domingo, dezembro 29, 2019

Tirado do quase-diário do dia de ontem


Ontem, de manhã, confirmado ao longo do dia:

Um rio com a alcunha de basófias

De vez em quando, zangava-se.
E de aí lhe vem a alcunha.

Sim, porque não é agradável ser-se conhecido – ou ignorado, o que não é o mesmo mas será igual… – por  chochinho, como se fosse apalermado, como se fosse daqueles para quem está sempre tudo bem.

De vez em quando, irritava-se. Tinha pequenos arrufos, A modos de quem diz olhem que estou vivo, e faço parte da vossa vida.
E as gentes à volta olhavam-no, sorriam, faziam-lhe uma festa, ou integravam-no numa das suas festas, passavam-lhe a mão pelo pêlo, isto é, pelas suas águas. Estava ali, e por ali passava fazendo poucas ou nenhumas ondas. Por isso o punham à margem. Ou seja, entre as margens.

Nada de violências. Nada que fizesse lembrar Brecht e a sua esclarecedora (como tantas, como todas…) versão sobre quem é que é violento: as margens que oprimem os rios, ou os rios, contidos entre margens, que contra elas se revoltam.

Desta vez, porém, o chochinho, o panhonhas, que fazia sorrir com as suas basófias, fartou-se. Cansou-se. Por ares e ventos e chuvas, uma dita Elsa e mais um outro qualquer vieram dar-lhe uma força que não tinha, ou que julgavam que não tinha, ou que diziam ser tudo apenas basófias.

Mas não eram. Na história do rio. Há onde se assinalem ciclos de alguma gravidade. De 50 em 50 anos, ou de 20 em 20. E a última fora no começo deste século. E, desta vez, foi mesmo muito grave.

Acicatado pelos temas que andam na moda, como se moda fossem, e não reais problemas que o capitalismo cria e agrava com a sua obsessão do lucro, que polui e procura lucro no que possa vir em socorro do poluído, que destrói com as armas que fabricou para ter lucros depois de mercandejadas para destruírem e depois vem fazer da reconstrução do destruído, desde que dê lucro, novas fontes de lucro, parece que o tal basófias transbordou e derrubou o pouco ou mal construído para que ele corresse nunca oprimido a caminho da foz, que é em Figueira da dita, depois de passar por Coimbra.

Logo vieram os que têm de vir, os que acham que é oportuno vir, os que vêm sempre. Logo disseram os que têm que dizer, os que acham que é de aproveitar o que aconteceu para dizerem, os que têm sempre que dizer.
Eu, também. Pois então…

E, depois – às vezes, até antes –, há toda a parafernália de leituras e de interpretações dos que fazem comunicação e comunicações sobre os que vieram e os que não vieram e deveriam ter vindo, sobre o que foi dito e suas intenções e o que não foi dito e deveria ter sido.   

O basófias inchou. Ainda mais!

3 comentários:

Justine disse...

Já te disse hoje e repito: excelente texto!

Olinda disse...

O "surdo murmúrio do rio,a deslizar..."como Miguel Torga cantou o Mondego,cansou-se de ser pausado.É assim,também,com os povos que parecem quietos:Só precisam de uma "Elsa",para os despertar.Bjo

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.