quinta-feira, dezembro 31, 2020

Na "economia de mercado"... a "tratarem-nos da saúde"

  - Edição Nº2457  -  30-12-2020

Lucros COVID

Para milhões de pessoas, 2020 foi trágico. Dramas de saúde, emprego, rendimentos, pobreza e fome. Mas para os multimilionários, foi um ano de bonança. A pandemia tem marca de classe.

Um relatório do Banco Suíço UBS afirma (Guardian, 7.10.20) que os 2189 bilionários do planeta se deram «extremamente bem» com a pandemia, «elevando as suas já enormes fortunas para um nível recorde de 10,2 triliões [10.200.000.000.000] de dólares», mais do dobro do PIB do Japão. O Institute for Policy Studies informa que a riqueza dos 650 bilionários dos EUA subiu, desde Março, «1 trilião de dólares», quase 5 vezes o PIB de Portugal. O estudo identifica uma dúzia de grandes empresas «cujos donos e executivos viram disparar a sua riqueza e lucros, mas com desempenho muito insatisfatório em matéria de protecção dos seus trabalhadores.

O caso mais famigerado é o aumento de 70 mil milhões de dólares na riqueza do dono da Amazon, Jeff Bezos, enquanto se estima que 20 000 trabalhadores da Amazon tenham sido infectados com o COVID-19» (Guardian, 9.12.20). A organização Americanos pela Justiça Fiscal afirma: «o crescimento da riqueza [dos bilionários EUA] é tão grande que poderiam pagar 3 mil dólares a cada homem, mulher e criança do país e ainda assim ficarem mais ricos do que eram há nove meses» (Guardian, 19.12.20). Mas o grande capital é quem mais beneficia de apoios estatais. Assim se explica que, com a economia mundial em grande queda, o índice bolsista Dow Jones ultrapasse pela primeira vez os 30 mil pontos.

Segundo dados (26.12.20) do Centro Europeu para a Prevenção e Controlo de Doenças (ECDC), o país do mundo com mais mortes COVID per capita é a Bélgica, sede da União Europeia e da NATO: 1,64 mortes por cada mil habitantes. Há quatro países do G7 entre os 10% de países com maior taxa de mortalidade: Itália, Reino Unido, EUA e França, além da Espanha (todos acima de 0,90 por mil). Apesar de sua população idosa, a potência capitalista com melhor desempenho é o Japão, com 2,29 mortos por cada cem mil habitantes. Mas tem o dobro da mortalidade da acossada Cuba (1,21 por cem mil).

Não há ricas potências capitalistas entre os 25% de países com menos mortes per capita. Mas estão lá a China, com 3,32 mortos por milhão de habitantes (500 vezes menos que a Bélgica), o Vietname (35 mortes, 0,36 por milhão) e o Laos (zero mortes!). Para os governos ao serviço do grande capital, a saúde é um negócio lucrativo e não um serviço público. Em vez de investimento em saúde pública, há estados de excepção, confinamentos e medo sem fim. As vacinas das grandes multinacionais, independentemente da sua eficácia, vão gerar mega-lucros privados à custa do erário público.

Em ano COVID, outro negócio rende: a guerra. Nos EUA o Congresso aumentou o orçamento militar para 740 mil milhões de dólares e travou anunciadas retiradas de tropas da Alemanha ou Afeganistão (UPI, 4.12.20). Na Suécia o Parlamento acaba de aprovar, alegando uma «crescente agressão russa na região do Báltico» [?!?], um aumento de 40% nas despesas militares (Financial Times, 20.12.20). Na Grécia o aumento do orçamento militar chega mesmo aos 57%, «ao mesmo tempo que a verba para a saúde baixa 17% em relação a 2020» (Marianne, 21.12.20). É o que os governos ao serviço do grande capital entendem por ‘tratar-nos da saúde’.

 

Jorge Cadima

Palavras bem ditas

  - Edição Nº2457  -  30-12-2020


Palavras

Aos votos para o novo ano é necessário acrescentar, se é que ainda ninguém o fez, o pedido urgente de um novo léxico. As palavras que usamos já não servem para exprimir a realidade, estão gastas. Não pelo uso, não, longe disso, mas pelo abuso a que são sujeitas todos os dias, em todas as línguas, em todos os azimutes.

Diz-se amor e ódio com a displicência com que se fala do dia ou da noite. Declara-se amor à t shirt da moda, ao brunch vegan, à namorada ou ao jardim da Estrela com a mesma ligeireza com que se afirma odiar a couve de Bruxelasos bombons de Joana Vasconcelos ou as peúgas de homem brancas.

Fala-se de dor e tortura para contar uma ida ao dentista onde as intervenções são feitas sob anestesia. Morre-se de fome quando se falha ou atrasa uma refeição. Morre-se de medo a ver um filme de terror e a comer pipocas. Equipara-se uns dias de bloqueio de estrada e a perda do Natal com a família à vida nos campos de refugiados. Classifica-se de humanitário o extermínio de milhões de seres humanos em fornos crematórios.

Nos discursos oficiais, fala-se com pompa e circunstância da justiça e da igualdade, ainda que a força bruta de realidade grite o contrário. «A justiça e a igualdade de acesso sempre foram essenciais e ver a vacinação começar em todos os estados-membros, sejam pequenos ou grandes, é um momento importante de solidariedade da UE», garantiu há dias a comissária europeia da Saúde, Stella Kyriakides, numa nota à comunicação social, asseverando que a «UE atravessou esta pandemia em unidade e agora também estamos a iniciar o processo para pôr um fim duradouro à pandemia, juntos e unidos». Seria cómico se não fosse tão trágico.

Depois de se ter assistido ao salve-se quem puder no início da pandemia, com cada Estado-Membro a olhar para o umbigo e a fechar-se, literalmente, em casa, a que se seguiu o indecoroso espectáculo do regateio das ajudas para sobreviver à crise, a que se junta agora a distribuição, segundo critérios não divulgados, de vacinas adquiridas num (mais um) negócio sigiloso, depois de tudo isto, dizia, ocorre perguntar o que significa justiça, igualdade, solidariedade, unidade...

Parafraseando o poema de Chico Buarque – ... de muito gorda a porca já não anda / de muito usada a faca já não corta / como é difícil, pai, abrir a porta / essa palavra presa na garganta... –, o vocabulário a uso de tão torcido já não serve, de tão deturpado já não presta, de tão conspurcado já não assiste ao que verdadeiramente importa.

Neste início de ano ainda por estragar, e porque é nosso dever falar, fazemos nossas as palavras do poeta francês Léon-Paul Fargue: «É preciso que cada palavra que cai seja o fruto bem maduro da suculência interior». Bom ano.


Anabela Fino

terça-feira, dezembro 29, 2020

Reflexões lentas - Torre Bela a dois tempos

Muito se fala e falará na que já foi célebre (no pós-longínquo 25 de Abril) Herdade da Torre Bela e que parece recuperar celebridade, que não celebração.

Nos idos meados dos anos 70, a Herdade da Torre Bela ficou célebre por ter ilustrado um episódio de revolucionarismo à pressa, de tudo-e-já, que mereceu muito mais revelo no discurso publicado então (esta formulação tem a ver com as últimas reflexões lentas) que os avanços numa reforma agrária, parceladora em unidades e cooperativas de produção no latifúndio, emparceladora no minifúndio.

Pessoalmente, lembro o entusiasmo despertado em jornalistas amigos ou de fresco conhecimento, vindos das Bélgicas e Franças que se acoitavam ou passavam pela casa na Rua do Sol ao Rato… aquilo e assim é que era!(1), e os meus esforços para moderação, e outra ponderação sobre o que se estava a passar.  

Bons tempos, apesar de (e contra) tudo.

Pois agora, ai está a Herdade da Torre Bela de novo na berlinda. Desta feita por um facto que merece geral indignação e repúdio.

No entanto, como também parece generalizar-se, as reacções, as reflexões, os comentários a que se ten acesso, ficam-se pela epiderme, pela veemência, pela espuma (dos dias), não chegando, ou até fugindo de se aproximar do… fundo da questão, das causas do facto.

Haverá (ou haveria) um negócio em trânsito (ao que parece de dimensão apreciável) que se concretizaria na ocupação de um espaço que teria de ser libertado de fauna que o ocupava impertinentemente.

Em vez de uma matança discreta que, sendo discreta, não teria qualquer rentabilidade, encontrou-se, com sentido empreendedor, uma forma de desencadear mais e outros negócios.

Uma transnacional organizou uma batida, um montado, em que o desfrute lúdico de dar ao gatilho e abater seres vivos seria trocado por quantidade vultosa de euros, acrescendo currículos de caçadores eméritos.

