- Edição Nº2187 - 29-10-2015
Governo PSD/CDS mascara
a execução orçamental até Setembro
Os últimos alertas da UTAO
A Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) junto da Assembleia da
República divulgou um Relatório referente às Contas do 2.º trimestre de 2015
das Administrações Públicas, na óptica da Contabilidade Nacional (1). Foi também conhecida a síntese da execução orçamental referente ao mês de
Setembro da Direcção Geral do Orçamento. As informações destes documentos
contribuíram para adensar as dúvidas sobre as metas orçamentais propagandeadas
pelo Governo de direita PSD/CDS para o corrente ano de 2015.
A UTAO afirma, por exemplo, que no final do 1.º semestre o défice das
administrações públicas em Contabilidade Nacional ascendeu a 4,7 por cento do
PIB, ultrapassando claramente o objectivo dos 2,7 por cento definidos para o
conjunto do ano.
Em termos globais o aumento da receita face ao período idêntico do ano
anterior foi, na sua quase totalidade, absorvido para financiar um acréscimo
nominal da despesa em montante idêntico. Isto, apesar de congelar as reformas e
pensões e os salários na Administração Pública; a sobretaxa do IRS e a
pesadíssima carga fiscal sobre trabalhadores, reformados e pensionistas; a
redução do nível de deduções por parte das famílias para despesas de educação,
saúde e habitação; os cortes nos apoios sociais, nomeadamente abono de família,
complemento solidário para idosos, rendimento social de inserção e subsídio de
desemprego e dos cortes na Saúde e na Educação.
Resultados da execução orçamental até Setembro
A análise da execução orçamental referente ao passado mês de Setembro,
divulgada no final da semana passada, se bem que na óptica da Contabilidade
Pública (2), reflecte efectivamente uma evolução da receita que fica aquém do
orçamentado e uma evolução da despesa que ultrapassa as estimativas. A evolução
da receita é marcada pelo comportamento da receita fiscal, como sucede no IRS,
que caiu 85 milhões de euros neste período, e no imposto sobre o consumo de
tabaco, que caiu 51 milhões de euros, quando para um e outro imposto se
estimava crescimentos consideráveis.
E a receita fiscal só não foi pior porque o Governo, como forma de
compensar aquela evolução menos favorável, tem procedido à retenção de
reembolsos a um nível nunca antes visto. Comparativamente com igual período de
2014 permanecem retidos 415 milhões de euros de reembolsos, dos quais 258,3
milhões de euros de IVA e 201 milhões de euros de IRC.
Os pequenos empresários queixam-se do impacto extremamente negativo que
estas retenções têm sobre os recursos financeiros das suas empresas, o Governo
argumenta que este nível de retenções se deve a um maior controlo efectuado ao
nível dos reembolsos. Existem no entanto fundadas dúvidas de que não estejamos
perante um mero expediente que visa atrasar esses reembolsos e desta forma
empolar artificialmente a receita fiscal apurada, com impacto naturalmente no
nível do défice apresentado.
Por sua vez, para a evolução da despesa pública contribuem principalmente os
cortes nas despesas com prestações sociais, menos 520 milhões de euros nos
primeiros nove meses do ano, o aumento considerável de despesa comaquisições de
bens e serviços, mais 110,2 milhões de euros, e com pagamento de juros, mais 134
milhões de euros.
Só de juros e comissões com os empréstimos obtidos junto da troika o Estado
português pagou, nos primeiros nove meses do ano, 1678,5 milhões de euros, mais
cerca de 92 milhões de euros do que em igual período de 2014 e cerca de 30 por
cento de um total de 5617,1 milhões de euros pagos neste período em juros e
outros encargos.
Os encargos com a nossa dívida pública não param de crescer e constituem um
sorvedouro de recursos financeiros públicos insustentável, insuportável e
incompatível com a nossa necessidade de investimento. Só nestes primeiros nove
meses do ano o total dos encargos públicos com juros e outros encargos
representou o dobro do investimento público. A necessidade de renegociação da
nossa dívida pública nos seus prazos, juros e montantes constitui cada vez mais
um imperativo nacional e o seu adiamento apenas contribui para que a situação
do nosso País se agrave cada vez mais. Quanto mais tarde se proceder a essa
renegociação pior será a situação do País e mais difícil será encontrar uma
solução que comporte a totalidade dos recursos financeiros necessários ao nosso
crescimento e desenvolvimento económico.
