domingo, novembro 27, 2022

Trevas (A talhe de foice)


 - Nº 2556 (2022/11/24)


Trevas


Opinião

«De dia não se via nada, mas pla tardinha já se apercebia gente que vinha de punhais na mão, devagar, silenciosamente, nascendo dos pinheiros e morrendo neles. E os punhais não brilhavam: eram luzes distantes, eram guias de lençóis de linho escorridos de ombros franzinos. E a brisa que vinha dava gestos de asas vencidas aos lençóis de linho, asas brancas de garças caídas por faunos caçadores. E o vento segredava por entre os pinheiros os medos que nasciam.» Este excerto de Trevas, de Almada Negreiros, que de tempos a tempos me assalta sem mais nem por quê, voltou-me à memória a propósito dos comentários sobre o Inverno que afinal, aparentemente para surpresa de uns tantos, está a chegar à Europa.

Enquanto na Ucrânia as consequências da guerra se tornam ainda mais dramáticas e penosas com o pronúncio do Inverno, no resto do velho continente a inflação ameaça gelar, literalmente, a maioria da população.

Ao mesmo tempo que a senhora Ursula don der Leyen insiste na necessidade de prosseguir a guerra, o descontentamento vem à tona. Em diversos países, como Portugal, Espanha, França, Itália, Bélgica, República Checa, Inglaterra, Bulgária, Alemanha, Países Baixos, Grécia, os trabalhadores fazem greve e saem à rua exigindo aumento de salários e pensões, controlo dos preços, políticas para pôr cobro aos lucros obscenos das grandes empresas, manifestam-se pela paz e contra a política suicida de sanções levada a cabo pela UE. Pela primeira vez em mais de 100 anos, milhares de enfermeiras e enfermeiros ingleses do sindicato Royal College of Nursing decidiram fazer greve. Sem pretender comparar o que não é comparável, quando o Inverno se fizer sentir com toda a intensidade e a penúria salarial e o preço escandaloso da energia, que segundo o Eurostat já aumentou mais de 40% este ano, tornarem proibitivo o aquecimento, é provável que «aqueça» o descontentamento social.

Descontente está também o capitalismo ligado ao sector produtivo, penalizado pelas sanções impostas pela NATO e seguidas pela UE. Se é verdade que o ramo armamentista vai de vento em popa, com a Alemanha a ocupar o quinto lugar dos exportadores mundiais, os restantes sectores da economia alemã apertam o cinto. Terá sido isso que levou o chancheler Scholz à China, a tratar de negócios, apesar de Washington ter declarado o país o principal adversário (inimigo?) a combater.

Na guerra comercial que travam contra Pequim, para impedir que se torne a principal potência a nível mundial, os EUA não hesitam em aumentar o proteccionismo, altamente lesivo das economias europeias, como as empresas alemãs já sentem na bolsa.

A questão que se coloca é a de saber até quando continuará a cegueira política da UE.

Voltamos a Almada Negreiros: «Veio a manhã e foi como de dia: não se via nada.»

Anabela Fino 

sexta-feira, novembro 18, 2022

 


ACTUAL-17.11.2022

  - Nº 2555 (2022/11/17)


Polónia: «Erro» ou provocação?

Opinião

Durante a tarde e noite de dia 15 a comunicação social repetiu até à exaustão a «notícia» de um «ataque russo» em território polaco «com mísseis». Zelensky afirmou de imediato: «o terror russo não se limita às nossas fronteiras nacionais. Mísseis russos atingiram a Polónia.» O seu ministro dos Negócios Estrangeiros exigiu uma «cimeira da NATO com a participação da Ucrânia» e o «fornecimento de aviões de guerra modernos (…) bem como sistemas de defesa aérea». O conselheiro de Zelensky foi ainda mais longe: «não foi um acidente, mas sim um “olá” deliberadamente planeado (…) que acontece quando (…) os políticos se envolvem na “pacificação” do agressor».

Durante horas ignorou-se o que a observação dos destroços tornava óbvio: era um míssil S300-P, antiaéreo, de facto de fabrico soviético, como muito do armamento utilizado pela Ucrânia, que tem um alcance máximo de 120Km, e que, portanto, era impossível de ter sido disparado pela Rússia.