Os negócios entretecruzaram-se numa operação de que resultou a limpeza do espaço através da concretização de negócio cinegético.

540 gamos, javalis e veados abatidos?, quantos euros movimentados?

Merecendo todo o espaço que lhe é dedicado, o facto deveria levar a reflexão mais longe, mais fundo, à sociedade “de mercado”, em que o negócio impera imperial e que, por vezes, se desmesura e destapa o que, sem o excesso de ganância, poderia ficar no segredo do negócio... que, ao que parece, é a alma deste.

_______________________________________

E, a propósito, quantos índios navajos e lakotas, das reservas em espaço dos Estados Unidos, foram usados como cobaias humanas, para testes pela Universidade John Hopkins, ao serviço da empresa transnacional Pfizer, quantos morreram, quantos ficaram mais doentes do que já estavam (e, como cobaias; com doenças novas enquanto sobreviventes).

                E não se pode exterminá-lo(s)?...


________________________________________

(1)- o radicalismo pequeno-burguês de fachada socialista, como sempre, a ajudar a classe dominante a manter o domínio, sobretudo quando periclita nesse domínio na correlação de forças.

segunda-feira, dezembro 28, 2020

Reflexões lentas (breve)

 São tão “fofinhos”

 A revista do último Expresso dedica duas páginas de Culturas-Livros à (transcrevo) «Segunda obra magna de Thomas Piketty, “Capital e Ideologia”…»[1] e, começando assim, fica-se logo logo a saber que o comentador considera que Piketty tem duas obras magnas, podendo pôr-se a dúvida do que se pode entender por magnitude de uma obra (número de páginas?, encadernação?, tiragem?) mas a dúvida nem terá razão para existir para quem começar a ler.

Isto apesar de outras dúvidas que leitor prenhe de dúvidas pudesse ter a partir do título, Todas diferentes, todas desiguais, no entanto suficientemente esotérico para aliciar para a leitura ou provocar reacção contrária.

Mas, ultrapasse o leitor que somos o título e as linhas patamares de entrada em que o comentador da obra magna (a segunda!) dá a pista de que Piketty se propõe fazer a história social, e económica, e ideológica, da desigualdade.

Lidas as duas páginas, em que putativo leitor é poupado a quase uma pela dimensão da foto do autor, seria injusto dizer que, como era uso dizer (não sei se ainda é) nos tribunais, aos costumes disse nada porque, aos costumes… disse de outra maneira. Mais, aos costumês, disse de maneira que talvez sirva para esconder outras maneiras… De quê?... de abordar a história social e a magna (essa sim, magna) questão da(s) desigualdade(s).

Porque o que parece evidente, a este leitor com dúvidas e em dúvida, é que a Piketty, e ao comentador por ele, o que importa não é fazer a história daquilo que rdiz, o que implicaria procurar as causas, que noutras abordagens se identificam, mas atenuar ou apaziguar os efeitos dessas causas. Assim como que um piscar de alertas dirigido ao poder que controla o(s) discurso(s). Porque são vários os discursos que legitimam o privilégio e, logo, a desigualdade, como o do inventariador dos efeitos, e o do seu comentador.

Sim, porque é quase caricata a apresentação das própostas «como base para um programa de esquerda»: atribuição de poder aos trabalhadores (por quem?, pelo Papa?, pelos que detém o poder e, com ele, controlam o discurso que os legitima?) e… a criação de impostos fortemente progressivos. Pois!

É tão fácil apresentar “soluções. Como diz Jerónimo, o papel aguenta tudo.

Parafrasei-se, “à maneira”, Almeida Garrett (1799-1854):

de quantos desiguais se faz um privilegiado?

Ou cite-se (isto é, recite-se) Cunhal (em 1998[2]):

O capitalismo ter-se-ia superado a si próprio. Teria deixado de ser capitalismo, para ser agora «economia de mercado». Já não haveria capitalistas mas «empresários». Seria um «capitalismo civilizado», sem classes antagónicas, um capitalismo sem proletários, sem luta de classes, nem natureza de classe de governos e políticas, seria uma sociedade nova definitiva e final constituída por cidadãos conscientes, cordatos e mutuamente solidários, aceitando, assinando e cumprindo «pactos de regime», «pactos sociais», «pactos» e mais «pactos» pelos quais os cidadãos trabalhadores (agora dizemos nós) aceitariam renunciar a direitos fundamentais e vitais. Ou seja, ser explorados pelos cidadãos capitalistas e os cidadãos capitalistas continuar a explorar os trabalhadores e a justificar-se perante a opinião pública através dos seus fantasiosos teorizadores.”.


[1] - Todas diferentes, todas iguais, Luis M. Faria

[2] - O Caminho para o derrubamento do fascismo - o IV Congresso, edições avante!

Reflexões lentas - Grito (calado?)!

 GRITO (calado?)!

 “Afinal, quem controla o poder controla o discurso”, li algures[1].

Esse controlo do discurso ganha expressão evidente quando o discurso se torna espectacular, o que quer dizer espectáculo e especulação.

Foi e é o caso do discurso relativo à pandemia que nos (a todos) atacou.

O poder[2] é uma sucessão, ou escada, ou hierarquia, em que o poder económico (dominado pelo poder financeiro, monetário e transnacional), subordina o poder político, apesar da aparência de supremacia deste, por ser dele que se vêem dimanar as decisões… e controlar o(s) discurso(s).

Ora este controlo do discurso, o que se diria ser a informação pública, ou melhor: publicada e/ou publicitada, deu a esta o carácter avassalador, de grande espectáculo, neste período de enorme e algo inesperado surto epidémico. E passou por fases em que se inculcaram sucessivas ou sequentes linhas de força.

Primeiro, alguma desorientação, descoordenação, em que as várias expressões do poder político, cada uma à sua maneira, reagiram aos factos. No entanto, em todas as dominantes aconteceu a clara, ainda que escondida, intenção de aproveitamento de pretexto para ultrapassar, quando não eliminar, constrangimentos que em “situações normais” seriam mais difíceis de contrariar.

O medo!, justificando medidas de excepção, emergência, calamidade, estado de sítio, golpes de Estado à revelia de direitos conquistados e constitucionalizados.

Aos poucos, passo a passo, e sentindo-se a procura de articulação de linhas de força, quase se diria “ajudada” pela não atenuação do surto epidémico ou até do seu agravamento – a segunda vaga, a nova estirpe –, a consolidação e melhor coordenação a partir do real poder. Do poder económico (financeiro, transnacional).

E apregoou-se a luz ao fundo do túnel sob a forma de vacina. Com a afanosa procura de  remédio-remendo que viesse equilibrar o medo e evitar o pânico. Silenciando outras vias, de/em outros hemisférios, ao que parece bem mais rápidas e eficazes para o combate real, verdadeiro, não espectáculo, ao mal que atacou a Humanidade.

Avanços em Cuba, na China, na Rússia, reais passos em frente no ataque ao vírus? Um clamoroso silêncio, acompanhado por uma barulhenta campanha de afirmação das virtudes da investigação científica… em economia livre, “de mercado”. Uma corrida concorrencial que, noutros termos de informação seria, no mínimo, escabrosa. Marketings, jogos de Bolsa, compras às cegas, linguagem em milhões, milhares de milhões, biliões (de quê?, não importa) como carradas de areia para os olhos e os ouvidos, e todos os eventuais outros sentidos dos humanos.

Ainda, os aproveitamentos colaterais dos simultâneos engulhos, mesmo ocasionais, no interior do poder: os Trumps e Boris, o Brexit, a situação dos mais desfavorecidos dos desfavorecidos.

Finalmente, ontem, o grande, o fantástico, o retumbante show das vacinações. O dia D, a hora H, o vacinado V, pela enfermeira E, à vista da ministra M, com comentários dos superiores P e 1º. Aqui, ali, acolá! O dia, o acto que "ficará para sempre na memória"... dos protagonistas. 

Com algumas falhas, alguns deslizes ou prepotências que levaram a traiçoeiras antecipações, é verdade. Mas de pronto silenciados, ou deixados para protestos quando oportunos e inconsequentes, para não estragar o espectáculo de braços nus à espera da espetadela, em várias línguas e cores de pele (ou estou a enganar-me?, e eram apenas peles de rostos pálidos que outras cores, outros paladares, foram antes picados ou ficam para mais tarde).

