segunda-feira, agosto 29, 2022

Aula de hipocrisia informativa - candidata ao Pulitzer

 Lê-se de uma assentada, nesta manhã, na habitual correria de actualização informativa. É no Expresso curto. De arma carregada.

O título é curto, sugestivo. Prende. O texto é profuso de dados e factos encadeados. Alimenta o susto em que vivemos à ocidental maneira.

Que nos deixa a leitura e a sua subliminaridade?

- que a ameaça nasceu com a perda do monopólio da arma nuclear, quando outros que não os seus inventores a ela tiveram acesso (então não se está a assinalar o “Dia Internacional contra os Ensaios Nucleares, 73 anos depois da ex-União Soviética fazer o seu primeiro teste”?

- que não fora isso, e nada de mal teria vindo ao mundo: tudo estaria controlado, sossegadinho, só preocupados com os somenos da inflação.

- que a ameaça só nasceu, e esteve sempre, do outro lado, do lado dos “índios maus”, dos incivilizados, dos não oxidentalizados (a tal União Soviética, Cuba, Coreia-a-desNorteada, Irão, Rússia, China... só 85% da Humanidade!).

- que, neste apogeu apolíptico, até há um ministro dos negócios estrangeiros “apostado (!) em passar a mensagem de que uma Terceira Guerra Mundial será nuclear” (nem vale a pena acrescentar o nome...).

- que “Passaram três dias desde o bloqueio da Rússia a um acordo na 10ª conferência de revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear que tem 191 signatários(assim sublinhado!), não se referindo que é no decurso da negociação de revisão (e por reservas a 5 parágrafos), e que essa revisão de acordo se deve a que um outro Estado (os EUA) se tenha dele retirado.

- que logo se entala, num curto período no meio do texto, a referência a “… que as nuvens em forma de cogumelo ensombraram Hiroshima e Nagasaki, mataram dezenas de milhares de pessoas em segundos, deixaram uma pesada herança radioativa aos sobreviventes.”

- (referência de passagem) que, mais adiante, se pessoaliza e suaviza: Mas Harry Truman, o presidente norte-americano que deu ordem para atacar Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, recusou acionar o gatilho atómico pela terceira vez.”, não parecendo merecer a pena sequer referir que foi a única vez que o tal gatilho foi accionado, e por quem e porquê!

- que Kiev, qual cereja no topo do bolo, “abriu mão das armas nucleares quando trocou o estatuto de terceira maior potência nuclear do planeta pelo reconhecimento da independência do país, após a dissolução da União Soviética (1991), está impedida de responder.”


E por aqui me fico! É esta a “informação” que nos formata! Ao serviço do império(lismo)!

sábado, agosto 27, 2022

As eleições em Angola

 - Nº 2543 (2022/08/25)


A razão dos ataques a Angola e ao MPLA

Internacional

Após a II Guerra Mundial, com a vitória da URSS e aliados sobre o nazi-fascismo, os ventos da emancipação nacional e social sopraram mais fortes também em África.

Em Angola, onde o povo sempre resistiu – de uma forma ou de outra – à dominação estrangeira, organizações nacionalistas foram construindo a unidade e, na segunda metade dos anos 50, juntaram-se e formaram um amplo movimento popular de libertação, o MPLA.

Perante a recusa da ditadura fascista e colonialista em Portugal em discutir uma solução pacífica que conduzisse à independência das suas colónias, tornou-se inevitável o desencadear da luta armada de libertação, primeiro em Angola, em 1961, depois na Guiné-Bissau e em Moçambique.

Tal como nas outras colónias em luta, o combate emancipador do povo angolano, sob a direcção do MPLA e do seu líder, Agostinho Neto, exigiu espantosos sacrifícios. Ao fim 13 anos de guerra e, em 1974, com a Revolução de Abril em Portugal, foram criadas condições para a independência das colónias, o que no caso de Angola aconteceu a 11 de Novembro de 1975, com a proclamação em Luanda da República Popular de Angola.