A NATO, os EUA e a Polónia sabiam deste facto, tal como tinham exacto conhecimento sobre o local de disparo e trajectória do míssil, dados os imensos meios de vigilância e inteligência concentrados na região. A evidência foi tão grande que todos tiveram de mudar a agulha, abandonando a provocatória histeria da activação do artigo 4º e mesmo 5º da NATO. Resta a pergunta, tratou-se de um erro que a Ucrânia tentou esconder com uma provocação política, ou foi ele mesmo uma provocação visando forçar o envolvimento directo da NATO na guerra e tentar forçar a instalação pela NATO de uma no fly zone na Ucrânia sob o pretexto da protecção de um membro da NATO?

Na guerra raramente há coincidências e o facto é que este incidente acontece quando os responsáveis dos serviços secretos russo e norte-americano se sentam à mesa para falar, quando o G20 estava reunido e Biden e Xi Xinping tinham falado pela primeira vez. Ou seja, perante tímidos sinais de desanuviamento entre os poderes que podem de facto decidir do destino deste conflito, alguém tomou a decisão de criar um facto que tenta alimentar a escalada e alargar o conflito. Isto dá mais uma vez razão à análise do PCP sobre a natureza e características deste conflito.

Ângelo Alves

... de Ourém

(...)

A força das armas e da dívida mantém, pela violência, o insustentável, exacerba a manipulação informativa, perverte valores, esmaga resistências e focos de desalinhamento. Provocando e fazendo milhões de vítimas, sacrificando povos.

O espaço e a população, ainda mais maioritários que foram os dos não-alinhados, estão a ser, pontual e irregularmente, de países e povos desalinhados do imperialismo unipolar, que absorveu imperialismos decadentes, e adia a sua decadência ou desastre (para TODOS).

A PAZ tornou-se necessidade da Humanidade.

 A História confirma a leitura materialista que o PCP nunca deixou de ter, quando tantos se des-alfabetizaram, no “ensaio da cegueira” na via do analfabetismo ideológico como ideologia massificadora. Para os trabalhadores e as populações, que são a nossa razão de ser e a nossa força.

Tomar a iniciativa, concretizar iniciativas que saiam

desta Conferência Nacional. Reforçar o Partido.

Responder às novas exigências.

Colocar no centro da luta objectivos concretos, os efeitos nos sofridos quotidianos, mas sempre e sobretudo atacar as CAUSAS, denunciar, com a palavra e o exemplo, o capitalismo, a exploração dos trabalhadores. Combater a desumanidade que torna os desastres (naturais ou provocados) para todos, em “oportunidades” de mais em-ricos-serem uns poucos.

 (...)

quinta-feira, novembro 17, 2022

Vieram do Minho e do Algarve, dos Açores e ...

  - Nº 2555 (2022/11/17)


Notoriedade                                    

Opinião

Vieram do Minho e do Algarve, dos Açores e das Beiras, das áreas metropolitanas e da Madeira, do Alentejo e de Trás-os-Montes, do Oeste e até do estrangeiro. Eram homens, mulheres e jovens. Trabalhadores, reformados e estudantes. Operários e professores, profissionais de saúde e músicos, estafetas e investigadores, advogados e actores, pescadores e empresários. Trabalham em supermercados e hospitais, em fábricas e escolas, em armazéns e teatros, em lojas e explorações agrícolas.

Lá estiveram os paulos e as joanas, as marias e os manueis, as ritas e os franciscos, os artures e as sofias – e tantos, mas tantos outros. Ali, como todos os dias estão no sindicato e na associação, na comissão de trabalhadores e de moradores, na colectividade e na autarquia, na célula de empresa ou local de trabalho, na luta e na organização política que lhe dá corpo – e sentido.

Da tribuna, como diariamente em reuniões e plenários, em cadernos reivindicativos e acções de denúncia pública, referiram-se ao salário que é urgente aumentar, à reforma que não chega para quase nada, ao transporte público que não existe, à água que deve permanecer pública, à habitação transformada em luxo, à saúde cada vez mais negócio de poucos em vez de direito de todos. Defenderam a escola pública e rejeitaram que a cultura seja apenas um lucrativo e oco entretenimento. Insistiram que a um posto de trabalho permanente deve corresponder sempre um vínculo efectivo. Recordaram que as crianças não terão direitos se os seus pais não os tiverem e que a liberdade, a democracia e a paz não são dados adquiridos.