E aqui, neste parenteses último, salta uma indignação insolente. Que poderia fundamentar uma contra-informação, um contra-poder. Que existe sempre, porque – é vital não esquecer! – nunca o poder se exerce sozinho, resulta de uma correlação de forças em que umas dominam outras, e estas outras constituem o efectivo contra-poder. Que existe!, mesmo quando não será oportuno manifestar-se porque o poder se manifestou com tal força, com tal impacto no sentir e na consciência (adormecida ou mal desperta) dos humanos, que qualquer reserva, ou real, comprovada, informação, vinda desse contra-poder, soaria a despropositada, a ressabiamento, quiçá a terrorismo informativo, no mínimo a estraga-festas

É oportuno, neste choque de informações, opor ao quase delirante, eufórico, espectacular e especulativo episódio histórico, grandioso momento da Humanidade, dia e hora para não esquecer, para fixar em anais e onde mais, é oportuno lembrar o já feito sem pompas nem circunstâncias que tais, em Cuba, na China, na Rússia?  Não provocaria uma reacção generalizada e indignada de repúdio.

Mais: quem se atreverá ou, atrevendo-se, que consequências terá vir lembrar que, nesta corrida demencial para iluminar o fundo do túnel com uns frasquinhos de marca registada (e que já lucros e dividendos de milhares de milhares de milhões proporcionaram), houve quem tivesse sido obrigado a despir (se é que estava vestido) o braço de outra cor, quase esquelético e/ou cheio de doenças ancestrais, para uma universidade ligada a transnacional do capital testar se braços carnudos, redondos, poderiam receber a seringa salvadora, para mais com televisões e outras vias que tais a testemunharem e a transmitir, em directo e em muito repetidos diferidos?

Atrevo-me ou não? Não se trata de saber se me trará, a mim, benefícios ou prejuízos, trata-se de saber se será útil, se dará algum contributo positivo neste momento desta luta insana à pala da saúde pública. Isto é, de TODOS (e neles incluo os sacrificados das reservas peles vermelhas dos Estados Unidos, bem mais sacrificados heróis que os heróis nossos, que, verdade se diga, heróis teriam sido…).

Também com a escassa audiência que este “grito” tem, não vem bem ou mal aos(s) mundos(s). Por isso. publique-se



[1] - li esta frase num outro texto de outro autor e cometo a talvez incorrecção de não dizer onde e de quem porque isso implicaria a exigência de tratar dos pressupostos e ilações que contornam a frase, o que ficará para outra ocasião ou oportunidade… ou, dito de outra forma, não perde pela demora.

[2] - numa/nossa leitura que vem de 1848, e que a realidade sempre diferente/sempre igual vai confirmando,

sexta-feira, dezembro 25, 2020

Uma notícia para o dia de natal... mesmo a calhar

 Britanniques et Européens saluent un « bon accord » sur les relations post-Brexit

« Nous serons votre ami, votre allié, votre soutien et, ne l’oublions pas, votre premier marché », a affirmé le premier ministre britannique, Boris Johnson.


Notícia de hoje. 
Decerto em inglês, e em alemão, e em italiano, e em grego, e em espanhol, e nas línguas escandinavas e bálticas e do mar negro, e talvez em esperanto,

Mas será que os britanniques deixaram de ser européens por terem decidido deixar de fazer parte da União Europeia?

Tudo isto me faz lembrar uma enorme encenação... ou talvez seja o meu gosto pelo teatro que me faz reagir assim.

quarta-feira, dezembro 23, 2020

Caixote-de-lixo, precisa-se!

acabado de ler: 

L’UE propose de créer un réseau de « banques poubelles » nationales pour écouler les créances douteuses [Économie] 

Traduzindo à letra (+/-): A União Europeia propõe criar uma rede de "bancos-caixote-de-lixo" nacionais para dar vazão aos créditos duvidosos (que grande "poubelle" seria necessária... e caberia lá todo o capitalismo?!)

 

sábado, dezembro 19, 2020

Foi num dia assim...

 Foi num dia assim, há 59 anos, na Rua da Creche, ao Calvário, hoje Rua Dias Coelho.

... como se fosse hoje...



sexta-feira, dezembro 18, 2020

Reflexões lentas - fascismo, vigentismo, capitalismo, socialismo

 18.12.2020

O uso de máscaras (e de mascarilhas), que para tantos surge como novidade incómoda, é muito antiga.

Só que, cá pelos ocidentes, até este ano de (des)graça de 2020, as máscaras e mascarilhas se usavam para finalidades em que os seus portadores ou queriam esconder as suas identidades (assaltos a bancos por exemplos muito filmados) ou queriam divertir-se em épocas festivas, como os carnavais a antecederam as quaresmas.  

Aliás, os romances de capa e espada podiam chamar-se de capa, mascarilha e espada…

Agora, e aqui por este Portugal, depois de algumas dúvidas, hesitações e balbucios, a Direcção Geral de Saúde acabou por se render e recomendar (ou mais que isso) o uso de máscaras para fins sanitários de prevenção de contágios e de acesso ao nosso interior de vírus e outras espécies virulentas para a nossa saudinha, o que já era uso e costume (injustamente ridicularizado neste jeito euro ou ocidento-centrismo) por cidadãos de urbes orientais.

E encontro aqui, nesta referência à DGSaúde, uma via fértil para metáforas sobre máscaras e disfarces.

É que esta sigla-abreviação já foi em tempos usada para esconder uma coisa que se chamava PIDE, e Pide ficou para a triste História de um tempo português em que a PVDE (“pevide”) a antecedeu como designação abreviada, e foi prosseguida sob a máscara de DGS, ou seja (mas não pegou) Direcção-Geral de Segurança, a DGS de Marcelo que queria continuar salazarismo renovando-o.

E esta dança das designações e siglas para definir, e também para esconder, situações, instituições e factos tem que se lhe diga... é como a Nau Catrineta que tem muito para contar.

Ainda ontem (ou foi anteontem?) apareceu uma palavra nova que perturbou um bocado: vigentismo.

A sua origem (no caso presente… e não sei se haverá outros) está no texto de um jornalista (Germano Oliveira) que chama a atenção – alerta! – para a proposta de emenda à nossa Constituição que começaria por, na introdução, em vez de se dizer que A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascistase diria que… derrubou o regime vigente.

E o jornalista, com todo o discernimento, define o que seria o vigentismo, uma máscara para esconder o fascismo, e abrir-lhe as portas do sistema político democrático para o destruir, e para restaurar o derrubado fascismo!

Gosto de trabalhar as palavras, inventar formas novas de dizer o mesmo mas, também, para as denunciar quando a sua intenção é deletéria, é de corromper, de esconder significados de palavras que se propõe substituírem as conhecidas e usadas.

E é curioso que haja quem, em nome do vigentismo, se proponha anti-sistema, mas qual?, associando-lhe um anti-sistemismo que pode ter todas as variantes que se lhe queira atribuir, com a virtude de mudar… com a armadilha de utilizar o verbo mudar como se fosse verbo não transitivo: mudar para ficar tudo na mesma, como tantas vezes e de tantos se pode citar. 

de tomar o verbo como não transitivo. quando porque mudar tem de conter.

E ao defender-se, ou a propugnar a mudança sem se explicitar de onde e para onde, de quê e para quê, está a tomar-se a posição mais radical da não-mudança,da violência para a continuidade do capitalismo que não tem futuro impedindo a humanização do sistema político em que o ser humano se organiza, a superação pelo socialismo.   

AG das Nações Unidas - 130 contra 2 e 51 abstenções!

A ASSEMBLEIA GERAL DA ONU APROVOU, 
DE FORMA ESMAGADORA, UMA RESOLUÇÃO QUE A RÚSSIA APRESENTA 
HÁ VÁRIOS ANOS 
CONTRA A «GLORIFICAÇÃO DO NAZISMO»
QUE VOLTOU A NÃO CONTAR COM O APOIO DOS PAÍSES DA NATO.

Marcha em honra de Stepan Bandera em Kiev Créditos / Twitter

Por iniciativa da Rússia, a resolução «Combater a glorificação do Nazismo, Neonazismo e outras práticas que contribuem para alimentar formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância relacionada» foi aprovada esta quarta-feira, na Assembleia Geral das Nações Unidas, com 130 votos a favor, dois votos contra (EUA e Ucrânia) e 51 abstenções (incluindo a de Portugal, de todos os estados-membros da União Europeia e outros países «sérios», como o Reino Unido, que definem o que são eleições «sérias» ou «direitos humanos», e decretam sanções contra «países não sérios»).

A resolução apela aos estados membros da ONU para que aprovem legislação para «eliminar todas as formas de discriminação racial» e expressa «profunda preocupação sobre a glorificação, sob qualquer forma, do movimento nazi, do neonazismo e de antigos membros da organização Waffen-SS».

Neste sentido, refere-se à construção de monumentos e memoriais, bem como à celebração de manifestações públicas em nome da glorificação do passado nazi, do movimento nazi e do neonazismo.