Não foi a almejada paz: o valente povo angolano e o MPLA tiveram de lutar ainda longamente para defender a integridade territorial do seu país e criar condições para construir pacificamente o desenvolvimento.

Lutaram contra os agressores chegados do Norte (tropas zairenses, forças da FNLA – apoiada desde a sua criação pelos EUA –, mercenários recrutados pela CIA) e contra os invasores pelo Sul (colunas militares do regime do apartheid e grupos da UNITA), uns e outros, mancomunados, procurando liquidar à nascença a jovem república.

Rechaçados os invasores em 1975, as Forças Armadas Populares de Angola (FAPLA), entretanto formadas, apoiadas por combatentes internacionalistas de Cuba, continuaram a lutar, durante anos, defendendo a pátria angolana contra as agressões do exército da África do Sul racista e seus aliados internos.

Em finais de 1987 e princípios de 1988, desenrolou-se no Sudeste de Angola a Batalha de Cuito Cuanavale, envolvendo milhares de soldados, aviões e tanques, confronto que terminou com a vitória das heróicas forças angolanas-cubanas e a derrota do poderoso e até então considerado «invencível» exército do apartheid sul-africano.

A vitória de Cuito Cuanavale consolidou a independência e soberania de Angola, deteve o avanço das forças do apartheid, desencadeou o processo de desmantelamento do regime racista de Pretória – imparável, após a libertação de Nelson Mandela –, abriu caminho à independência da Namíbia.

Ocorreram, pois, no último quartel do século XX, mudanças de dimensão histórica na África Austral, de que são exemplos as independências de Angola, Moçambique e Namíbia, o fim do regime racista na Rodésia e o nascimento do Zimbabwe, o desmoronar do apartheid e a emergência da África do Sul democrática. Mudanças que significaram um recuo do imperialismo norte-americano, instigador e apoiante do colonialismo e dos regimes racistas no continente africano e no mundo.

É o ódio contra essas transformações progressistas, nunca aceites pelos seus inimigos de sempre, a razão dos ataques, ampliados em tempo de eleições, contra Angola e o MPLA, o partido da independência.

 Carlos Lopes Pereira


ódios e rancores que não se apagam 

terça-feira, agosto 23, 2022

 


Na defesa das pegadas 

de dinossauro 

de Ourém–Torres Novas

Petição pública, dinamizada pelo professor António Galopim de Carvalho, exige a criação de um projecto científico, pedagógico, lúdico e turístico para as pegadas de Ourém–Torres Novas.

O Monumento Natural das Pegadas de Dinossáuro de Ourém–Torres Novas contém cerca 400 pegadas de grandes saurópodes, muitas delas bem conservadas e organizadas em 20 trilhos.
O Monumento Natural das Pegadas de Dinossáuro de Ourém–Torres Novas contém cerca 400 pegadas de grandes saurópodes, muitas delas bem conservadas e organizadas em 20 trilhos. Créditos/ DR

Situado no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros, o Monumento Natural das Pegadas de Dinossáurios de Ourém–Torres Novas contém um importante espólio fóssil do período Jurássico, incluindo pegadas dinossauros saurópodes, alguns dos maiores seres vivos que alguma vez existiram no planeta.

A petição, que pretende alcançar as 4000 assinaturas necessárias para a levar à discussão na Assembleia da República, solicita a criação de «um projecto para este espaço, envolvendo, em especial, as componentes científica, pedagógica, lúdica e turística de superior qualidade, a nível internacional».

Nas suas redes sociais, o professor António Galopim de Carvalho, professor jubilado e director emérito do Museu Nacional de História Natural da Universidade de Lisboa, realça a «raridade e o significado geológico e paleontológico desta jazida do Jurássico, com cerca 275 milhões de anos».

São «cerca de 400 pegadas de grandes saurópodes, muitas delas bem conservadas e organizadas em 20 trilhos, tendo dois deles mais de 140 metros. A estas excepcionais características, acresce «a grandiosidade e espectacularidade da jazida, no topo de uma única camada de calcário com 62 500 m2 de superfície».