À semelhança do que fazem no dia-a-dia, junto das pessoas, ali denunciaram injustiças e discriminações, deram voz a angústias e preocupações, reafirmaram princípios e soluções.

Informaram os seus camaradas do que correu bem – e menos bem. Deram a conhecer dificuldades e obstáculos e juntos definiram caminhos para os superar. Falaram das lutas travadas e dos seus objectivos, do que se alcançou no imediato e do que ficou de semente para o futuro, de avanços mas também de recuos, dos novos combatentes que surgem – e lhes dão mais força e asseguram continuidade.

Referiram-se às quotas e aos avantes!, às células e aos novos militantes, às organizações locais e à necessária ligação à vida que pulsa à sua volta. E a tantas coisas mais…

De todos estes, que no fim-de-semana participaram na Conferência Nacional do PCP, dirão alguns que lhes falta presença mediática, que são desconhecidos do público, que não têm notoriedade. Enganam-se: conhecem-nos bem onde quer que haja um problema, onde se trava um protesto, onde a luta germina.

Precisamente onde as televisões, as rádios e os jornais optam por não estar.

Gustavo Carneiro

quarta-feira, novembro 16, 2022

16 de Novembro 1922-2022 - centenário de José Saramago



com Ephremidis e comigo
no Parlamento Europeu





 

O que não se informa

 L'Expresso:

 

 

À la une

 


 

 

 

 

Aleksander Vučić vante la fraternité russo-serbe malgré les tensions croissantes. Dans un signe de résistance aux appels occidentaux à choisir entre Moscou et l’Occident, le président serbe Aleksander Vucic a déclaré que les relations fraternelles de son pays avec la Russie ne peuvent être détruites. Le tout, lors d’une rencontre avec Turko Daudov, un conseiller du leader tchétchène controversé Ramzan Kadyrov, ajoutant que Belgrade ne succombera jamais aux pressions. Par Alice Taylor, éditrice en charge des Balkans.

 

///

 

Missiles en Pologne : ce que l'on sait pour le moment. Deux personnes ont été tuées après qu’un missile a touché le territoire polonais dans le village de Przewodów, près de la frontière avec l’Ukraine, mardi (15 novembre), marquant la première explosion sur le sol des membres de l’OTAN depuis le début de la guerre en Ukraine, en février. L'approfondissement de notre éditrice Défense, Alexandra Brzozowski.

 


domingo, novembro 13, 2022

No regresso da Conferência Nacional...

 MOTE para várias glosas:

Eu não sou o futuro. O futuro somos nós!

(nós-os que-o-vivermos)

sexta-feira, novembro 11, 2022

... e de acordo com os estatutos:



 

"Uma (de) derrota intercalada" (em derrota)

  - Nº 2554 (2022/11/10)


Eleições nos EUA

Opinião

Os EUA foram a votos na passada terça-feira. Nas eleições intercalares estiveram em jogo todos os 435 mandatos da Câmara de Representantes, um terço dos 100 mandatos do Senado, 39 governadores de Estados, além de outros eleitos estaduais e locais. Mais uma vez a comunicação social acompanhou a par e passo estas eleições.

Exageros e subserviências de variado tipo à parte, é verdade que as eleições na maior potência imperialista do mundo têm importância, não tanto pelos resultados, mas por aquilo que evidenciam. Como sempre, tudo é decidido entre as duas cabeças de um sistema político totalmente controlado pelo poder económico, que «expele» do sistema quaisquer expressões políticas dissonantes.

Contudo, há novidades. Estas eleições evidenciam que esse sistema de poder está em crise e percorrido por contradições muito fundas decorrentes essencialmente de dois factores.

O primeiro é a situação económica e social nos EUA. A alta inflação, de 8,2 por cento, convive com insuportáveis taxas do juro e com uma perspectiva de redução da taxa de crescimento do PIB. Este cocktail desenvolve-se sob o lastro da maior desigualdade na distribuição da riqueza e dos rendimentos dos últimos 100 anos, bem expressa no facto de três multimilionários deterem uma riqueza acumulada equivalente à da metade mais pobre da população (160 milhões de cidadãos) ou de 45 por cento dos rendimentos nos EUA estarem a ser canalizados para um por cento da população.