Os apoiantes da resolução mostram-se preocupados com «as tentativas cada vez mais frequentes de profanar ou demolir monumentos erigidos em memória daqueles que combateram o nazismo na Segunda Guerra Mundial, bem como de exumar ou remover os restos mortais dessas pessoas», informa a agência TASS.


O texto da resolução destaca também o alarme da Assembleia Geral das Nações Unidas perante «a utilização das tecnologias de informação, da Internet e das redes sociais, por grupos neonazis, bem como outros grupos extremistas e indivíduos que defendem ideologias de ódio, para recrutar novos membros, visando em especial crianças e jovens».

A Assembleia Geral, refere a TASS, recomenda aos estados que «tomem as medidas concretas apropriadas, incluindo legislativas e educativas (...) para evitar o revisionismo sobre a Segunda Guerra Mundial e a negação de crimes contra a humanidade e crimes de guerra cometidos na Segunda Guerra Mundial».

A representação diplomática dos Estados Unidos junto das Nações Unidas, refere a RT, lembrou que vota repetidamente contra a resolução russa, todos os anos, porque se trata de um documento bem conhecido pelas suas tentativas de legitimar as «narrativas de desinformação russa», que «denigrem os países vizinhos sob a aparência cínica de travar a glorificação do nazismo».

Para além disso, afirmou que a resolução é contrária ao «direito de liberdade de expressão», a que também os «nazis confessos» têm direito, tal como estipulado pelo Supremo Tribunal dos EUA.

quinta-feira, dezembro 17, 2020

Caderno de aponta mentes-4 - Coisas da arca do velho

 Ao fazer esta revisão do que foi editado - por minha inteira (ir?)responsabilidade - deparo-me com algumas surpresas e procuro responder-me a algumas dúvidas (porque é que editei isto?). As respostas que a mim próprio dou variam muito. 



Por exemplo (e há um caderno por exemplos...), este caderno de aponta mentes nº4 surpreendeu-me, agora que o revejo passados mais de 5 anos. Naturalmente. Porque ele foi todo construído numa espécie de nuvem, não só sentido em cada papel em que pegava e seleccionava, como nalguns caso com a nuvem real de pó que levantava. é que são papéis escolhidos entre papéis que não têm arca que os contenha.

Mas não só por isso. Este caderno teve colaboração, pedida e correspondida dos meus filhos, teve apresentações ( e por quem!... o Rogério, o Miguel Tiago), teve quem lesse trechos na apresentação que me surpreenderam (o Rui Vaz Pinto)... foi vendido, porque uma dessas apresentações foi na UNICEPE, a antiga e querida cooperativa do tempo da resistência (e não será que todo o tempo o é?!).

Não gosto mais dele que dos outros. De cada livro editado, o autor tem dele uma relação que vai muito para além da relação com as coisas, é também consigo próprio como coisa (coisas do arco da velha...). Mas este é especial. Percorre-me...

Hesito quanto a novo volume. Material não falta pois todo o meu espaço envolvente são papéis. Para uma nova arca do velho? Talvez alguns se aproveitem. Quais?

Entrevistas entre-vistas

 Notas num (quase)diário:

16.12.2020

Como me tinha preparado (!) ouvi, ao longe e sem grande atenção ao que diziam, a entrevista na RTP1 com o André Ventura, para “tirar o retrato” ao tipo de entrevista, para concluir a avaliação da entrevista na véspera com o João Ferreira.

 &-----&-----&~

O Adelino Faria tomou igual postura à da véspera, o que me leva a crer que foi a adoptada para esta série de entrevistas, isto é, não serem entrevistas em que o candidato é confrontado com a sua candidatura, esclarece (ou não) as causas e os objectivos por que se candidata.

&-----&-----&

 O que AF fez, com o João Ferreira e com o (por)Ventura, foi provocar (é o verbo!) uma discussão em alta berraria sobre tudo o que poderia estar a justificar “peixeiradas” na actualidade.

 &-----&-----&

 Pseudo-entrevistas em que entrevistador não pergunta e ouve a resposta antes de passar à pergunta seguinte, mas em que o entrevistador afirma, interrompe, contradiz, julga e condena sem direito a recurso do entrevistado-réu. 

 &-----&-----&

O que pode ser útil a candidatos como o (por)Ventura e a Ana Gomes, mas não o é para quem tem desta candidatura a ideia de uma oportunidade de falar seriamente de qual o papel a representar pelo órgão institucional a que se candidata.

 &-----&-----&

 Não obstante a maior dificuldade para o João Ferreira, a sua firmeza e presença de espírito têm conseguido ultrapassar as rasteiras e armadilhas com muito nível e decorrente vantagem… se tivesse ouvintes atentos e não telespectadores cansados e pouco disponíveis para o que seja “show-off”, isto é, exibicionismo, ou disponíveis para o que seja apenas isso…

 - Edição Nº2455  -  17-12-2020

UE: «soberania» imperialista

As conclusões do Conselho Europeu nos dias 10 e 11 de Dezembro – e o conjunto de decisões que o antecederam e o vão suceder – confirmam uma estratégia de tirar partido da actual situação para tentar dirimir contradições e levar a cabo novos saltos de aprofundamento da União Europeia. A agenda não é nova.

No seu discurso de Setembro no Parlamento Europeu, no chamado «Estado da União», a presidente da Comissão Europeia já tinha sido muito clara nas orientações que coincidem, não surpreendentemente, com a estratégia e as manipulações ideológicas emanadas dos sinistros corredores do Fórum de Davos em torno da ideia do «renascimento» ou «recomeço» do capitalismo, agora apresentado como «digital», «verde», «social», «para todos».

As prioridades do trio de presidências (onde se inclui a portuguesa) e as conclusões do Conselho Europeu apontam todas no mesmo sentido. Debaixo de uma capa «social», de que o pilar europeu dos direitos sociais é «marca», tentar o desenvolvimento de renovadas fileiras de acumulação e centralização de capital – as chamadas «agendas verde e digital» –, nomeadamente com a centralização da decisão sobre investimentos de acordo com os projectos e interesses dos grandes monopólios e das principais potências; alargar e aprofundar o mercado único em variadas áreas (com as consequentes ondas privatizadoras), como é exemplo o projecto da «União da Saúde», entre vários outros; institucionalizar mecanismos adicionais de dependência, imposição e ingerência, como é o caso dos novos condicionalismos agora associados ao Orçamento da UE e ao Fundo de Recuperação, com a lenga-lenga das «reformas estruturais» e a institucionalização da ingerência política e ideológica; transferir ainda mais parcelas da soberania nacional para o plano supranacional, como é o caso dos «recursos próprios» do Orçamento da União Europeia; aprofundar a deriva securitária, invocando o terrorismo, a «segurança digital», a «defesa dos valores», ou instrumentalizando hipocritamente a questão das migrações; e, finalmente, lubrificar e acentuar a natureza imperialista e intervencionista da União Europeia.

Sobre este último aspecto, a União Europeia invoca sempre dois argumentos de fundo para defender a sua dita «política externa e de segurança»: a UE «é um espaço que privilegia a paz, o diálogo, e a diplomacia» e tem de ter «a sua própria identidade». Ora, o Conselho acaba de adoptar duas decisões que mais uma vez comprovam a total falsidade de tais pressupostos. Aprovou um sistema de sanções que manda às malvas vários aspectos do Direito Internacional e do tal diálogo. Já a sua identidade própria é esmagada pela nova profissão de fé de lealdade aos EUA, e de submissão a quase todas as agendas da Administração entrante, incluindo o reforço do militarismo e da NATO.

Pelo meio, os «valores europeus», tão invocados para impor mecanismos de ingerência política e ideológica «dentro de portas», ficam na gaveta quanto à Turquia, à Ucrânia e à abstenção na ONU de resoluções que condenam o nazi-fascismo ou reconhecem os Montes Golã como território Sírio, ou ainda quando a UE alinha com os EUA na agenda desestabilizadora na Venezuela, nas renovadas pressões e provocações contra o Irão ou quando se submete à agenda norte-americana em variados domínios, escancarando as portas à tão almejada «frente unida» contra a China. É caso para dizer que a tal «soberania europeia» de que falava Macron, é, como sempre foi, a «soberania imperialista».

 Ângelo Alves

Aproveitando a(s) máscara(s)

  - Edição Nº2455  -  17-12-2020

A besta

Um despacho da agência Lusa dava conta, nos primeiros dias de Maio de 2019, de que apenas seis países da União Europeia não tinham nos seus sistemas políticos partidos de direita nacionalista ou extrema-direita, os quais estavam no governo em 10 estados membros e dispunham de representação em outros 12 parlamentos nacionais.