Consideram os subscritores que aquela zona dispõe de uma extensa área envolvente, susceptível de «comportar diversos equipamentos complementares». «Na posse de um património com tais potencialidades, Portugal pode e deve dar-lhe o tratamento que se impõe». A petição recolheu, até ao momento, 2900 assinaturas.

quinta-feira, agosto 18, 2022

... quando são coisas que são apenas...

... quando são coisas (aquelas do post anterior, e tantas outras) que são (ou apenas deveriam ser) signos sinais* da podridão daquilo a que chegou o que se chama, metaforicamente, democracia ocidental.

* - Signo Sinal - excelente título na ficção de Vergílio Ferreira 

Se há coisas que...

 Se há coisas que, francamente, me incomodam, me causam brotoejas

  • uma, é ver gente com imensas telhas de vidro politica/furiosamente a atirar pedras aos telhados dos outros;

  • outra, é ver o meu nome próprio, que já foi muito raro, a ser motivo de muito (e muito negativo) falatório, pretexto para as pedradas

                                                                     "O estranho caso Sérgio Figueiredo"

então as duas coisas juntas incomodam-me muito mais... 

  

segunda-feira, agosto 15, 2022

Reflexões lentas - OSCE, ONU?!... para quê se há a NATO!

Há, decerto, quem não concorde com alguns comentários. Nem Avelãs Nunes alguma vez se terá distraído da sua posição de sempre de recusa do pensamento único. A começar, evidentemente, por não pretender que os seus comentários únicos sejam e esgotem a interpretação dos factos, e que as citações, em que abunda, façam o pleno do que os factos motivam. O que ninguém, com um mínimo de seriedade intelectual, pode deixar de reconhecer (e de agradecer) é o incomparável contributo de Avelãs Nunes para a informação fundamentada da actualidade que se vai vivendo.

O anexo sobre a guerra na Ucrânia, que se sentiu obrigado a juntar a A integração europeia-um projecto imperialista (que estava no prelo), com redacção terminada a 15.05.2022, é o seu mais recente texto[1].

Trata-se de um verdadeiro repositório, ou arquivo devidamente organizado, de posições múltiplas e variadas sobre o que tanto se falou e fala, se fez informação caudalosa e pouco esclarecedora (não era esse o objectivo de tal “informação”…). O trabalho  de Avelãs Nunes é indispensável para o conhecimento do processo, e não se pode (nem deve) tratar em resumos e recensões. É, como trabalho de arquivo, para guardar para consultas oportunas e à mão...de semear informação verdadeira.

Não se quer mais que anotar a publicação. e chamar a atenção para a sua oportunidade e deixar um exemplo, resultante da nossa leitura. Do nosso estudo a partir do texto.

Refere Avelãs Numes, a terminar o seu apêndice (de 48 bem recheadas páginas em tipo de letra não generoso para o leitor), a Acta de Helsínquia, de 1975, documento imprescindível[2] em qualquer abordagem da temática das relações internacionais. Refere-a escrevendo que, nessa acta, se trata de reconhecer que “o direito de um país à segurança não pode pôr em causa o direito de outro à segurança”.

Sublinhe-se que essa acta não se ficou por ser um documento. Lembre-se que dela nasceu uma organização, a Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE)[3].

Como simples nota, nos acordos de Minsk, de 2014 (acertados entre a Rússia, a Ucrânia, a França e a Alemanha), houve a última referência a intervenção activa da OSCE, cuja execução foi, depois, boicotada (como lembra Avelãs Nunes) pelo governo ‘nacionalista’ da Kiev (creio que com o aval, se não mesmo com o estímulo dos Estados Unidos)".

Para quê a OSCE (e Acta de Helsínquia… e, também, a ONU) se há a NATO para regular, perdão, impor as regras e as guerras?


[1] - se é que o é, e não há, já, outros textos de Avelãs Nunes à espera de oportunidade para o labor que nem a idade nem tempo de férias lhe concedem folga.

