segunda-feira, maio 14, 2012

Reflexões lentas – quem é que está falido?

Numa destas andanças em que trago sempre “trabalho para casa”, ficou (re)moendo a ilustração dada por Avelãs Nunes de que vivemos num capitalismo “curioso”, um capitalismo sem falências.

E veio-me à memória o regresso do Parlamento Europeu, em 1999, depois de umas eleições verdadeiramente traumáticas (e não só no plano pessoal), em que a CDU não elegeu o 3º deputado – que era eu – por uma escassíssima margem, com consequências políticas e financeiras muito danosas.

E lembrei-me porquê? Porque, naturalmente, retomei o meu lugar no ISEG para cumprir os dois anos do contrato interrompido pelos dois mandatos anteriores. Foi uma mudança de vida…

Ora, mais que a mudança pessoal de vida, para que aliás me preparara em vários sentidos (como sempre considerei de meu dever, dado estar tão-só em tarefa precária e datada, como deveriam ser todas as dos eleitos representantes de outros), o que encontrei foi uma escola mudada.

Num resumo, inevitavelmente pouco histórico mas impressivo, foi-me atribuída a docência de uma cadeira em que estava encarregado de tratar do funcionamento do Estado como se uma empresa fosse, com os consagrados critérios empresariais. E, lembro-me, havia um texto base do Kugelman em que essa analogia era brilhantemente (como sempre… isto é, cheia de brilho) enunciada.

Ainda estrebuchei, dei a cadeira “à minha maneira”, decerto insatisfatoriamente para toda a gente (a começar por mim), e resolvi abandonar “aquele barco”, renunciando a um ano de contrato. Voltei “à terra”.

Desse episódio na minha vida guardo a arreigada ideia de que um Estado não pode falir! Um Estado-nação tem um património que não é o somatório de activos destinados a um objectivo social determinado, tem um património histórico-cultural, formado em gerações, com uma materialidade incontabilizável e sem um pacto social que não seja uma Constituição (ou algo que a substitua) que rege, em termos gerais, a convivialidade da comunidade, e a que a legislação e os executivos devem obediência.

As empresas, no sentido habitual do termo, são associações com um fim social para que se disponibilizam meios materiais para se alcançar um resultado. Quando os meios próprios ou alheios que se consignam a esse objectivo se tornam insuficientes e/ou são mais os alheios que os próprios, o património passa a negativo, o resultado é inalcançado, e a empresa vai à falência. (Claro que há definições jurídicas – e (talvez) mais rigorosas… – que para aqui não trago.)

Por isso, recentemente começou a irritar-me essa “conversa” do Estado falido, quando o que estava a falir eram empresas.

E mais me irrita quando vejo tudo de “pernas para o ar”: o que não pode falir são as empresas, muito particularmente os bancos (veja-se o BPN e, agora, a Espanha), mas os Estados sim, esses estariam falidos, ou teriam de cobrir, com os sacrifícios dos cidadãos-trabalhadores e contribuintes, os desvarios de alguns cidadãos-empresários e especuladores, consagrados baluartes da cidade ou da sociedade, e da estabilidade, que ees desestabilizam.... Mas que, por isso - por serem estabilizadores -, teriam de ser amparados. Nunca falindo!

Deixemo-nos de meias-tintas:
o que está falido é o capitalismo.





4 comentários:

samuel disse...

É exactamente para "borrar" essa conclusão, que os media despejam toda a tinta que podem em cima da verdade...

Abraço.

ernesto azevedo disse...

De facto amigo Sergio e Samuel de facto a manipulação dos média e não só é uma verdadeira falência.
Ou então como um estado nunca pode falir na verdadeira icongruência terá dever absoluto falir para as empresas não falirem, ou seja o único que não pode falir é o capitalismo
um abraço aos dois

Graciete Rietsch disse...

"O capítalismo tem os séculos contados", como disse o Prof. Avelãs Nunes.
Mas já viveu tantos séculos que bem podia ir falindo já.

Um beijo.

Olinda disse...

O capitalismo está falido,mas os capitalistas gozam de boa saúde financeira e tratam o sistema com toda a gana para o manter vivo.

Abraço.