INTERVENÇÃO DE
JERÓNIMO DE SOUSA NA ASSEMBLEIA DE REPÚBLICA
Encerramento
da discussão do
Orçamento do Estado 2019
29 Novembro 2018
Senhor Presidente
Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,
Senhores Deputados,
Senhores membros do Governo,
Votamos hoje o último Orçamento do Estado de uma
legislatura que permitiu inverter a intensificação de exploração e liquidação
de direitos que PSD e CDS tinham em curso e projectavam ampliar.
Não foram só estes dois partidos que foram derrotados.
Com eles foi desmentida a ideia de que ao País apenas restava o caminho do
empobrecimento dos trabalhadores e do povo. Derrotados também os que convocaram
todos os demónios das opções únicas. Os que pressionaram, chantagearam a partir
de fora mas também de dentro sobre cada medida de inversão do caminho do
empobrecimento. Os que fizeram da intriga, da amalgamação de tudo, para tudo
confundir e para que tudo ficasse como antes planeavam.
Aliás, foi ver PSD e CDS no debate deste Orçamento a
exercitar a sua demagogia, a propor mundos e fundos que no passado recente
negaram na esperança vã de que os mais distraídos se esqueçam do que
representam.
Um exercício pouco consistente, até porque em momentos
decisivos deste debate PSD e CDS foram a mão protectora do Governo, da sua
fixação numa trajectória do défice que voltou a não permitir os níveis de
financiamento e de investimento que o País precisa. Quando foi preciso, lá
estiveram PSD e CDS a dar o jeito ao Governo.
Defender, repor e conquistar direitos afirmou-se como
um factor de crescimento económico e elevação das condições de vida. Limitado e
insuficiente, é certo, porque a resposta aos problemas que o País enfrenta não
é compatível com os constrangimentos que o governo do PS impõe a partir das
suas opções e compromissos com o grande capital, o Euro e a União Europeia.
Não desvalorizamos os avanços alcançados inseparáveis
da luta dos trabalhadores e da intervenção do PCP. Não desvalorizamos o que se
repôs e conquistou, o que se foi consolidando nestes últimos três anos.
Foram repostos os salários, pôs-se fim aos cortes das
pensões e promoveu-se o seu aumento, tal como do abono de família, do apoio às
pessoas com deficiência e aos desempregados. Valorizaram-se as longas carreiras
contributivas. Avançou-se para a gratuitidade dos manuais escolares em toda a
escolaridade obrigatória. Foi reposto o direito ao pagamento por inteiro do
subsídio de Natal. Foram repostos os feriados roubados. Na Administração
Pública foram repostas as 35 horas, o direito à progressão na carreira, tomadas
medidas de combate à precariedade. Reforçou-se a acção social escolar, a
contratação de funcionários nas escolas. Foi possível reduzir taxas
moderadoras, alargar a contratação de médicos e enfermeiros, reduzir os custos
com medicamentos, fixar compromissos para a construção de novos hospitais. Foi
possível assegurar a gratuitidade do acesso aos museus aos domingos e feriados
e o reforço do apoio à criação artística. Aliviou-se o IRS sobre os rendimentos
do trabalho e os mais baixos rendimentos, reduziu-se e eliminou-se o Pagamento
Especial por Conta que pesava sobre as MPME, reduziu-se o IVA da restauração.
Foi possível assegurar o apoio à agricultura familiar, a redução dos custos com
combustíveis para agricultores e pescadores, medidas de valorização do pescado
e dos rendimentos dos pescadores, entre outras.
Cortaram-se benefícios aos fundos imobiliários,
passou-se a tributar o património imobiliário de valor mais elevado com a
introdução do adicional do IMI e aumentou-se a tributação sobre os grandes
lucros por via do aumento da derrama do IRC. Passos tímidos na hora de taxar
com eficácia o grande capital e que, mesmo assim, encontraram resistência, como
aliás se provou com a decisão de anteontem de não aprovar o novo escalão da
derrama para empresas com lucros de muitos milhões.
