domingo, abril 03, 2016

Virado para o passado? NÃO! Voltado para o futuro.

Em 1996 (há 20 anos!... e já, então, a escrever memórias...), escrevi isto, agora encontrado na indispensável e periódica "limpeza":

A(s) memória(s) incómoda(s)

Convidávam-nos, e ouviam-nos, quando éramos a voz isolada, quando  só nós destoávamos dos consensos sobre os "caminhos europeus".

Atribuiam-nos o estatuto de contra-prova. Como o do controlo anti-doping que só serve para confirmar que o atleta "foi à compota". Nós éramos os "contra a Europa", os catastrofistas, os que serviam para mostrar como "eles" tinham razão, razão que até se confirmava porque nós, "estes"!, estávamos em desacordo.

Convidavam-nos, pouco mas q.b. para sermos a horrenda bruxa madrasta que realça beleza e bondade das Brancas de Neve.

Depois, os tempos correram, como é próprio dos tempos (e também das Alices e mais figurantes do País das Maravilhas), pois não há tempo sem que tempos corram. Bastaram poucos os anos dos tempos corridos para confirmar o que previmos e prevenimos.

Falamos da "Europa", claro, e de Maastricht, e da moeda única, e das crises que não são ou já foram mas sofremos, e das especulações e contradições que a realidade mete pelos olhos dentro, e do desemprego, e da pobreza, e da exclusão.

Falamos, claro, de todas as "surpresas" que deram cabo de todas as previsões de quem tem credibilidade para fazer previsões e mais credibilidade ganha quanto mais previsões falha.

E deixámos - conjunturalmente? - de ser convidados. Ou melhor, as portas dos Centros Culturais de Belém e afins que nos são abertas são as das plateias para ouvirmos e homologarmos presencialmente o que outros disserem de cima de palcos ou estrados, das cadeiras de debitadores de certezas ou das estantes de conferencistas.

Aí, se ouvirá o que lemos em todos os jornais que dão relato do que por lá se passa, com destaque de protagonistas. As profundas análises, os lúcidos comentários, as preclaras (e displicentes) explicações de... porque é que foi assim e não como tinha sido previsto (por "eles"...). Depois, com a força de quem pode, com o saber de quem tem os livros e os códigos, retomam o papel de ditadores do futuro. Do futuro que não será, que os trairá!

Nós, ignorantes que somos... "vemos, ouvimos e lemos, não podemos ignorar", como escreveu a Sofia e o Fanhais cantava.

Mas o problema é a memória. Não a nossa, que é natural que não esqueçamos o que por nós foi dito e escrito. O que previmos e prevenimos. Até porque assim (mais ou menos) aconteceu. O problema, e grande, não é a nossa memória, é a de quem nos teria ouvido e lido e, eventualmente - não esquecido aquilo que até escrito está!

O facto é que deixaram - conjunturalmente? - de nos convidar para as mesas pluralistas-mas-não-demais, sobretudo quando se corre o risco de aparecerem (im)pertinentes confrontos entre previsões, razões e causas. Et pour cause...


06.02.1996

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