimento (nem sempre materializado em mails de retorno...).
No entanto, há poucas semanas, um desses mails provocou-me um fundo sentimento. Diferente. A juntar aos habituais.
Trazia, em anexo, um conjunto de diapositivos com imagens de objectos e mensagens características de um tempo de há mais de 60 anos. Algumas enternecedoras. Mas nem todas!, até porque algumas, as primeiras, tinham mesmo a intenção clara de nos lembrar o fascismo que vivemos nos nossos primeiros tempos escolares. Eram imagens de cadernos escolares dos anos 40, com meninos fardados da Mocidade Portuguesa, fazendo a saudação fascista e com mensagens correspondentes.
Mas um dos cadernos não era desses. Pelo contrário. Num dos diapositivos, incluía-se um caderno escolar que profundamente me “tocou”.
Porque me comoveu, e porque senti a sua colocação, ali!, como uma enorme injustiça.
Deixei passar a emoção, resolvi esperar pela proximidade do 1º de Dezembro e vir, agora, apaziguada a emoção, reparar a involuntária e tão injusta agressão.
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Meu pai não era um homem com actividade política. Mas tinha uma postura perante a vida intrinsecamente anti-fascista – e anti-clerical, pelo que não me deu formação religiosa, nenhuma catequese –, diria democrática (se alguma reserva se insinua, tem a ver com uma componente familiarmente autoritária e machista, que contrastava com um fortíssimo pendor de sociabilidade).
Pequeno comerciante de papelaria e artigos escolares, criou algumas marcas, que registava, reflectindo os seus amores, paixões, tendências. Papel de carta Sergito, blocos Miúdo (com uma fotografia deste seu filho único), blocos Ourém e Castelo (de Ourém, claro), caderno escolar Restauração. Este (de que passei muitas guias de remessa e facturas, pois comecei a trabalhar, ajudando-o, logo que aprendi a escrever e fazer contas):
A escolha do nome do caderno tinha a intenção de homenagear os que, patrioticamente, conspiraram para recuperar a independência de Portugal.
Era essa a mensagem pretendida, e me foi transmitida enquanto me ditava a quantidade de cadernos escolares de que conseguira encomendas.
Julgo que se compreende, por isso, quanto me custou ver esse caderno, e a assinatura do meu pai, que colocava nos seus artigos, misturados com exemplos de doutrinação fascizante.
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Não podia deixar de reagir, com alguma contida emoção, espírito de justiça, e muita saudade, apesar de tantos anos passados. Apesar de tantos anos passados sobre esse tempo de formação – trabalhando – com o meu pai, sobre a sua morte.
3 comentários:
Que bonita recordação!!!!
Um beijo.
Já vi esta capa, talvez numa feira de livros (?) alfarrabista (?), vou ver com mais atenção, talvez até o compre.
Sempre crónicas que nos comovem.
Gd BJ,
GR
Não estava à espera de me emocionar assim logo de manhã...
Um beijo e uma túlipa.
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