segunda-feira, outubro 26, 2015

reflexões lentas... e silêncio para quem se quer (ou faz de) surdo

  • Vivemos um tempo de individualismo. Do ser humano separado do outro-que-também-sou-eu, e de que só se toma conhecimento que existe quando herói ou quando vítima. Conhecimento de existência que só se tem desde que mediatizada até chegar ao âmago do indivíduo-que-só-sou-eu. 

E assim, com essa "informação", se glorifica ou se pretende solidariedade para o outro-que-não-és-tu. Essa mediatização alimenta até ao ponto de fazer (ab)arrotar o indivíduo que se quer seguidor de ídolos e, de vez em quando, altruísta, caritativo, lutador por causas (et pour cause...). 

Para isso, para essa "alimentação" da ideologia imposta do individualismo, se criam heróis únicos na amálgama de tantos que o poderiam ser porque vítimas do individualismo, se divulgam vítimas individuais, que se transformam em heróis ao serem criados como únicos, ao cruelmente se servirem deles. 

Sempre em nome dos direitos humanos, ignorando os direitos dos humanos.
Se alguém ou alguns saem destas baias, se - certos ou errados - se calam perante o clamor ou exprimem opinião diferente e se atrevem ao enquadramento indispensável a fazer à heroicização ou à vitimização de um indivíduo em nome do individualismo, ou são acusados de estar silenciosos sobre o acto heróico e a vítima de que se estimula a vitimização, ou são denunciados como desumanos, cúmplices, carrascos por interposta acção ou inacção.


  • Então... sem se cair na abstracção especulativa ou no concreto enganador, é sempre útil recorrer a reservas de/para reflexão, sobre liberdade, por exemplo:
«... segundo a Declaração dos Direitos do Homem, de 1791: "La liberté consiste à pouvoir faire tout ce qui ne nuit pas à autrui".

A/esta liberdade, por conseguinte, é o direito a fazer e empreender tudo que não seja prejudicial a outrem. Os limites em que cada um pode agir sem causar dano a outrem são determinado pela lei, assim como as estacas ou os marcos delimitam a linha divisória entre duas terras ou propriedades. Trata-se da liberdade do ser humano considerado como um mónada isolado, voltado para dentro de si (...assim...) o direito do homem à liberdade não se basearia na união do ser humano com o ser humano, mas, pelo contrário, na separação do ser humano do seu semelhante. A liberdade seria o direito a esta dissociação, o direito do indivíduo delimitado, limitado a si mesmo.

A aplicação prática do direito (dos) humanos à liberdade seria o direito humano à propriedade privada.
E em que consiste o direito humano à propriedade privada?
Art. 16 (Constituição de 1793) : "Le droit de propriété est celui qui appartient à tout citoyen de jouir et de disposer à son gré de ses biens, de ses revenues du fruit de son travail et de son industrie".O direito humano à propriedade privada, portanto, seria o direito do ser humano de fruir e de dispor arbitrariamente (à son gré) do seu património, sem atender aos outros, independentemente da sociedade. Seria o direito ao egoísmo, ao privilégio absoluto do interesse pessoal. Esta liberdade individual e as suas aplicações, constituem o fundamento da sociedade burguesa. Sociedade que faz com que todo ser humano encontre noutros seres humanos não a realização de sua liberdade, mas, pelo contrário, a limitação desta. Sociedade que proclama acima de tudo o direito humano "de jouir et de disposer à son gré de ses biens, de ses revenues, du fruit de son travail et de son industrie".»  


(a partir de Marx,  A questão do judaísmo, 1844)

2 comentários:

Olinda disse...

Gostei do post.Mas, confesso,tive que reler o texto para entende-lo melhor!Bjo

Sérgio Ribeiro disse...

Ora aí está uma satisfação para quem escreve reflectindo... lentamente e procurando comunicar: levar a ler segunda vez!
Obrigado. Beijo