As honrosas excepções, à época, eram Portugal, Irlanda, Luxemburgo, Malta, Reino Unido e Roménia, mas foi sol de pouca dura. Em menos de um ano o grupo dos resistentes ficou reduzido a metade (Irlanda, Luxemburgo, Malta).

Um breve olhar para o resto do mundo não mostra um panorama mais animador, o que torna ainda mais pertinente a questão que a todos nos devia inquietar: que caminho é este que estamos a trilhar?

Durante longo tempo os poderes instituídos tentaram fazer-nos acreditar que a experiência terrível de duas guerras mundiais e décadas de ditadura fascista em diversos países, com o seu rol de vítimas, crimes e horror, eram garantia bastante para que «nunca mais», qual vacina eficaz e segura capaz de fornecer imunidade contra a peçonha do nazi-fascismo.

Os surtos que surgiram entretanto foram desvalorizados como epifonómenos sem importância, malgrado a tendência para se reproduzirem com cada vez maior rapidez. A democracia – ou aquilo a que se chama democracia no sistema capitalista – haveria de responder a tais desvios à norma instituída, que é como quem diz a política ao serviço do capital travestida em política ao serviço do povo. Nem mesmo quando Trump e Bolsonaro chegaram ao poder as campainhas de alarme soaram suficientemente fortes para levar à inversão de marcha.

Os resultados estão à vista. O discurso racista, xenófobo, machista, retrógrado, obscurantista; o discurso do ódio, da exclusão, da violência, aí está a cativar as vítimas do neoliberalismo, da globalização, das desigualdades do projecto europeu, servido por uma comunicação social que há muito deixou de ser o cão de guarda da democracia e se transformou – salvo as honrosas excepções – no pé de microfone, no papagaio, na voz do dono, enfim.

Longe vão os tempos em que os candidatos a ditadores usavam a força bruta à tiracolo. Hoje cuidam da imagem, andam pelas redes sociais, são sempre anti-sistema, e falam sem rebuços da lei e da ordem, da família e da justiça, de deus e da pátria, na certeza de que as suas palavras serão reproduzidas até à exaustão.

Os que, no poder instituído, acalentam no seio o ovo da serpente, já nem parecem dar conta do sabor amargo do veneno que vão bebendo. No afã de legitimar a cria, disfarçam o monstro e fazem de conta que basta o manto diáfano da ida às urnas para ocultar a besta fascista.

 Anabela Fino

quarta-feira, dezembro 16, 2020

As entrevistas na RTP-1 (serviço público?)

Notas de um diário: 

16.12.2020

Como me tinha preparado (!), ouvi, ao longe e sem grande atenção ao que diziam, a entrevista na RTP1 com o André Ventura, para “tirar o retrato” ao tipo de entrevista, para concluir a avaliação da entrevista na véspera com o João Ferreira.

 

&-----&-----&

 

O Adelino Faria tomou igual postura à da véspera, o que me leva a crer que foi a adoptada para esta série de entrevistas, isto é, não serem entrevistas em que o candidato é confrontado com a sua candidatura, esclarece (ou não) as causas e os objectivos por que se candidata.

 

&-----&-----&

 

O que AF fez, com o João Ferreira e com o (por)Ventura, foi provocar (é o verbo!) uma discussão em alta berraria sobre tudo o que poderia estar a justificar “peixeiradas” na actualidade.

 

&-----&-----&

 

Pseudo-entrevistas em que entrevistador não pergunta, e ouve a resposta antes de passar à pergunta seguinte, mas em que o entrevistador afirma, interrompe, contradiz, julga e condena sem direito a recurso do entrevistado-réu.  

 

&-----&-----&

 

O que pode ser útil a candidatos como o (por)Ventura e a Ana Gomes, mas não o é para quem tem desta candidatura a ideia de uma oportunidade de falar seriamente de qual o papel a representar pelo órgão institucional a que se candidata.

 

&-----&-----&

 

Não obstante a maior dificuldade para o João Ferreira, a sua firmeza e presença de espírito têm conseguido ultrapassar as rasteiras e armadilhas com muito nível e decorrentes vantagens para todos… se tivesse ouvintes atentos e não telespectadores cansados e pouco disponíveis para o que seja “show-off”, isto é, exibicionismo (ou que só o esteja para o que seja apenas isso)…

Uma declaração muito séria!

REFORÇADA A MINHA DECISÃO DE VOTAR 
EM JOÃO FERREIRA, 
AO ASSISTIR ÀS ENTREVISTAS A ELE (NA RTP) E A ANA GOMES (NA TVI)


-
declara Alfredo Barroso

O senhorito João Adelino Faria, dando total transparência àquilo que pensa, fez a triste figura de 'chico esperto' ao entrevistar na RTP-1 (14/12/2020), com uma estúpida agressividade, o candidato a PR João Ferreira, apoiado pelo PCP, seja interrompendo-o constantemente, seja querendo à viva força que ele se limitasse a responder-lhe "sim ou não" ou "é branco ou é preto" - em vão! Porque João Ferreira é um político sólido, bem preparado, com ideias claras sobre o papel que um Presidente da República deve desempenhar, respeitando os limites dos poderes que a Lei Fundamental lhe atribui, embora tendo sempre presente o juramento que, nos termos da Constituição da República, tem de fazer o Presidente quando toma posse perante a Assembleia da República: «Juro por minha honra desempenhar fielmente as funções em que fico investido e defender, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República Portuguesa»!

Não, eu não sou, nunca fui nem serei comunista, mas acho que o PCP e os comunistas em geral, nomeadamente através dos sindicatos de trabalhadores dos diferentes sectores de actividade, têm sido e devem continuar a ser um contraponto necessário, indispensável mesmo, ao poder político, numa democracia plena, pluralista e pluripartidária. Daí que eu ache que - na ausência, lamentável, de um candidato credível apoiado pelo PS (que não é de modo algum o caso da politicamente estouvada e contraditória Ana Gomes) - é preciso defender e reforçar o papel do PCP na nossa democracia.

Ainda no mesmo dia da entrevista a João Ferreira, fui ver e ouvir a entrevista a Ana Gomes na TVI (bem conduzida, com serenidade e inteligência, por Miguel Sousa Tavares) e foi facílimo perceber quão irresponsável seria, da minha parte (fui o chefe da Casa Civil de Mário Soares durante 10-anos-10), dar o meu voto a uma ex-militante do PCTP/MRPP, e 'cristã nova' recebida no PS por Ferro Rodrigues, e que é uma política bastante imatura, a rondar populismo, a demagogia e mesmo a histeria. A quantidade de 'trambolhões' que ela foi dando na entrevista a MST na TVI foram devastadores.

 Por outro lado, também não gosto do partido de esquerda imaturo e oportunista em que se transformou o BE (para minha surpresa, que sou ingénuo e o apoiei durante vários anos), que parece praticar a política tal como o faz Marcelo PR, ou seja, tomando a vida política como um 'recreio' em que todo o tipo de 'brincadeiras' e 'patifarias' (políticas) são permitidas...

Vou votar - digo e repito - no candidato João Ferreira e incito todos os socialistas genuinamente descontentes a fazerem o mesmo que eu!

Campo de Ourique, 15 de Dezembro de 2020

terça-feira, dezembro 15, 2020

Sobre fascismo e vigentismo

Quase todas as manhãs leio o Expresso-curto. Tomo o pulso ao (meu) dia. Muitas vezes irrito-me, noutras acho que perdi algum tempo. Depende. E há vezes, raras, que acontece. Como hoje. Um enorme texto que é um grande texto. Ganhei o dia, ou ganhei-o para o meu dia:

GERMANO OLIVEIRA

(...) 