Como seria de esperar, a administração Biden não beliscou sequer essa tendência. Pelo contrário, com os milionários gastos na guerra na Ucrânia e com os reflexos da sua estratégia de confrontação com a Rússia e a China, a situação social degrada-se e a economia tende a piorar. É neste contexto que a extrema-direita ensaia regressos, tirando partido do facto de a eleição da administração democrata não ter significado a tão prometida mudança.

O segundo é o mais do que evidente declínio relativo dos EUA no plano internacional. A estratégia de confrontação até pode ser a única forma que a grande potência em decadência tem de tentar conter essa tendência, mas os resultados não estão a ser os desejados e isso está a criar sérias rupturas no establishment que divide o poder.

António Santos


"Alimentando a serpente"

  - Nº 2554 (2022/11/10)


Alimentando a serpente

Opinião

As eleições em Israel deram a vitória a uma direita ainda mais extrema do que a que já estava no poder. O ex-primeiro-ministro Netanyahu, afogado em escândalos de corrupção, regressa à frente duma coligação que inclui a terceira força política, a aliança Sionismo Religioso, defensor aberto da anexação da Cisjordânia ocupada, da expulsão em massa de palestinianos do seu território histórico, da destruição da Mesquita de Al-Aqsa para construir um templo judaico sobre os seus escombros e das linchagens de palestinianos ao grito de «morte aos árabes».

O editor-em-chefe do jornal israelita Jerusalem Post descreve Itamar Ben-Gvir, chefe do Sionismo Religioso, como «uma versão moderna israelita dum supremacista branco americano e dum europeu fascista» (18.10.22). Outro jornalista israelita, Yossi Klein, comenta os resultados eleitorais com um artigo entitulado: «Agora é oficial: o fascismo somos nós» (Haaretz, 4.11.22). Gideon Levy vai um pouco mais fundo, ao escrever: «Ninguém se deve surpreender com quanto aconteceu. Não podia ser de outra maneira. […]. Cinquenta anos de instigação do ódio contra os palestinianos e de terror sobre eles não podiam acabar num governo de paz. Cinquenta anos de apoio israelita à ocupação, ombro a ombro, da esquerda à direita sionistas, não podiam acabar de forma diferente» (Haaretz, 3.11.22). É uma lição importante.

Parafraseando Levy, podemos dizer que o apoio «ocidental» à Ucrânia, ombro a ombro, da «esquerda» à direita, não pode acabar de forma diferente senão na promoção do fascismo. Esse apoio incondicional finge-se cego ao fascismo que prolifera na Ucrânia. Cego ao culto de Stepan Bandera, colaboracionista nazi, genocida das populações soviéticas, polacas, judaicas. Cego face aos crimes do fascismo ucraniano desde 2014, incluindo o massacre na Casa dos Sindicatos de Odessa e a guerra no Donbass. Cego face ao ódio irracional e racista contra os russos (paradoxal, dada a grande afinidade entre os dois povos, mas a racionalidade nunca foi característica do fascismo).

A guerra é alimentada com o envio de toneladas de armas e rios de dinheiro (que não existe para as despesas sociais). É pretexto para sanções que estão a destruir as economias europeias. É usada para justificar a inqualificável atitude do «Ocidente» na Assembleia Geral da ONU, no passado dia 4 de Novembro, ao votar contra a moção de «Combate à glorificação do Nazismo». A moção, apresentada desde há anos por iniciativa da Rússia, foi aprovada por larga maioria, com 105 votos a favor. Mas EUA, países da UE e Ucrânia votaram contra. Invocaram como desculpa a intervenção militar russa na Ucrânia. Mas já no ano passado, antes dessa intervenção, EUA e Ucrânia haviam votado contra e a generalidade dos países da UE se havia abstido. Assim se vai branqueando, e alimentando, o fascismo.

O filo-fascismo de largos sectores da burguesia liberal não é novidade. Foi assim nos anos 20 e 30 do século passado quando, face à sua grande crise, a generalidade das classes dirigentes europeias alimentou o «salvador» nazi-fascista. As consequências trágicas são conhecidas. Face à sua grande crise de hoje, assistimos de novo ao alimentar da serpente, que vai saindo do ovo.

Jorge Cadima