As propostas de legislação,
o debate e a aprovação de 3 dos 5 projectos de legislação sobre eutanásia provocaram, quase
surpreendentemente, o que de melhor temos tido em democracia, nesta democracia. Não isento,
evidentemente, de manifestações pouco democráticas, de empolamentos
manipuladores, de argumentação falsificadora, de aproveitamentos espúrios. Mas
foi, no computo geral – e até agora – de reflexão serena, de debate respeitoso,
de votação calma. Sem incidentes ou circunstâncias desagradáveis na Assembleia
da República.
A posição mais controversa
(e controvertida entre quem quer levar a sério questões sérias como esta) terá
sido a do PCP. E sem dúvida que contribuiu para a seriedade com que foi
encarada a questão, se não por todos os intervenientes por quase todos os
intervenientes, a título individual ou em representação de colectivos ou de
correntes de opinião.
Primeiro, o PCP fez alargada
e clara fundamentação da posição que foi e seria tomada nas páginas do jornal
partidário, abertas não só aos militantes (embora prioritariamente e como
obrigação de leitura destes), mas a todos os que se quisessem informar sobre
qual e porquê a decisão de não apresentar proposta própria, e do voto nas
propostas apresentadas, analisadas com atenção e respeito.
Depois, no debate, merece(-me) destaque a intervenção em plenário do vice-presidente
Depois, no debate, merece(-me) destaque a intervenção em plenário do vice-presidente
António
Filipe que considero, sem reserva ou rebuço, uma peça notável. Deixo-a aqui e juntaria, apenas, o destaque da preocupação com a banalização ou mercantilização
comprovadas em casos adoptados com iguais (boas) intenções e contextos semelhantes.
Nada acrescentaria ao que
disse António Filipe, o que não significa que não tenha outras coisas (ou outra
maneira) de as dizer sobre o tema. Mas, no entanto, antes de as passar a
escrito, quero afirmar ausência de intenção de as ter como eventuais
acrescentos a um texto e alocução que teve a medida certa e foi ajustada ao
momento em que foi feita. E de que se recomenda a leitura ou visão-audição.
Apenas desejo – e com
veemência – trazer para a consideração de tão vital tema mais uma pessoal e bem
(em quantidade!, isto é, muito) reflectida posição sobre o assunto.
Tenho uma sedimentada
concepção de vida e do ser humano, que resiste e se reforça com o passar de
muitos anos e experiências de viver e pensar o vivido. Só isso vale, e só assim
a quero exprimir.
Vivemos, incontroversamete,
em sociedade, ajustamo-nos em convivência(s) temporais e espaciais. Há regras,
como as da circulação automóvel (aqui pela direita, ali pela esquerda) que
ilustram regras a terem de ser respostas a um necessidade de regular essa(s)
convivência(s).
Há direitos que parecem
incontroversos, assim como há normas e princípios transversais,
independentemente do maior ou menor respeito que mereçam ao longo do tempo e ao
largo do espaço universal.
O direito que melhor ilustra
essa transversalidade será o direito à
vida, embora não resulte ou nasça de uma unívoca e universal concepção de quando
começa e de quando termina a vida do ser humano.
Mas esse direito à vida deve
ser garantido pelas normas que regem a convivência, e será o primeiro dos
direitos humanos. Depois, diria que todos os outros direitos são condicionados,
não arbitrariamente mas pelas condições materiais das comunidades, pelas opções
societais que se formam e predominam nos espaços-nações que se organizam como
Estados ou conjuntos de Estados. Direitos societais como direito à saúde, como
direito à educação, e outros, derivam desse direito à vida, mas dele não deriva um direito à morte, que é a inevitabilidade
por se estar vivo. Quanto muito (e muito e inequívoco é) há a opção/direito individual de pôr termo à vida, que não
se pode (não deve) transformar num direito societal cuja prática seria, sempre,
administrativa para não ser um crime. O Estado define opções ao legalizar a
antecipação da morte para acabar com sofrimento quando não se dota de
instrumentos e meios possíveis (hoje e mais amanhã) para cuidados paliativos.
Poderia, ainda, argumentar-se
que o suicídio, que resultaria dessa individual opção/direito de antecipar a
morte, é punível, mas essa penalização ou é obviamente exclusiva de quem seja
crente da existência de vida para além da morte ou é caricata.
Por outro lado e último –
pelo menos para agora – bem diferente da eutanásia
são a ortotanásia e a distanásia, sendo a primeira, em termos
simples (que não quero simplistas), terminar a vida artificial mantida, com ou
sem anterior consentimento do paciente, apenas por obsessão terapêutica, e a segunda
o seu inverso: a manutenção da vida artificialmente por reconhecida e ineficaz obsessão
terapêutica.
E há que ter sempre em
atenção na legislação, ou na argumentação para a sua adopção a mudança dos
tempos e das vontades. A que, neste nosso tempo, assistimos vertiginosamente
Estas não são mais do que
reflexões a propósito de tema que as exigem de cada um de nós, reflexões pessoais
sem qualquer resquício de ”arrogância
intelectual” ou arroubo de ”superioridade
moral”. Mas… coerentes. Certo que estou da inevitabilidade da morte, que
encaro com lucidez e a possível dignidade, grato por ter vivido a vida que vivi
até hoje. E, espero!, alguns amanhãs.
Gracias a la vida que me ha
dado tanto!