sexta-feira, março 04, 2016

Crónica internacional - a luta pela Paz


 - Edição Nº2205  -  3-3-2016

Cessar-fogo?

Seria bom se o acordo de cessar-fogo na Síria, assinado no dia 22 de Fevereiro pela Rússia e EUA, e que já teve o aval do governo sírio e do Conselho de Segurança da ONU, representasse o fim da mortífera guerra que há mais de quatro anos destrói aquele país laico do Médio Oriente. Mas essas esperanças não assentam sobre bases sólidas.
Logo no dia seguinte à assinatura do acordo, o Wall Street Journal citou «um alto funcionário governamental» para afirmar que o ministro da Defesa Ashton Carter, o Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, General Joseph Dunford, e o director da CIA John Brennan formaram uma «aliança emergente de falcões face à Rússia, que evidencia discórdia no seio dos altos funcionários militares e diplomáticos» e defende uma escalada militar contra o governo sírio e a Rússia. Segundo o jornal, esses altos dirigentes dos EUA exigem medidas para «fazer os russos sofrer a sério» e dá como exemplo «o fornecimento de armas terra-ar que permitam aos combatentes oposicionistas travar o poder aéreo russo, com sistemas que representem uma mudança de fundo no curso dos acontecimentos». Tradução: capazes de abater aviões russos. Dois dias mais tarde, os EUA procediam «ao segundo lançamento dum míssil balístico inter-continental no espaço duma semana». Para que não ficassem dúvidas, o vice-ministro da Defesa Robert Work afirmou que os ensaios «enviam uma mensagem de que Washington tem um arsenal nuclear eficaz, aos rivais estratégicos como a Rússia, a China e a Coreia do Norte. 'É precisamente para isso que o fazemos', afirmou» (Reuters, 26.2.16).


O anúncio do cessar-fogo resulta da dramática situação em que se vieram a encontrar os bandos terroristas que combatem a guerra de agressão imperialista contra o povo sírio, fruto da colaboração militar do governo sírio com os seus aliados russos, iranianos e do Hezbollah. Terroristas a soldo dos EUA, como os próprios admitiam em tempos que pareciam mais prometedores: «Num escritório secreto próximo da fronteira síria aqui [na Turquia], agentes secretos dos Estados Unidos e seus aliados […] pagam salários mensais de pelo menos $100 a cerca de 10 000 combatentes no Norte da Síria» (New York Times, 18.9.14). Terroristas que incluem o ISIL e a Frente al-Nusra, a quem o economista norte-americano Michael Hudson chama uma «Legião Estrangeira Americana, que é enviada para qualquer país que se pretende destruir e conquistar» (entrevista publicada em www.nakedcapitalism.com, 17.2.16).


É certo que as discórdias cada vez mais públicas entre ramos diferentes do governo dos EUA, ou entre este e alguns seus aliados (como Israel ou a Turquia) reflectem os fracassos e o enfraquecimento relativo da super-potência imperialista. Mas, para além dos arrufos, o cessar-fogo representa uma possibilidade de aliviar a pressão sobre esses bandos e recuperar forças. É também natural que haja nestas notícias e declarações a vontade de fazer voz grossa num momento de recuo. Mas o belicismo imperialista tem causas objectivas e seria perigoso subestimar a criminalidade da classe dirigente dos EUA e do seu «Estado profundo». O capitalismo encontra-se numa crise sistémica, que vai conhecer novos episódios graves. A correlação de forças económica está em profunda mudança. Nos próprios EUA, a intensidade da crise social reflecte-se na explosão de episódios de violência, no aumento da toxicodependência e da taxa de mortalidade, na diminuição da esperança de vida para os mais pobres (The Atlantic, 4.11.15; New York Times, 16.1.16) e também, embora de formas perversas, na própria campanha eleitoral presidencial. Incapaz de responder à sua crise, é grande a tentação de recorrer à violência sem freios. Também por isso, o último orçamento militar, proposto no mês passado pelo Prémio Nobel da Paz Obama, prevê um aumento de 1,8 mil milhões de dólares nas despesas com armas nucleares (Reuters, 26.2.16).



Jorge Cadima 

1 comentário:

Olinda disse...

Excelente crónica de J.Cadima!Bjo