Registamos que este Orçamento do Estado para 2019
tenha dados novos passos positivos: a gratuitidade dos manuais escolares em
toda a escolaridade obrigatória, um novo aumento extraordinário de pensões de
reforma já em Janeiro, novos avanços no abono de família e no abono pré-natal,
a redução do valor das propinas e o alargamento do complemento para alojamento
de estudantes com bolsa, a redução do IVA na cultura, o novo passo no regime de
reformas antecipadas para longas carreiras, a perspectiva aberta de uma redução
significativa nos preços do transporte público, a eliminação do Pagamento
Especial por Conta para os pequenos e médios empresários, a majoração do abono
de família até aos seis anos e alargamento do abono pré-natal ao 4.º escalão, o
início de construção de uma rede pública de apoio a cuidadores informais.
Sim, o caminho da defesa e valorização de direitos é o
caminho que é preciso percorrer para dar resposta aos problemas nacionais.
Mas, os avanços alcançados não devem iludir o que se
deveria ter feito para ir mais longe. Não ignoramos o que o governo e o PS não
quiseram adoptar, o que deixaram por cumprir ou mantiveram adiado.
Ao contrário do que é afirmado, responder plenamente
aos problemas do país, vencer défices estruturais e assegurar o desenvolvimento
não são objectivos que possam ser alcançados com o País amarrado às orientações
e imposições da União Europeia, submetido aos constrangimentos do Euro, das
suas regras, da governação económica, dos semestres europeus, dos vistos
prévios de orçamentos, dos programas de estabilidade, todos cada vez mais
constrangedores e insistindo em manter opções de redução do défice desligadas
das necessidades do País.
Cada décima hipotecada à redução forçada do défice são
milhões retirados ao investimento, ao financiamento dos serviços públicos, ao
apoio à produção, ao combate às injustiças e desigualdades sociais que se
mantêm enormes.
A resposta aos problemas do País não se faz com uma
política que recusa a superação dos constrangimentos de uma dívida pública
sufocante e insustentável.
Não se faz com uma política que opta por continuar a
drenar centenas de milhões de euros de recursos públicos para o sector
financeiro, tal como opta por não enfrentar o capital monopolista seja pela
recusa de reversão das PPP, seja pela manutenção do domínio dos grupos
monopolistas em sectores estratégicos da economia.
Uma situação que conduziu ao crescente domínio do
grande capital, sobretudo estrangeiro sobre a economia do País e que leva a uma
permanente saída de milhares de milhões de euros para o estrangeiro em
pagamentos de dividendos, em prejuízo do investimento no País.
Domínio que conduz à manutenção de profundas
injustiças sociais.
A situação da distribuição da riqueza no nosso País é
reveladora: em 2017, os salários apenas representavam 34,6% nessa distribuição
e os rendimentos de capital acumulavam 41,6% dessa riqueza.
Uma situação que mostra que não basta fazer crescer a
economia, que ainda estamos muito aquém da concretização de uma verdadeira
política de valorização do trabalho e dos trabalhadores. A sua concretização
exige a valorização dos salários, o direito à estabilidade e segurança do
emprego, o decisivo combate à precariedade e à desregulação dos horários de
trabalho, a eliminação das normas gravosas da legislação laboral.
Portugal precisa de elevar a um outro patamar a
resposta aos seus problemas de fundo e isso exige uma outra política.
Por isso, a questão crucial que está colocada é a da
construção de uma política alternativa liberta das opções que têm estado na
origem dos problemas e na sua acumulação.
Com a mesma convicção que nos leva a não desperdiçar
nenhuma oportunidade para dar resposta a aspirações dos trabalhadores e do
povo, o PCP afirma que a construção de um Portugal com futuro, justo,
desenvolvido e soberano é inseparável de uma alternativa patriótica e de
esquerda.
Disse.