O QUE EU ANDO A LER

Sou filho de feirantes, à segunda tínhamos a feira de Espinho onde os meus pais conheceram o Germano Augusto de quem herdei esses dois nomes ao escolherem-no para meu padrinho quando nasci, foi uma circunstância que veio a ter uma coincidência - o restaurante que se tornou o meu preferido das minhas segundas-feiras de criança em Espinho chamava-se O Padrinho, a vida tem redundâncias tão bonitas; sou filho de feirantes, à terça não havia feiras para nós porque era dia de planear as seguintes e de fazer a contabilidade do que se ganhou nas anteriores mas à quarta era a feira dos Carvalhos, foi lá que o meu pai me deixou ir a uma loja subscrever a TV Cabo porque ele não tinha dinheiro para me levar ao mundo mas deixou que eu tivesse dezenas de canais para que o mundo se mostrasse a mim, a vida tem criatividades financeiras tão bonitas; sou filho de feirantes e à quinta era a feira de Pedras Rubras que tinha o nome do aeroporto que agora é Francisco Sá Carneiro e onde eu sonhava viagens naqueles aviões em que nunca pensei ter a possibilidade de entrar mas tive, a primeira vez que voei foi porque me tinha tornado atleta e era preciso um avião para me levar à competição e pagaram-me tudo, então o meu pai veio comigo para nos comovermos a voar sobre Pedras Rubras, a vida tem retribuições tão bonitas; sou filho de feirantes e às vezes não se ia a Pedras Rubras às quintas-feiras porque era necessário ir a Vigo comprar centenas de gomas e dezenas de brinquedos baratos para se venderem mais caros nas feiras de Portugal, eram excursões na camioneta do Sousa que seduzia sempre alguma mulher naquelas viagens, eu queria ser como o Sousa toda a gente queria, o Sousa era alto simpático elegante e conduzia depressa, a vida está cheia de Sousas que nos fazem querer ser mais bonitos; sou filho de feirantes e às sextas era a feira de Santana, enquanto o meu pai vendia bolos de teixeira eu metia-me dentro do velhinho minicamião Mitsubishi dele e fazia daquela cabine a minha feira do livro, Álvaro Magalhães Enid Blyton Ana Maria Magalhães Isabel Alçada, o mundo era uma aventura no Mitsubishi, a vida dá-nos memórias tão bonitas; sou filho de feirantes e ao sábados e domingos não se vendia nas feiras mas na Ribeira do Porto, a Rosa Manca e a Dolores eram as rainhas das vendas daqueles fins de semana e o meu pai o rei do pão, às vezes o Reinaldo Teles e o Pinto da Costa apareciam lá e chamavam Bento Padeiro ao meu pai e eu passei a fazer igual, em vez de pai chamava-lhe Bento, na verdade senhor Bento, sou um institucionalista desde cedo e a minha primeira grande instituição foi aquele padeiro-pai, a vida às vezes dá-nos laços de sangue tão fortes e bonitos.

Mas porque escrevo isto?, não há dramas nem convulsões no que expliquei até aqui, que interessa então?, “o homem moderno necessita de ruído, de excitação constante, quer satisfazer as suas necessidades. Como nos tornámos cada vez mais insensíveis, necessitamos de métodos mais grosseiros de satisfazer a nossa ânsia de estimulação. (...) Fomos intoxicados pela ideia de que tem de acontecer alguma coisa, estamos obcecados com a velocidade e a quantidade”, pois eu podia ter proporcionado isso se quisesse escrever sobre pistolas heroína roubos agressões detenções ou afins, as feiras onde cresci tinham disso tudo mas também o seu oposto, bondade solidariedade abnegação dignidade lealdade e qualidades afins, mas quando se cresce num contexto anormal procuramos ansiosamente agarrar-nos ao que há de mais normal, é uma questão de sanidade e sobrevivência, é escolher entre a serenidade ou a violência, e é por isso que qualquer detalhe banal se transforma num acontecimento fenomenal, a banalidade é tão subestimada então que se sobrestime, e é por isso que quando nos tornamos adultos depois disto ficamos tão necessitados do normal e ainda mais preocupados com o anormal, qualquer detalhe aparentemente inofensivo transforma-se num acontecimento repulsivo, veja isto que andei a ler:

a nossa constituição começa assim, “A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista”, é preciso chamar os regimes pelos nomes, fascista, isso, era fascismo sim, fascismo que na versão simplista dos dicionários online é “uma ideologia política ultranacionalista e autoritária caracterizada por poder ditatorial, repressão da oposição por via da força e forte arregimentação da sociedade e da economia”, mas há um partido que pretende mudar a nossa Constituição para que ela comece assim, “A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime vigente”, reparem, o regime não era fascista mas vigente, o povo não mandou abaixo o fascismo mas o vigentismo, é uma suavização hostil feita de maneira subtil, “uma variante do fenómeno da negação é a ideia de que mudar as palavras também muda os factos”, não muda mas afinal trata-se de negacionismo estratégico, “em 2004, o eminente historiador americano e especialista em história do fascismo Robert O. Paxton publicou a sua notável obra The Anatomy of Fascism, onde sublinha que, no século XXI, nenhum fascista se designará a si próprio como tal”, portanto não o assumem agora tal como escondem os de outrora, não é atitude de gente livre, “a liberdade é a capacidade de um indivíduo se libertar da estupidez, do medo e do desejo, de utilizar a razão e de viver na verdade”, todas estas citações que tenho feito são de um livro que andei a ler, “O Eterno Retorno do Fascismo”, foi escrito pelo Rob Riemen e é uma edição de fevereiro de 2012 que parece sobre dezembro de 2020, “Paxton afirma que o fascismo, devido à sua angustiante falta de ideias e ausência de valores universais, assumirá sempre a forma e as cores do seu tempo e da sua cultura. Assim, o fascismo na América será religioso e contra os negros, ao passo que na Europa Ocidental será laico e contra o islão, na Europa do Leste católico ou ortodoxo e antissemita. A técnica usada é idêntica em toda a parte: um líder carismático, populista, para mobilizar as massas; o seu próprio grupo é sempre vítima (das crises, da elite ou dos estrangeiros); e o ressentimento orienta-se todo para um ‘inimigo’. O fascismo não necessita de um partido democrático cujos membros sejam individualmente responsáveis; necessita de um líder inspirador e autoritário ao qual se atribuem instintos superiores (as suas decisões não têm de ser justificadas), de um líder capaz de ser seguido e obedecido pelas massas. O contexto em que esta forma de política pode dominar é de uma sociedade de massas afectada pela crise que ainda não aprendeu as lições do século XX”, parece que não, há quem acredite que é possível moderar os vigentes ao trazê-los para responsabilidades governativas, eis outra história do século XX: “O facto de o fascismo ter chegado ao poder em Itália e na Alemanha deveu-se, em grande medida, à arrogância, bem como à cobardia e perfídia, das elites sociais. A arrogância, a sobrestimação do próprio poder, manifestou-se em 1932 quando, na Alemanha, o Bürgerliche Katholische Partei (partido católico) e o Deutschnationalen (partido nacionalista) se mostraram satisfeitos com a entrada no governo de Hitler e dos seus acólitos. Partiram do princípio de que, desse modo, o poderiam controlar e tirar partido dos erros que cometeria para o eliminarem politicamente. A cobardia e a perfídia manifestaram-se nos sociais-democratas alemães que, embora na oposição, lhe deram um voto de confiança por medo de perderem ainda mais votos. Na verdade, para todos os eleitores que não votaram em Hitler, e que foram a maioria, nenhum partido foi capaz de liderar a resistência contra o monopólio nacional-socialista. E isto teve tudo que ver com a deterioração das elites, que não tiveram coragem para defender os seus princípios e responsabilidades sociais”.

Na saída da autoestrada que me leva ao bairro onde vivo há dois cartazes políticos, são as minhas contrastantes mensagens de boas-vindas a casa, no primeiro o candidato presidencial do partido que acha que as Forças Armadas e o povo derrubaram o vigentismo em vez do fascismo diz que não tem medo do sistema, seja lá o que o sistema for, o segundo cartaz tem Francisco Sá Carneiro sorridente acompanhado de uma frase simples, “O meu sentimento? Define-se numa palavra: responsabilidade”, Sá Carneiro que considerava “essencial que os partidos, as pessoas, os movimentos, as associações assumam as suas responsabilidades e ponham de parte o clima de ataques demagógicos e irresponsáveis”, ele que acreditava que “a Constituição deverá consagrar os direitos fundamentais que aos portugueses foram negados durante o fascismo: liberdade de pensamento, de expressão, de reunião, de associação política e sindical, garantia da segurança pessoal, direito à educação, à saúde, à habitação”, repare como ele diz fascismo, o meu pai-padeiro viveu 34 anos disso e não de vigentismo, 34 anos é praticamente a idade que eu tenho sempre em liberdade de pensamento de expressão de reunião de associação política e sindical e com garantia da segurança pessoal e direito à educação à saúde à habitação, por isso: se o sistema é ter o que o senhor Bento não teve então eu admiro adoro amo extasio-me com o sistema, o sistema pode ter todos os defeitos mas há um que não tem, o sistema reconhece a diferença entre regime vigente e regime fascista, portanto: sou filho de feirantes mas também filho do sistema e às segundas terças quartas quintas sextas sábados e domingos quero usufruir da herança que o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, me deixou ao derrubar o regime fascista - a liberdade, mas a liberdade verdadeira: “A 3 de outubro de 1940, Thomas Mann dá uma conferência no Claremont College, em Los Angeles, sobre ‘Guerra e democracia’. Já estava exilado há sete anos porque não conseguia viver na Alemanha hitleriana. Antes vivera mais de trinta anos em Munique, onde testemunhara o modo como o movimento fascista conseguira chegar ao poder graças, em parte, a um domínio total da falsidade: as palavras eram isoladas dos seus significados e reduzidas a meros slogans. Vira com os próprios olhos, primeiro nos cafés e nos salões, e depois nas ruas e nas concentrações, como o povo se deixara convencer da existência de um movimento político e de um líder que lhe convinha. Um homem pronto a dedicar a vida às necessidades, interesses e liberdade do homem comum, que exprimiria e defenderia os valores do povo alemão. E uma das razões que o levaram a acreditar nesse líder foi o facto de ele não pertencer à classe política, ao establishment, mas ser um autêntico homem do povo, que falava a sua linguagem. Com base nessa experiência, Thomas Mann adverte o público americano: ‘Permiti-me que vos diga a verdade: se um dia o fascismo chegar à América, chegará em nome da liberdade’”.  