Metas orçamentais em causa, um simulador que mente e uma janela de
esperança
São muitas as dúvidas sobre as metas orçamentais definidas por este Governo
para 2015, quer porque a evolução conhecida nestes nove meses põe em causa
essas metas, quer porque não está esclarecido o impacto que a situação do Novo
Banco poderá ter sobre as contas do Estado. Em particular, se for colocada a
necessidade da sua recapitalização no seguimento dos chamados testes de stress.
Por outro lado, a possibilidade real deste Governo cair através de uma moção de
rejeição, irá trazer à tona muitas operações financeiras até agora
desconhecidas e que um fim de ciclo político sempre tem destapado.
Os dados da execução orçamental referentes a Setembro agora divulgados vêm
também pôr a nu o enorme embuste criado pelo Governo da coligação PSD/CDS ao
longo dos últimos meses em torno da prometida devolução da sobretaxa de IRS. O
que o PCP sempre denunciou.
Ao longo dos últimos meses foram muitos os estratagemas do Governo, com a
conivência da comunicação social dominante, para transmitir a ideia de que o
pior já passou, de que os sacrifícios valeram a pena, de que finalmente o
desemprego estava a reduzir-se, o emprego a aumentar, de que a economia crescia
agora de forma sustentada. Dizia o Governo que finalmente Portugal tinha
afastado o espectro da bancarrota e que, prosseguindo este rumo, os próximos
anos seriam finalmente de crescimento e prosperidade económica.
É neste contexto e em pleno período pré-eleitoral que – ao mesmo tempo que
a receita fiscal dava sinais de algum abrandamento, bem visível na execução
orçamental dos primeiros meses do ano – o Governo recorreu à propaganda
mentirosa de um simulador que anunciava mensalmente aos milhares de portugueses
que têm estado sujeitos à sobretaxa de IRS a devolução desta mesma taxa a
partir do início de 2016.
Através do recurso à farsa do «simulador», inserido no Portal das Finanças
desde o passado mês de Junho, os dados «oficiais» da execução orçamental foram
alimentando a ilusão de uma devolução crescente da sobretaxa do IRS em 2016. O
que aconteceu com os dados da execução orçamental de Junho, Julho e Agosto,
antes das eleições do passado dia 4 de Outubro.
Afinal, logo que houve dados da execução orçamental posteriores às eleições
legislativas, a prometida devolução que, com os dados de Agosto passado,
atingia já os 35,3 por cento da sobretaxa de IRS, caiu para menos de 10 por
cento. Mesmo assim, um valor só possível com um nível de retenção dos
reembolsos do IVA nunca antes visto.
O que os dados da execução orçamental mostram é que a evolução da receita
fiscal do IVA e IRS, se não fosse o truque da retenção dos reembolsos devidos destes impostos, até ficaria aquém do previsto e que, desfeita a manobra, a devolução da sobretaxa do IRS não acontecerá. Na verdade, o crescimento conjunto da receita fiscal de IVA e IRS nos primeiros nove meses do ano, caso a devolução do IVA e IRS fosse idêntica à de 2014, ficar-se-ia pelos 2,9 por cento – inferior à previsão de crescimento inserida no Orçamento do Estado para 2015, que era de 3,7 por cento.
Um dia após a indigitação de Passos Coelho, os dados divulgados pela Direcção Geral do Orçamento põem em evidência a falta de seriedade e rigor políticos da coligação PSD/CDS. Testemunham a falta de escrúpulos do Governo ainda em funções, de recorrer à mais grosseira mentira e manipulação. Constituem um libelo acusatório a PSD e CDS que arrasta consigo o Presidente da República e a sua assumida postura de tutor dos interesses daqueles dois partidos.
Os resultados eleitorais, a derrota da direita que eles representam, e a possibilidade real de se travar as políticas de austeridade até agora prosseguidas, são uma janela de esperança para os trabalhadores e o povo português.
José Alberto Lourenço