[2]  -  ou que o deveria ser…

[3] - que é a maior organização regional de segurança do mundo, abrangendo todos os Estados europeus, a Federação Russa, os países da Ásia Central, a Mongólia, os Estados Unidos da América e o Canadá, num total de 57 membros, existindo ainda 13 “parceiros para a cooperação” da Ásia e do Mediterrâneo[3]. Portugal participou no processo de formação da organização desde a sua primeira reunião, tendo sido um dos 35 signatários da Acta Final de Helsínquia (1 de agosto de 1975) que estabelece os princípios que deveriam reger as relações entre os Estados participantes..

 

quinta-feira, agosto 11, 2022

des gosto

do (quase-)diário

 

11.08.2022

 

Nas muitas vidas desta vida já tão longa e variada, passei pela de docente.

 

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Dei aulas formais no ISE, na FEUC, no IPT, além de passagens (ou substituições) no ISCTE,  no ISCPU, e em muitos outros lugares e espaços com toda a informalidade mas com esse título de professor (que nunca assumi, ou só com muitas reservas).

 

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Dos milhares de participantes-ouvintes-“alunos” (em particular em Estudos Aplicados de Economia e Integração Económica no ISE) houve um que, desde a “aula de apresentação”, nos anos 80, me despertou  atenção… entre outras causas por termos o mesmo não muito comum nome.

 

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Integrou um grupo que se distinguiu, e de que ele era, de certo modo, líder, afirmou afinidades ideológicas e características em que me revia com a idade dele, criaram-se laços de trabalho e reflexão, de amizade (chamava ao filho dele, que entretanto nascera, Sérgio IIIº).

 

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Com naturalidade, vi nele o espelho da juventude em que, desde idade madura, procuro reconhecer-me.

 

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Na década de 90, com a minha ida para o PE, houve algum distanciamento, que se foi alargando, alguns sinais que me preocuparam. posições e decisões suas que nos afastaram.

 

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Tive pena e, em reacção a uma atitude sua que me desgostou, lembro-me de lhe ter escrito que deixara de ser um dos espelhos da minha juventude em que me revia (e avaliava), porque, do outro lado do espelho, via alguém bem mais envelhecido que eu.

 

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Esperava, quando nos conhecemos, que “viesse a dar que falar”, muito me desgosta tanto “dê que falar”, e por estas razões.

(...)

 em:



OPINIÃO



ARMAS NUCLEARES
A bomba atómica

MANUEL GOUVEIA


Não haverá um depois depois de a humanidade voltar a utilizar – militarmente – uma bomba atómica. Porque nada de humano lhe sobreviveria, e até a história desse acto final da nossa espécie ficaria por fazer.

(...)

terça-feira, agosto 09, 2022

Há 15 anos... neste blog!

... então, como há um ano,

HOJE... mais do que há um ano!

quinta-feira, agosto 09, 2007

A Maria, de O Cheiro da Ilha, no dia 6 de Agosto lembrou-nos a "Rosa de Hiroshima" para nos lembrar Hiroshima. Fez bem. Agradeci-lhe e saudei-a. Retomo, hoje, a lembrança.
Hoje, e sei porquê, aqui voltei
Hoje, e sei porquê, de novo ouvi os Secos e Molhados
e de novo ouvi o Ney Matogrosso cantar Vinicius de Moraes
Hoje, e sei porquê
Hoje, porque não chegava Hiroshima,
Hoje, 9 de Agosto,
porque ao horror de Hiroshima se quis juntar o horror Nagasaki
Hoje, e sei porquê,
porque é hoje - também - que é preciso dizer "oh não se esqueçam"!