Publico-o tal e qual (tendo emendado uma gralha),
vou trabalhá-lo com (o meu) sentido gráfico...
é que, com o meu pai 
- que não era feirante mas parecido -,
andava, comigo, de tipografia em tipografia
e ainda guardo em mim 
o cheiro do chumbo e o gosto da composição

segunda-feira, dezembro 14, 2020

Seja clara!

 

Mensagem subliminar em prova prática

de autoria de conspiradora teórica

 

A jornalista Clara Ferreira Alves (CFA) tem, pelos serviços que presta e a quem, uma enormíssima responsabilidade cívica. Choca por isso a leviandade com que emite opiniões que, sabe-se, têm enorme divulgação. Mas, dir-se-á, são opiniões, e não é por se ser jornalista que se fica inibido de ter opiniões e de as exprimir à sua maneira.

No entanto, pode causar estranheza, ou até considerar negativo que, na apreciação de figuras públicas, se utilizem critérios que melhor estariam em confissões de alcova ou de romance cor-de-rosa como a de que um determinado protagonista político tem (ou tinha) “olhos azuis de aço afiado e magnetizado pelo chamado carisma”. Mas vá lá… pode remeter-se para uma questão de estilo. E o estilo é o homem… ou a mulher.

Ganha outra dimensão social se a prosa que se publica intenta tratar de tema da maior gravidade como foi um acidente (se acidente foi) que motivou a morte de 7 seres humanos, entre eles esse político e de 6 seus companheiros de viagem, entre eles um outro tinha elevadíssimas posições no aparelho de Estado, e fazer desse tratamento um esquisso de ensaio sobre teoria da conspiração.

Com o título Os mortos de Camarate e uma frase de chamada com esta importância para definir o tema do textoImaginar que foi atentado significa atestar que o Estado de direito falhou, a justiça falhou. O encobrimento venceu. Teorias da conspiração cada um tem a sua.”, deveria esperar-se um texto de enorme seriedade, apesar da possível atenuante da quase contradição de cada um poder ter a sua teoria da conspiração, como se fosse… “à escolha do freguês”.

É bem verdade que essa frase de chamada reflecte a lamentável e inaceitável posição do Presidente da República que, em posição pública sugere tudo o que CFA colocou na frase. E mais, o PdaR vai tão longe, ou tão abaixo da sua função, que afirma ter o que seria uma sua teoria da conspiração. No exercício do mais alto cargo do referido Estado de direito, o PdaR tem o dever de defesa e cumprimento da Constituição e não pode referir opinião pessoal (que qualquer um pode ter) sem que a leve até à comprovação. Na impossibilitasse, ou calar essa opinião ou dizer porque não a pode levar à prática.

A jornalista e editorialista não pega por essa ponta que enunciou em cabeçalho, pega pela outra (também enunciada) da sua/dela teoria da conspiração ilustrada com o caso Dominique Strauss-Kahn (DS-K), mais como manobra de diversão que introdução. É que, além do caso ser longe (em quilómetros) do nosso Estado de direito, que é o que está em causa, não meteu morte de homem (ou de mulher) e muito menos de 7 homens e mulheres! Ou até nisso deveremos demitir-nos da nossa soberania, e entregar a questão a Bruxelas se não a queremos encerrar?!

Passado o átrio de introdução ou diversão, CFA entra em Camarate e seus mortos e faz-se esquecida de que está a expor uma sua teoria de conspiração para se debruçar sobre o contexto em que se deu o acidente (se acidente foi, insisto porque outros insistem na dúvida e sinto-me em puro estado virgem de teorias de conspiração).

O desenho da situação nas vésperas do dia das eleições de 1980 que é feito por CFA é o seu, e apenas diria que cada um tem o seu desenho e o meu não coincide com o dela. O que é natural, e não tem nada de estranho. O que me traz à escrita, e nos deve trazer à reflexão é, veja-se lá, apenas uma palavra, um adjectivo, colocado como se nada fosse, como se não tivesse importância, como se fosse consensual: perigosíssimo!

A frase é esta: Na sombra, apoiado por Moscovo, o brilhante e perigosíssimo Álvaro Cunhal ainda esperava a hora de derrotar o 25 de Novembro de 1975.”


Mesmo quem pouco conheça (para além da “bengala” da wikipédia) da pseudociência de mensagens subliminares e de teorias da conspiração, não terá grandes dúvidas em descortinar que CFA fez um inqualificável exercício ou prova prática nessa área[1]. O que, no mínimo e com poupança de adjectivações, se considera execrável é a utilização de um facto histórico a exigir clareza (num Estado de direito) para a elaboração de um texto em que se mistura muito informação e opinião que se aceita ainda que deslocada para elaborar uma subliminar ficção em que há um carismático de olhos azuis de aço afiado e magnético vítima de brilhante e perigosíssimo (o superlativo é denunciador), que manobrava encoberto na sombra, e apoiado por forças do Mal, e esperava a hora da vingança de acto, data, responsáveis, que o tinham derrotado.

Poder-se-á argumentar que esta é interpretação eivada de complexos de perseguição. Noutra perspectiva e contra-argumentação, diria que não são complexos mas efectiva e muito real luta de classes.


[1] - o que uma inexcedível tentativa ou incasável esforço de compreensão e tolerância poderá considerar como talvez não consciente ou intencional

sábado, dezembro 12, 2020

OS ESTADOS UNIDOS LANÇAM 
A BUSCA E A DESTRUIÇÃO 
CONTRA AS NOVAS ROTAS DA SEDA
Como seria de se prever, o vulcão paranóico alimenta-se de uma mistura tóxica de arrogância e ignorância crassa sobre a cultura chinesa

 

Por Pepe Escobar, para o Asia Times

Tradução: Patrícia Zimbres, para o 247

Sete anos após serem lançadas pelo Presidente Xi, primeiramente em Astana e em seguida em Jacarta, as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Rota (ICR), a cada dia que passa, tornam mais enlouquecida a oligarquia plutocrática norte-americana.

 A implacável paranoia quanto à "ameaça" chinesa tem muito a ver com a rampa de saída oferecida por Pequim a um Sul Global permanentemente endividado pela exploração FMI/Banco Mundial.

Na velha ordem, as elites político-militares eram rotineiramente subornadas em troca do acesso irrestrito das empresas americanas aos recursos do país, acoplado a esquemas de privatizações a toque de caixa e austeridade escancarada (os "ajustes estruturais").

Essa situação se prolongou por décadas, até a ICR se tornar o que há de mais novo em termos de construção de infraestrutura - oferecendo uma alternativa à pegada imperial.

O modelo chinês permite todos os tipos de taxação paralela de vendas, aluguéis, arrendamentos - e de lucros. O que significa fontes adicionais de receita para os governos anfitriões, com um corolário da maior importância: a possibilidade de eles se verem livres dos pesadíssimos ditames neoliberais do sistema FMI/Banco Mundial. É isso que está no cerne da estratégia chinesa de "ganho para todos".

Além do mais, o foco estratégico da ICR em desenvolvimento de infraestrutura, não apenas por toda a Eurásia mas também na África, traz um fator que vira totalmente o jogo geopolítico. A ICR vem colocando vastas regiões do Sul Global em condições de se tornarem completamente independentes da armadilha da dívida imposta pelo Ocidente. Para muitos desses países, essa é uma questão de interesse nacional. Nesse sentido, a ICR deve ser vista como o principal mecanismo pós-colonialista.

A ICR, na verdade, crepita com a simplicidade de Sun Tzu aplicada à geoeconomia. Nunca interrompa o inimigo quando ele está cometendo um erro - neste caso, escravizando o Sul Global por meio de dívidas perpétuas. E então use as próprias armas do inimigo - neste caso, a "ajuda" financeira, para desestabilizar sua proeminência.

