sexta-feira, novembro 04, 2011

Quem deve o quê a quem

Numa paragem por aqui, ganhei a manhã a informar-me, a ler coisas. Também mails amigos (os de promoção, de aliciamento para me endividar, de ofertas mirabolantes... apago-os de imediato). Um mail amigo (obrigado, Vítor) manda-me uma troca de cartas publicadas na revista Stern. Mandou-mas em espanhol, e resolvi traduzi-las (por minha conta e risco) e reproduzi-las:

Há algum tempo, foi publicada , na revista, uma “carta aberta” de um cidadão alemão, WalterWuelleenweber, dirigida a “caros gregos”, com um título e sub-título:

Depois da Alemanha ter tido de salvar os bancos,
agora tem de salvar também a Grécia
Os gregos, que primeiros fizeram alquimias com o euro,
agora, em vez de fazerem economias, fazem greves

Caros gregos,
Desde 1981 pertencemos à mesma família.
Nós, os alemães, contribuímos como ninguém mais para um Fundo comum, com mais de 200 mil milhões de euros, enquanto a Grécia recebeu cerca de 100 mil milhões dessa verba, ou seja a maior parcela per capita de qualquer outro povo da U.E.
Nunca nenhum povo até agora ajudou tanto outro povo e durante tanto tempo.
Vocês são, sinceramente, os amigos mais caros que nós temos.
O caso é que não só se enganam a vocês mesmos, como nos enganam a nós.
No essencial, vocês nunca mostraram ser merecedores do nosso Euro. Desde a sua incorporação como moeda da Grécia, nunca conseguiram, até agora, cumprir os critérios de estabilidade. Dentro da U.E., são o povo que mais gasta em bens de consumo
Vocês descobriram a democracia, por isso devem saber que se governa através da vontade do povo, que é, no fundo, quem tem a responsabilidade. Não digam, por isso, que só os políticos têm a responsabilidade do desastre. Ninguém vos obrigou a durante anos fugir aos impostos, a opor-se a qualquer política coerente para reduzir os gastos públicos e ninguém vos obrigou a eleger os governantes que têm tido e têm.
Os gregos são quem nos mostrou o caminho da Democracia, da Filosofia e dos primeiros conhecimentos da Economia Nacional.
Mas, agora, mostram-nos um caminho errado. E chegaram onde chegaram, não vão mais adiante!!!

Na semana seguinte, Stern publicou uma carta aberta de um grego, dirigida a Wuelleenweber:

Caro Walter,
Chamo-me Georgios Psomás. Sou funcionário público e não “empregado público” como, depreciativamente, como insulto, se referem a nós os meus compatriotas e os teus compatriotas.
O meu salário é de 1.000 euros. Por mês, hem!... não vás pensar que por dia, como te querem fazer crer no teu País. Repara que ganho um número que nem sequer é inferior em 1.000 euros ao teu, que é de vários milhares.
Desde 1981, tens razão, estamos na mesma família. Só que nós vos concedemos, em exclusividade, um montão de privilégios, como serem os principais fornecedores do povo grego de tecnologia, armas, infraestruturas (duas autoestradas e dois aeroportos internacionais), telecomunicações, produtos de consumo, automóveis, etc.. Se me esqueço de alguma coisa, desculpa. Chamo-te a atenção para o facto de sermos, dentro da U.E., os maiores importadores de produtos de consumo que são fabricados nas fábricas alemãs.
A verdade é que não responsabilizamos apenas os nossos políticos pelo desastre da Grécia. Para ele contribuíram muito algumas grandes empresas alemãs, as que pagaram enormes “comissões” aos nossos políticos para terem contratos, para nos venderem de tudo, e uns quantos submarinos fora de uso, que postos no mar, continuam tombados de costas para o ar.
Sei que ainda não dás crédito ao que te escrevo. Tem paciência, espera, lê toda a carta, e se não conseguir convencer-te, autorizo-te a que me expulses da Eurozona, esse lugar de VERDADE, de PROSPERIDADE, da JUSTIÇA e do CORRECTO.
Estimado Walter,
Passou mais de meio século desde que a 2ª Guerra Mundial terminou. QUER DIZER MAIS DE 50 ANOS desde a época em que a Alemanha deveria ter saldado as suas obrigações para com a Grécia.
Estas dívidas, QUE SÓ A ALEMANHA até agora resiste a saldar com a Grécia (Bulgária e Roménia cumpriram, ao pagar as indemnizações estipuladas), e que consistem em:
1. Uma dívida de 80 milhões de marcos alemães por indemnizações, que ficou por pagar da 1ª Guerra Mundial;
2. Dívidas por diferenças de clearing, no período entre-guerras, que ascendem hoje a 593.873.000 dólares EUA.
3. Os empréstimos em obrigações que contraíu o III Reich em nome da Grécia, na ocupação alemã, que ascendem a 3,5 mil milhões de dólares durante todo o período de ocupação.
4. As reparações que deve a Alemanha à Grécia, pelas confiscações, perseguições, execuções e destruições de povoados inteiros, estradas, pontes, linhas férreas, portos, produto do III Reich, e que, segundo o determinado pelos tribunais aliados, ascende a 7,1 mil milhões de dólares, dos quais a Grécia não viu sequer uma nota.
5. As imensuráveis reparações da Alemanha pela morte de 1.125.960 gregos (38,960 executados, 12 mil mortos como dano colateral, 70 mil mortos em combate, 105 mil mortos em campos de concentração na Alemanha, 600 mil mortos de fome, etc., et.).
6. A tremenda e imensurável ofensa moral provocada ao povo grego e aos ideais humanísticos da cultura grega.