Pensem nas crianças

Mudas telepáticas

Pensem nas meninas

Cegas inexactas

Pensem na mulheres

Rotas alteradas

Pensem nas feridas

Como rosas cálidas

Mas oh não se esqueçam

Da rosa da rosa

Da rosa de Hiroshima

A rosa hereditária

A rosa radioactiva

Estúpida e inválida

A rosa com cirrose

A anti-rosa atómica

Sem cor sem perfume

Sem rosa sem nada

6 e 9 de Agosto de 1945

segunda-feira, agosto 08, 2022

Bom dia (?)

de Expresso curto:

Bom dia,

Foi um fim de semana sangrento na Palestina. Três dias de bombardeamentos israelitas sobre a Faixa de Gaza deixaram um rasto de destruição e provocaram pelo menos 44 mortos, incluindo 15 crianças, e mais de 300 feridos. Os hospitais da região estão à beira do colapso e a situação humanitária pode agravar-se ainda mais, já que os serviços de saúde correm o risco de parar por falta de eletricidade, uma vez que a ofensiva está a bloquear a entrada de combustível no enclave palestiniano.

A operação militar foi iniciada sexta-feira por Israel, que a classificou como uma “ofensiva preventiva”, por alegadamente ter informações de que a jihad islâmica se preparava para atacar, embora não tenha apresentado provas disso. Em resposta, o grupo islamista, apoiado pelo Irão, lançou centenas de rockets contra o estado hebraico, a grande maioria intercetados, sem provocar vítimas.

A maior escalada de violência na Palestina desde maio do ano passado, quando morreram 256 civis palestinianos e 14 em Israel, obrigou o Conselho de Segurança das Nações Unidas a agendar para hoje uma reunião de emergência para analisar a situação de tensão no Médio Oriente, que parece já estar a acalmar. As conversações entre as duas partes decorreram ao longo de todo o dia de ontem, com a mediação do Egito, e à noite Israel e a jihad islâmica palestiniana anunciaram ter sido alcançado um cessar-fogo.

(...)


sexta-feira, agosto 05, 2022

Entre incêndios e cheias...

  - Nº 2540 (2022/08/4)


Das cheias, que todos dizem violentas

Internacional

Não se culpe a chuva, mesmo que, em apenas 12 horas, o Kentucky, nos EUA, tenha registado 25 por cento da precipitação anual. Não se culpe tampouco a rapidez das cheias, que em minutos arrastaram milhares de casas, estradas e pontes. Não se culpe sequer a violência dos rios. Façamos antes como Brecht e olhemos antes para as margens que os comprimem.

As cheias do Kentucky foram repentinas, não foram uma surpresa. São o resultado de décadas de construção desordenada, destruição de várzeas, mineração nos cumes das montanhas, desinvestimento público e, sobretudo, níveis de pobreza incompatíveis com a expressão “país mais rico do mundo”.

Nos condados mais afectados pelas cheias as taxas de pobreza variam entre os 27 e os 40 por cento. Estas populações são tão pobres que simplesmente não têm dinheiro para fugirem às cheias, muito menos para se mudarem permanentemente para zonas mais elevadas e menos perigosas. É um ciclo armadilhado: as cheias empobrecem e ao empobrecerem tornam ainda mais difícil escapar às próximas cheias. As identidades dos 40 mortos que já se conhecem vieram confirmar a velha sina: só os pobres morrem nestas catástrofes que de naturais não têm nada.

Depois da tragédia, o Estado demorou dias a fazer chegar qualquer auxílio a milhares de pessoas, relegando a diferença entre a vida e a morte para associações privadas de caridade. À data da publicação deste artigo, milhares de pessoas continuam sem esgotos, sem água, sem electricidade ou mesmo sem casa. Apesar dos pedidos de ajuda federal do governador, no total, só dois abrigos públicos ainda foram disponibilizados.

Que os rios e as cheias podem ser violentos, já todos sabemos. Mas o que dizer das margens que os comprimem e dos marginais que os violentam? O que dizer da grande burguesia da mineração que desfloresta e arranca impune os cumes dos Apalaches, destruindo qualquer capacidade de infiltração das montanhas e comprometendo todo o ciclo hidrológico? O que dizer desses capitalistas que durante mais de um século combateram o movimento sindical de pistola na mão até atirarem gerações de mineiros e as suas famílias para a pobreza mais abjecta? Violentos — eles sim, com as suas aldeias de rulotes, as suas epidemias de opióides, os seus salários-esmola, as suas prisões lotadas e os seus lucros que as cheias não levam.

