O motivo da viagem era reunião na Soeiro na 6ª, e o plano para 5ª era: cinema (Meia-Noite em Paris), jantar com João (e Patrícia e…).
Para isso. comecei por ir de metro até ao Colombo e comprar bilhete.
Mas como os olhos lacrimejavam abundantemente e ardiam, após telefonema para a Zé (queixoso para lá, conselheiral para cá), decidi-me a ir à farmácia do centro comercial, e pedir algo que me acalmasse para poder ver o filme.
Já a pagar o colírio aviado, realizou-se uma mobilização profissional do outro lado do balcão, e o mais autorizado retirou o que estava embalado e deu-me uma ordem:
“O senhor vai ma’zé imediatamente a uma urgência oftalmológica, nós não lhe aviamos nada!”
Simpático, profissional e imperativo.
E como o Colombo tem tudo, até hospital ao lado, o mesmo simpático e profissional continuou imperativo:
“… sai por aquela porta, vira à direita e vai ao Hospital da Luz, ali ao lado,à urgência oftalmológica!”.
De rabinho entre as pernas – e ligeiramente assustado – lá fui, a resmungar “Hospital da Luz?... sistema privado de saúde?!... os gajos estão mesmo a ganhar… lá vou à tal urgência oftalmológica…”.
Entrei num amplo átrio –tanto poderia ser de um hospital como de um museu – dirigi-me ao longo balcão povoado de fardadas e sorridentes meninas e disse ao que ia.
Felizmente, a que escolhera da montra era a mais bonita (teria sido por isso que a escolhi?) e… simpática.
Sorriu-me e disse “… urgência oftalmológica?... vê-se bem!… o senhor segue por aquele corredor, depois daquela porta e ao fundo atendê-lo-ão.”
Assim fiz. Um longo corredor, com salas de espera à esquerda a lembrar um aeroporto, tendo ao fim um balcão com outros recepcionistas.
Todos igualmente impecáveis na sua farda a fazer de conta que não é farda (para isso servem os costureiros), e dirigi-me ao primeiro, com menos sorte, em termos de agrado à vista (lesionada…) e simpatia.
Que sim, senhor, que estava no "atendimento permanente", que me iria inscrever na próxima consulta com médico de especialidade geral, que decidiria se sim ou não seria para oftalmologia.
“Mas não se vê logo, a olho nú!, que é para oftalmologia”, ainda argumentei… por argumentar, claro.
Com seco profissionalismo, tive a resposta:
“Aqui não é assim…dentro de uma hora, um médico generalista fará a despistagem e, se for caso disso, encaminhá-lo-á para o oftalmologista…”.
Já a começar a não ver muito bem as coisas (a piorar!), reagi “… uma hora?!…”, ao que tive a contra-reacção pronta “… no mínimo…”, e eu “… e depois mais outra hora – no mínimo… – para vir o doutor oftalmologista?...” e ele “... provavelmente…”.
Passou-me mesmo uma coisa pela vista, e ele apercebeu-se e atalhou, antes que eu abrisse a boca “… aqui é assim, a alternativa é um serviço público”, “qual o mais perto?”, “Santa Maria”, “obrigado”.
E desarvorei do SPAD (sistema privado de aproveitamento da doença) e de táxi regressei ao ainda existente SNS (serviço nacional de saúde). E a dizer para comigo "bem feito!".
Chegado a Santa Maria-Urgências, fui recebido num balcão de 2-receptionistas matulões-2, de camisas iguais fornecidas pela instituição com distintivo, que, no computador, tomaram as devidas informações e mandaram-me esperar na sala ao lado.
Nem havia muita gente – era quinta-feira ao fim da tarde – e passados uns rápidos minutos fui chamado e passei por uma sala onde uma “dótoura” (acho eu…) me pediu pormenores, mediu a tensão, me colou uma pulseira no pulso (é o lugar delas!) e me mandou para a oftalmologia-urgência.
Longos corredores percorri e fiquei incomodado por a consulta-oftalmologia estar no piso em que me encontrava desde que chegara e a urgência-oftalmologia me obrigar a ir ao elevador e subir dois pisos… não devia ser ao contrário: o urgente mais acessível que a consulta?
Numa sala de espera, justificando o nome, esperei mais uns escassíssimos minutos e fui chamado e recebido por uma simpática “dótoura” oftalmologista, Fátima de seu nome, que fez o que é de seu mester: ouviu-me, observou-me (naqueles aparelhos esquisitos), sossegou-me quanto à possível gravidade, receitou duas coisecas e mandou-me em paz com bons conselhos para eu olhar por mim, incluindo os olhos.
Com os olhos tratados com o gel que era colírio e o colírio que era colírio, passei ao ponto seguinte da ordem do dia, ficando sem efeito o ponto do cinema (com o bilhete no bolso).
Mas, antes, ainda deixo um viva o SNS!, abaixo o SPAD! (em tempo: gosto mais de SAND - Sistema de Aproveitamento do Negócio da Doença)
(isto foi há uma semana... já está tudo em ordem, obrigado!)
4 comentários:
ABAIXO e em letras bem gordas o SPAD. É assim que querem tratar-nos da saúde... Os Hospitais do SPAD não têm especialistas de urgência porque isso era prejudicar o NEGÓCIO. O SNS tem que os ter sempre porque (por enquanto)ainda conserva a missão de cuidar da saúde dos portugueses tendo em conta a equidade, a universalidade, a qualidade e mais umas quantas "dades" que têm servido para melhorar os nossos indicadores de saúde e de desenvolvimento. É claro que os hospitais do SPAD investem na fachada (átrios, recepcionistas, balcões, maquinaria...) mas muito pouco (quase nada porque foram buscá-los ao SNS)nos recursos humanos da saúde sem os quais não há fachada que se aguente. Oxalá muita gente leia e divulgue a tua história real e bem contada, porque é preciso denunciar estas e outras especificidades do SPAD, que servem para vaidades e outras vacuidades mas não substituem nunca a segurança que nos tem dado o Serviço Nacional de Saúde que levou tanto tempo a construir e está a ser destruído com motivações que nós conhecemos muito bem e enganando, como em tantas outras coisas, a nós todos.
As melhoras, amigo Sérgio.
E viva o SNS.
Paulo S. Fonseca
3 Vivas aos profissionais do SNS pelas suas melhoras.
3 Vivas pela luta dos trabalhadores e do povo português por um SNS próspero e universal.
Abraço
Graciano Mendes
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