Amigo Walter, sei que não te deve agradar nada o que escrevo. Lamento-o.
Mas mais me magoa o que a Alemanha quer fazer comigo e com os meus compatriotas.
Amigo Walter: na Grécia laboram 130 empresas alemãs, entre as quais se incluem todos os colossos da indústria do teu País, as que têm lucros anuais de 6,5 mil milhões de euros. Muito em breve, se as coisas continuarem assim, não poderei comprar mais produtos alemães porque cada vez tenho menos dinheiro. Eu e os meus compatriotas crescemos sempre com privações, vamos aguentar, não tenhas problema. Podemos viver sem BMW, sem Mercedes, sem Opel, sem Skoda. Deixaremos de comprar produtos do Lidl, do Praktiker, da IKEA.
Mas vocês, Walter, como se vão arranjar com os desempregados que esta situação criará, que por ai os vai obrigar a baixar o seu nível de vida, Perder os seus carros de luxo, as suas férias no estrangeiro, as suas excursões sexuais à Tailândia?
Vocês (alemães, suecos, holandeses, e restantes “compatriotas” da Eurozona) pretendem que saíamos da Europa, da Eurozona e não sei mais de onde.
Creio firmemente que devemos fazê-lo, para nos salvarmos de uma União que é um bando de especuladores financeiros, uma equipa em que jogamos se consumirmos os produtos que vocês oferecem: empréstimos, bens industriais, bens de consumo, obras faraónicas, etc.
E, finalmente, Walter, devemos “acertar” um outro ponto importante, já que vocês também disso são devedores da Grécia:
EXIGIMOS QUE NOS DEVOLVAM A CIVILIZAÇÃO QUE NOS ROUBARAM!!!
Queremos de volta à Grécia as imortais obras dos nosos antepassados, que estão guardadas nos museus de Berlim, de Munique, de Paris, de Roma e de Londres.
E EXIJO QUE SEJA AGORA!! Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados.

Cordialmente,

Georgios Psomás

Apetece dizer:
toma e vai-te curar! 

20 comentários:

Justine disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Justine disse...

Abençoado grego, que tão bem expõe as suas ideias!

cid simoes disse...

E recentemente obrigados a comprar 400 tanques aos EUA e 6 fragatas aos franceses.

Antuã disse...

Ora toma que já almoçaste, nazi de merda.

Olinda disse...

Com que cara teria ficado o ignorante e arrogante alemao perante a eloquente resposta de Georgios Psomás?

Graciete Rietsch disse...

Grande resposta do grego.A crise tão bem explicada!!!

Um beijo.

trepadeira disse...

Acabo de surripiá-lo.Não resisti.

Um abraço,
mário

Isabel G disse...

Congratulations Georgios Psomás! Absolutely fantastic!

joão josé cardoso disse...

Tive de expropriar este artigo, em nome da verdade...
http://aventar.eu/2011/11/07/como-um-grego-ensina-a-um-alemao-a-historia-das-dividas

Sérgio Ribeiro disse...

Expropriem à vontade!

Saudações

Carla Abreu disse...

Muito bom!

Anónimo disse...

FANTÁSTICO!

A parte final é um hino de apelo à resistência de um povo:

"EXIGIMOS QUE NOS DEVOLVAM A CIVILIZAÇÃO QUE NOS ROUBARAM!!!"
................................
Já que posso morrer de fome, quero morrer ao lado das obras dos meus antepassados."

Anónimo disse...

E, porque não aprendemos com os nossos irmãos gregos?...será que a nossa própria história é assim tão diferente?!hummmm...vejamos...conquistas,história,tesouros,desperdícios,seguir desalmadamente culturas estrangeiras,criticar bastante,não fazer nada para melhorar as situações,esperar dos outros aquilo que não fazemos,não atuar quando necessário,criticar tudo depois...
Semelhanças?...
Beijinhos e bom weekend

Anónimo disse...

Andam a levantar muito o nariz. Não se lembram que durante a guerra não faziam nada. Divertiam-se, comiam e bebiam à conta do trabalho dos povos invadidos. Trabalhadores? Tiveram que arregaçar as mangas porque ficaram com o país devastado. E o dinheiro que roubaram aos judeus? Onde está? E as obras de arte? E aqueles que depois da guerra enriqueceram dando informações às famílias sobre paradeiro dos seus familiares na esperança de ainda os encontrar vivos?

Anónimo disse...

texto excelente. A guerra que fizeram era com armas, não tiveram sucesso, agora é feita encapotada,dixam os países à mercê, para depois ficarem donos deles...isto tudo em NOME DA CRISE

João Espinho disse...

Será possível ler as cartas em alemão ou ter acessso à sua publicação na "Stern"?
Obrigado

Anónimo disse...

Este funcionário público, grego´sabe de que fala e tal como ele o sabem todos os políticos gregos incluindo os de mediana cultura, e porque se calam? Porque razão? Embora eu não conheça bem a politica grega, não peco se a julgar pela portuguesa, uma politica de políticos sem preparação, a prepararem-se para rapar o tacho e depois fazendo-se de vitimas abandonarem o barco.

Luis Miguel Silva disse...

http://mygpslostitself.blogspot.com/2011/11/tragedia-grega.html E o que tenho a dizer! :o)

Anónimo disse...

Ainda bem que publicaram uma coisa que muitos de nós sabíamos.
Uma vez, antes da união das duas alemanhas, ouvi dizer uma frase que me chocou na altura "A Alemanha unida é um perigo para a Europa".
Será que tinha razão quem o disse?

Anónimo disse...

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