Estamos a atravessar um período (histórico) de desnorte.
Não faço ideia, ninguém fará, quanto tempo demorará, mas por vezes é difícil atravessar o tempo que vivemos sem que uma grande angústia nos tome, sem que a indignação e a raiva cresçam em desmedida, sem que os dias sejam de ira. E só a luta, a luta contínua e continuada nos dá força para ultrapassar a angústia, a indignação, a raiva, os dias de ira.
Dies irae é uma expressão consagrada na música e na poesia, por tantos - Mozart e outros que tais, Miguel Torga e outros mais -, muitas vezes retirada do seu contexto literal e trazida para o significado religioso do dia do juizo final.
No fascismo, muitos dias sentimos como "dias de ira", e Miguel Torga os traduziu no seu Dies Irae, cujo começo tinha (e tenho) de cor, como um grito surdo, um berro mordido, sem angústias paradas porque sempre procurando a luta, onde e com quem, com as minhas forças e fraquezas, com "as incertezas dos homens com certezas".
Dies Irae
Apetece cantar, mas ninguém canta.
Apetece chorar, mas ninguém chora.
Um fantasma levanta
A mão do medo sobre a nossa hora.
Apetece gritar, mas ninguém grita.
Apetece fugir, mas ninguém foge.
Um fantasma limita
Todo o futuro a este dia de hoje.
Apetece morrer, mas ninguém morre.
Apetece matar, mas ninguém mata.
Um fantasma percorre
Os motins onde a alma se arrebata.
Oh! Maldição do tempo em que vivemos,
Sepultura de grades cinzeladas,
Que deixam ver a vida que não temos
E as angústias paradas!
Miguel Torga, Cântico do Homem
Dies Irae - Dias da Ira,
título de um hino do século XIII
escrito por Tomás de Celano.
São outros (e os mesmos...) os fantasmas.
Mostram-se num governante (?!) a falar do desemprego como "área de conforto" e a aconselhar a emigração como que numa reprimenda a quem se acolhe nessa...´"área de conforto"; num ministro dos negócios estrangeiros a dizer que "Portugal votou europeu" ao votar a abstenção na entrada da Palestina na Unesco, quando os países da Europa (sem aspas) votaram também sim e não, como os interesses nacionais que defendem lhes recomendou; quando se discutem horários de trabalho de maneira que nos remete para tempos de servidão e escravatura pré-capitalistas.
Mostram-se num governante (?!) a falar do desemprego como "área de conforto" e a aconselhar a emigração como que numa reprimenda a quem se acolhe nessa...´"área de conforto"; num ministro dos negócios estrangeiros a dizer que "Portugal votou europeu" ao votar a abstenção na entrada da Palestina na Unesco, quando os países da Europa (sem aspas) votaram também sim e não, como os interesses nacionais que defendem lhes recomendou; quando se discutem horários de trabalho de maneira que nos remete para tempos de servidão e escravatura pré-capitalistas.
Dies irae
Só a luta!
E a alegria do dia do bolinho!
A ira cresce
mas a esperança multiplica-se.
Até já!
7 comentários:
EXCELENTE!!!
Este poema será o do meu "bom fim de semana" e estes são os tempos em que cada um de nós atinge a sua verdadeira dimensão.
Esta raiva que cresce até florir em sangue.
Guardo as pedras do caminho e não é para construir castelos.
Um abraço,
mário
Que lindo texto táo bem rematado por Mozart!!!!!
Hoje ,os "Dies irae" crescem cada vez mais dentro de nós alimentando a nossa revolta e a esperança de outro futuro, que só com a luta conseguiremos.
Um beijo.
Um governo que recomenda aos seus cidadãos que abandonem o país - http://economico.sapo.pt/noticias/governo-incentiva-jovens-desempregados-a-emigrar_130198.html- é um governo que reconhece o seu falhanço, que não tem solução a apresentar ao país e à sociedade, um governo que merece ser enviado para o exílio antes que seja tarde demais!
João Manuel Gomes - Com o Torga e o Mozart é fácil.
cid simoes - uma escolha sempre (a)certa(da).
trepadeira - metaforicamente... é para atacar canhões, como diz um camarada.
Graciete - ... e multiplicar a esperança.
Carlos Gomes - exactamente. É um governo a pedir que o exilem, ou seja, que o façamos emigrar!
Abraços e beijos
Este poema foi musicado pelo Luis Cilia e fez-me lembrar outros tempos de luta pois de luta tem sido sempre o nosso tempo.
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