 Pegar a estrada com os mongóis

Nada do que foi dito acima, é claro, vai apaziguar o vulcão paranóico, que continuará a cuspir uma enxurrada de alertas vermelhos tentando ridicularizar a ICR como sendo "mal definida, pessimamente administrada e visivelmente fracassada". "Visivelmente", é claro, só para os excepcionalistas.

Como seria de se prever, o vulcão paranóico se alimenta de uma mistura tóxica de arrogância e ignorância crassa sobre a cultura chinesa.

Xue Li, diretor do Departamento de Estratégia Internacional no Instituto de Economia e Política Mundiais da Academia Chinesa de Ciências Sociais demonstrou que "após a Iniciativa Cinturão e Rota ter sido proposta em 2013, a diplomacia chinesa mudou, deixando de manter um perfil discreto para se tornar mais proativa em questões globais". Mas a política de "parcerias, e não alianças" não mudou, e é pouco provável que ela venha a mudar no futuro. Mas o fato irrefutável é que o sistema de diplomacia por alianças preferido no Ocidente é escolhido por poucos países, e a maioria deles opta pela diplomacia não-alinhada. Além disso, em sua maior parte eles são países em desenvolvimento da Ásia, África e América Latina".

Os atlanticistas estão entrando em desespero porque o "sistema de diplomacia de alianças" está em franco declínio. Grande parte do Sul Global vem-se reconfigurando, com ímpeto renovado, como um Movimento Não-Alinhado (MNA) - como se Pequim houvesse encontrado uma maneira de fazer renascer o Espírito de Bandung em 1955.

Os acadêmicos chineses gostam de citar um manual imperial do século XIII, segundo o qual as mudanças políticas devem ser "benéficas ao povo". Caso elas beneficiem apenas aos altos funcionários corruptos, o resultado será luan ("caos"). Daí a insistência dos chineses do século XXI nas políticas pragmáticas, e não na ideologia.

Rivalizando-se aos paralelos informados das dinastias Tang e Ming, é a dinastia Yuan que vai trazer uma introdução fascinante ao funcionamento interno da ICR.

Façamos, então, uma curta viagem ao século XIII, quando o imenso império de Genghis Khan foi substituído por quatro kanatos.

Havia o Kanato do Grande Khan - que veio a se transformar na dinastia Yuan - que abrangia China, Mongólia, Tibé, Coreia e Manchúria.

Havia o Ilkanato, fundado por Hulagu (o conquistador de Bagdá) que governava Irã, Iraque, Azerbaijão, Turcomenistão, parte da Anatólia e o Cáucaso.

Havia também a Horda de Ouro, que governava o noroeste das estepes eurasianas, do Leste da Hungria à Sibéria, e a maioria dos principados russos.

E também o Kanato Chaghadaid (que levou o nome do segundo filho de Genghis Khan), que governava a Ásia Central, de Xinjiang ao Uzbequistão, até a tomada do poder por Tamerlane, em 1370.

Essa era assistiu a uma enorme aceleração do comércio ao longo das Rotas da Seda mongóis. Todos esses governos controlados pelos mongóis privilegiavam o comércio local e internacional. Isso se traduzia em um crescimento explosivo dos mercados, da tributação, dos lucros - e do prestígio. Os kanatos competiam entre si pelas mentes mais talentosas para o comércio. Eles montaram a melhor infraestrutura para as viagens transcontinentais (que tal uma ICR do século XIII?) E abriram caminho para múltiplas trocas transcivilizacionais Oriente-Ocidente.

Quando os mongóis conquistaram os Song do Sul da China eles expandiram as Rotas da Seda terrestres, criando as Rotas da Seda Marítimas. A dinastia Yuan agora controlava os poderosos portos do Sul da China. Assim, quando alguma turbulência ocorria em terra, eles transferiam o comércio para o mar.

Os principais eixos cruzavam o Oceano Índico, entre o Sul da China e a Índia, e entre a Índia e o Golfo Pérsico e o Mar Vermelho.

Os carregamentos iam por terra até o Irã, Iraque, Anatólia e Europa, e por mar, através do Egito e do Mediterrâneo, até a Europa e, partindo de Aden, até o Leste da África.

Uma rota marítima de comércio de escravos entre os portos da Horda de Ouro, no Mar Negro, e o Egito - gerida por mercadores muçulmanos, italianos e bizantinos - também estava em funcionamento. Pelos portos do Mar Negro passavam mercadorias de luxo que chegavam por terra do Oriente. E caravanas seguiam a rota terrestre, partindo da costa indiana durante as perigosas estações das monções.

Essa atividade comercial frenética foi uma proto-ICR, que atingiu seu auge nas décadas de 1320-1330, indo até o colapso da dinastia Yuan, em 1368, paralelamente à Peste Negra, na Europa e no Oriente Médio. O ponto-chave é que todas as rotas terrestres e marítimas eram interligadas. Os planejadores da ICR, no século XXI, se beneficiam de uma longa memória histórica.

"Nada irá mudar fundamentalmente"

Compare-se agora essa riqueza de comércio e intercâmbio cultural com a medíocre e provinciana paranoia anti-ICR e anti-China em geral existente nos Estados Unidos. O que temos é o Departamento de Estado comandado por Mike (Nós Mentimos, Nós Trapaceamos, Nós Roubamos) Pompeo soltando uma diatribe fuleira sobre a "ameaça da China". Ou a Marinha dos Estados Unidos recomissionando a Primeira Frota para a construção de uma base, provavelmente em Perth, a fim de "fincar um pé no Indo-Pacífico", e assim manter o "domínio marítimo em uma era de competição entre as grandes potências".

Num tom mais sinistro, aqui vai um resumo da colossal Lei de Autorização da Defesa Nacional (NDAA, em inglês), de 4.517 páginas, que aprova um orçamento de 740,5 bilhões de dólares e acaba de passar na Câmara de Representantes por 335 a 78 votos (Trump ameaçou vetá-la).

Esse é orçamento das verbas destinadas ao Pentágono no ano que vem - a ser supervisionada, em tese, pelo novo General da Raytheon, Lloyd Austin, o último "General comandante" dos Estados Unidos no Iraque, que administrou o CENTCOM de 2013 a 2016 para depois se aposentar, assumindo bicos do tipo porta giratória, como o conselho diretor da Raytheon e, o que é mais importante, o conselho da siderúrgica Nucor, poluente ultra-tóxica do ar, da água e do solo.

Austin é um personagem porta-giratória que apoiou a guerra do Iraque, a destruição da Líbia e supervisionou o treinamento dos "rebeldes moderados" sírios, também conhecidos como a al-Qaeda reciclada - que mataram um número incontável de civis sírios.

A NDAA, como seria de se esperar, prevê verbas pesadas para financiar "instrumentos para a contenção da China".

Entre esses instrumentos constarão:

  1. Uma assim-chamada "Iniciativa de Contenção do Pacífico", o que em código significa contenção da China no Indo-Pacífico por meio do fortalecimento do Quad.
  2. Operações maciças de contra-inteligência.
  3. Uma ofensiva contra a "diplomacia da dívida". Isso é pura bobagem: as negociações da ICR são voluntárias, em bases lucrativas para todas as partes e abertas a renegociação. Os países do Sul Global dão preferência a elas em razão dos empréstimos a juros baixos e de longo prazo.
  4. Reestruturação das cadeias globais de fornecimento que levam aos Estados Unidos. Boa sorte com essa aí. As sanções contra a China continuarão em vigor.
  5. Pressão total para forçar os países a não adotarem o 5G da Huawei.
  6. Reforço de Hong Kong e Taiwan como cavalos-de-tróia para desestabilizar a China.

John Radcliff, diretor da Inteligência Nacional, já deu o tom: "Pequim pretende dominar econômica, militar e tecnologicamente os Estados Unidos e o restante do planeta". Tenham medo, muito medo do malvado Partido Comunista, "a maior ameaça à democracia e à liberdade em todo o mundo desde a Segunda Guerra Mundial".

Entenderam? Xi é o novo Hitler.

Portanto, nada irá mudar fundamentalmente após janeiro de 2021 - como oficialmente prometido por Biden-Harris: vai haver novamente a guerra híbrida contra a China, atacando na totalidade do espectro, como Pequim já entendeu perfeitamente.

E daí? A produção industrial da China continuará a crescer, enquanto a dos Estados Unidos continuará em declínio. Os cientistas chineses chegarão a novas descobertas revolucionárias, tais como a computação fotônica quântica - que conseguiu comprimir 2,6 bilhões de anos de computações em 4 minutos. E o espírito da dinastia Yuan continuará a inspirar a Iniciativa Cinturão e Rota.