segunda-feira, dezembro 28, 2020

Reflexões lentas (breve)

 São tão “fofinhos”

 A revista do último Expresso dedica duas páginas de Culturas-Livros à (transcrevo) «Segunda obra magna de Thomas Piketty, “Capital e Ideologia”…»[1] e, começando assim, fica-se logo logo a saber que o comentador considera que Piketty tem duas obras magnas, podendo pôr-se a dúvida do que se pode entender por magnitude de uma obra (número de páginas?, encadernação?, tiragem?) mas a dúvida nem terá razão para existir para quem começar a ler.

Isto apesar de outras dúvidas que leitor prenhe de dúvidas pudesse ter a partir do título, Todas diferentes, todas desiguais, no entanto suficientemente esotérico para aliciar para a leitura ou provocar reacção contrária.

Mas, ultrapasse o leitor que somos o título e as linhas patamares de entrada em que o comentador da obra magna (a segunda!) dá a pista de que Piketty se propõe fazer a história social, e económica, e ideológica, da desigualdade.

Lidas as duas páginas, em que putativo leitor é poupado a quase uma pela dimensão da foto do autor, seria injusto dizer que, como era uso dizer (não sei se ainda é) nos tribunais, aos costumes disse nada porque, aos costumes… disse de outra maneira. Mais, aos costumês, disse de maneira que talvez sirva para esconder outras maneiras… De quê?... de abordar a história social e a magna (essa sim, magna) questão da(s) desigualdade(s).

Porque o que parece evidente, a este leitor com dúvidas e em dúvida, é que a Piketty, e ao comentador por ele, o que importa não é fazer a história daquilo que rdiz, o que implicaria procurar as causas, que noutras abordagens se identificam, mas atenuar ou apaziguar os efeitos dessas causas. Assim como que um piscar de alertas dirigido ao poder que controla o(s) discurso(s). Porque são vários os discursos que legitimam o privilégio e, logo, a desigualdade, como o do inventariador dos efeitos, e o do seu comentador.

Sim, porque é quase caricata a apresentação das própostas «como base para um programa de esquerda»: atribuição de poder aos trabalhadores (por quem?, pelo Papa?, pelos que detém o poder e, com ele, controlam o discurso que os legitima?) e… a criação de impostos fortemente progressivos. Pois!

É tão fácil apresentar “soluções. Como diz Jerónimo, o papel aguenta tudo.

Parafrasei-se, “à maneira”, Almeida Garrett (1799-1854):

de quantos desiguais se faz um privilegiado?

Ou cite-se (isto é, recite-se) Cunhal (em 1998[2]):

O capitalismo ter-se-ia superado a si próprio. Teria deixado de ser capitalismo, para ser agora «economia de mercado». Já não haveria capitalistas mas «empresários». Seria um «capitalismo civilizado», sem classes antagónicas, um capitalismo sem proletários, sem luta de classes, nem natureza de classe de governos e políticas, seria uma sociedade nova definitiva e final constituída por cidadãos conscientes, cordatos e mutuamente solidários, aceitando, assinando e cumprindo «pactos de regime», «pactos sociais», «pactos» e mais «pactos» pelos quais os cidadãos trabalhadores (agora dizemos nós) aceitariam renunciar a direitos fundamentais e vitais. Ou seja, ser explorados pelos cidadãos capitalistas e os cidadãos capitalistas continuar a explorar os trabalhadores e a justificar-se perante a opinião pública através dos seus fantasiosos teorizadores.”.


[1] - Todas diferentes, todas iguais, Luis M. Faria

[2] - O Caminho para o derrubamento do fascismo - o IV Congresso, edições avante!

Sem comentários: