sexta-feira, novembro 04, 2011

ex-certos e in-certos a partir um certo comentário

Num comentário deixado num "post" anterior por Fonseca-Statter, que julgo ser o autor (Guilherme da Fonseca-Statter) de uns livros e textos muito interessantes e úteis sobre economia política e sua crítica, sem pruridos de estudar e dar a estudar Marx (que enorme ousadia...), lia-se: 
"a propósito dos «Merkozys» de serviço
e das suas boutades,
vem-me à memória a reflexão de Marx
sobre a mediocridade grotesca de Louis Bonaparte".
Para além do gosto provocado pela visita e pelo comentário, este continha um desafio. Não uma provocação... um desafio que tomei para mim, e cujo foi o de ligar a referência a Luis Bonaparte (e à sua mediocridade grotesca) a este tema mais que actual do tempo de trabalho, do horário de trabalho, do "dia de trabalho", em que o (diria) grotesco ministro da economia do governo português (e o das finanças...) nos quer atolar como uma inevitabilidade e a forma de recuperar uma falácia chamada produtividade. A que seria impossível não reagir, e violentamente, pois toca num aspecto essencial, profundamente ideológico.
No oitavo capítulo - O dia de trabalho - do tomo I do Livro Primeiro de O Capital pode ler-se:
"(...) Há que confessar  que o nosso operário sai do processo de produção de modo diverso do que nele entrou. No mercado, entrou como possuidor da mercadoria «força de trabalho» perante outros possuidores de mercadorias, possuidor de mercadorias perante possuidor de mercadorias. O contrato pelo qual vendeu a sua força de trabalho ao capitalista demonstrava, por assim dizer, preto no branco, que ele dispõe livremente de si próprio. Depois do negócio fechado. descobre-se que ele não era «nenhum agente livre», que o tempo pelo qual é livre de vender a sua força de trabalho é o tempo pelo qual é forçado a vendê-la, que de facto o seu sugador não o larga «enquanto ainda houver um músculo, um tendão, um pingo de sangue para ser explorado». Para «protecção» contra a serpente dos seus tormentos, os operários têm de juntar as suas cabeças e, como classe, impor uma lei de Estado, um impedimento social superpoderoso que os impeça a eles próprios de, por contrato de livre vontade com o capital, se venderem a si próprios e à sua descendência até à escravatura e à morte. Para o lugar do pomposo catálogo dos «inalienáveis direitos humanos» entrou a modesta Magna Charta de um dia de trabalho legalmente limitado, que finalmente «esclarece quando acaba o tempo que o operário vende e quando começa a seu próprio». Quanto mutatus ab illo

Apetece dizer que... "está aqui tudo!", que... "está tudo dito".
Mas nunca está! E, no meio do encantamento ao transcrever este trecho, ainda tive de me forçar a não transcrever as elucidativas notas, para não ultrapassar dimensão razoável para este meio de comunicação. Embora deva incluir uma esclarecendo que a expressão em latim quer dizer "quão mudado está do que era", e é expressão da Eneida de Virgílio. E que não se pode consentir que volte a mudar no sentido contrário, para o tempo sem tempo livre. Se mudança há a fazer, ela é a de que o esclarecimento de quando acaba o tempo em que se vende força de trabalho e quando começa o tempo próprio, livre, se refira aos operários e a todos os trabalhadores!

Uma Magna Charta

5 comentários:

cid simoes disse...

[2ª tentativa para publicar comentário]

Há os que vão à nascente e nos dão a beber água pura. Obrigado Sérgio pelo post (e os muitos livros) e ao Fonseca-Statter pelo “O Preço das Coisas” que estou lendo com muito interesse.

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

Ainda a propósito dos grotescos que nos vão desgovernando («quosque tandem»? como diria o outro...) vem a propósito referir a risível estória (se isto fosse uma comédia, claro) de aumentar a produtividade com mais uma meia-hora de trabalho diário. Vê-se bem que nunca tiveram que trabalhar em equipa. Sabem lá o que é motivação... e «dar o litro». E depois vem a questão do tempo livre... Nos tempos da luta pelas 8 horas diárias (48 por semana... e já lá vão uns cem anos...) a maior parte dos trabalhadores morava perto dos locais de trabalho. Era assim suposto terem umas 2 a 4 horas «livres»... Hoje nem isso. Ou seja, andámos para trás e ainda vêm com aumentar os horários de trabalho. Está tudo doido!!!

cid simoes disse...

"Está tudo doido!!!".

Será só doidice?

Sérgio Ribeiro disse...

Obrigado pelos comentários!
A propósito, transcrevo um comentário, a um dos contundentes "posts" em o Cantigueiro, de um certo Zambujal (com que me identifico heteronimamente:
"... Diria mesmo o básico! Por exemplo, que produtividade é um ratio, i.e., uma fracção que tem no denominador o tempo de trabalho. Ora se o denominador aumenta sem que o numerador tenha um crescimento superior ao aumento do denominador, a produtividade baixa. Elementar, meu caro Watson-Cantigueiro."

Abraços

Graciete Rietsch disse...

Bons esclarecimentos este post e respetivos comentários me trouxeram.
Obrigada e um beijo.