António Santos

quinta-feira, agosto 04, 2022

Reflexões lentas - democracia à moda do capital

 

“democracia” à moda do capital

(modelo e exemplo)

 

O esvaziamento conceptual das palavras, ou a desvirtualização do que é apregoado como valores, faz parte essencial da agressão ideológica que é enroupada de desideológica contra o que (e quem) tem uma ideologia. E  a assume.

Cada vez que é utilizado o vocábulo democracia haveria que procurar o sentido com que a palavra é atirada para comunicação, para a informação aos cidadãos do que se está a passar no mundo que vivemos.

Embora, por vezes, se lhe acrescente a localização do conceito (democracias ocidentais), esse acrescento é distracção, quando não é intenção perversa própria do pensamento único, como se democracia fosse propriedade de uma parte do universo e de mais nenhuma.

Absolutiza-se e privatiza-se o conceito, como, aliás, tudo é pretendido absolutivizar e privatizar, o que corresponde a uma desvirtualização do conceito, a um esvaziamento do(s) valor(es) que encerra.

… porque há mais do que uma democracia?

Não!, porque sendo una, a democracia pode tomar várias formas. Sendo una, enquanto prática da convivência dos seres humanos, em partilha solidária igualitária que respeite as desigualdades individuais naturais; podendo tomar várias formas e não apenas uma, segundo os lugares em que se pratica e as suas formas e histórias das comunidades locais.

O mais grave atentado ao conceito e valor da democracia é o de a espartilhar num modelo único: a democracia é isto!…  e o que assim não seja não é democrático.

 

No seu tempo histórico, a predominância do capital (enquanto relação social) sempre procurou impor a “sua democracia” e, nesse intuito, chega a ser caricata a obsessão de impor um modelo: a democracia ocidental! tornando a palavra, o conceito, o valor humano, numa definição que os dicionários apontam como “regime político”: a democracia é o regime político que… e sai modelo!

E o modelo é a valorização de determinadas estruturas padronizadas, sobrevalorizando esmagadoramente a representatividade traduzida eleitoralmente, relativamente à vertente essencial da participação (informada) de quem é afirmado deter o real poder, assim tornado inconsequente.

O modelo exporta-se, Estado a Estado, com ligeiras e apenas formais diferenças, procurando impor-se em toda a parte e em todas as condições… senão não há democracia!

 

 

No modelo à moda do capital, a estrutura da sociedade é dualista. Coerente com uma ideologia binária, deverá haver situação e oposição, os prós e os contras, o sim e o não, e o resto é (ou tem de ser obrigado a ser) paisagem, acessório.

Vejamos expressões de um espectro político desejado, e adeqado à “democracia”:

·       Democratas e republicanos

·       Sociais-democratas e cristãos-democratas

·       Democratas-cristãos e sociais-democratas

·       Conservadores e trabalhistas (e liberais)

·       PSOE e PP

·       PS e PSD-PPD

·       “esquerda” e “direita”.

 

Depois… tudo se confunde. As políticas são as mesmas, de tão parecidas que, por vezes, é quase surpreendente que as maiores diferenças pareçam existir no interior de um dos lados dos binários.

Por exemplo: as posições de Biden (1ª figura do “modelo de democracia” estadounidense) e de Pelosi (3ª figura do “modelo de democracia” estadounidense) relativamente a uma ida a Taiwan, de que pode resultar (veja-se lá!) uma situação verdadeiramente assustadora para a Humanidade… foram diferentes, embora do mesmo partido, considerado como o mais progressista (ou o menos reaccionário) dos E.U.A..

A decisão que prevaleceu, adoptou, com toda a clareza, a forma de uma provocação, como foi sobejamente advertido pela China, teria sido democrática? Foi da “democracia ocidental”, cujo poder não está no povo dos Estados Unidos mas em interesses ligados a um regime político totalmente condicionado pelos interesses dominantes, pelo complexo industrial-militar.

 

Do que pode estar dependente o futuro da Humanidade! De evidentes e indesmentidas provocações de uma “democracia” à moda do capital!