sexta-feira, fevereiro 04, 2022

CONTRADIÇÕES - USA (e abUSA)

  - Nº 2514 (2022/02/3)


Contradições

Opinião

A mais recente escalada de retórica bélica anti-russa parece um diálogo dos filmes do Tarzan: «Rússia má, NATO boa». Às proclamações insistentes sobre uma iminente «invasão russa» juntam-se acusações do governo britânico e dos EUA de que a Rússia estaria a organizar um golpe de Estado na Ucrânia (New York Times, 22.1.22). Não deixa de ser irónico, tendo em conta que o actual regime ucraniano assenta as suas raízes no golpe de Estado de 2014, abertamente patrocinado pelos EUA/RU/NATO/UE. Ainda mais irónico é que um eventual golpe na Ucrânia pode estar sim a ser preparado, mas pelo partido da guerra no seio do imperialismo anglo-americano.

Diz a CNN (28.1.22): «Enquanto os EUA advertem o mundo sobre uma potencial ‘iminente’ invasão russa da Ucrânia, um dirigente estrangeiro em particular não está convencido: o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky. […] Zelensky afirmou aos jornalistas na passada sexta-feira que ‘existe no estrangeiro a sensação de que existe aqui uma guerra. Não é assim’. […] Zelensky e os seus conselheiros fartaram-se nas últimas semanas do que consideram ser uma «reacção excessiva» por parte dos EUA, que acreditam estar a incitar o pânico e uma convulsão económica na Ucrânia […]. As tensões latentes culminaram na noite de quinta-feira, quando Biden – durante uma chamada [telefónica] – incitou a Ucrânia a preparar-se melhor para uma potencial invasão em Fevereiro. […] A chamada ‘ não correu bem’ disse um alto funcionário ucraniano à CNN. […] Na sexta-feira, Zelensky redobrou a sua insistência de que uma invasão russa não está ‘iminente’ […] ‘Eu sou o Presidente da Ucrânia. Estou aqui sediado e penso conhecer com mais profundidade os detalhes do que qualquer outro presidente’». O ministro da Defesa da Ucrânia fala no mesmo tom. Conhecidos jornalistas partidários de todas as guerras imperialistas (como Julia Ioffe, puck.news, 25.1.22) já começaram o ataque a Zelensky: «a Casa Branca […] está praticamente farta do presidente Zelensky».

A zanga não é de princípio. Zelensky é defensor das campanhas anti-russas, da subordinação aos EUA e de sanções contra o gasoduto Nord Stream 2 entre a Rússia e Alemanha; preside a um regime profundamente corrupto onde fascistas assumidos ocupam cargos importantes e conhecidos colaboracionistas com os invasores nazis são publicamente homenageados; o principal dirigente do maior partido da oposição está desde Maio em prisão domiciliária e é acusado de traição (RT, 23.12.21); importantes meios de comunicação social opositores foram encerrados. Mas é bem possível que Zelensky, tal como a Alemanha, França e outros países europeus, estejam a perceber que a decadente e cada vez mais desorientada super-potência imperialista, no seu afã de travar o seu declínio parece procurar desesperadamente uma guerra na Europa. Veja-se as delirantes declarações dum Coronel dos EUA, Alexander Vindman (realclearpolitics.com, 19.1.22): «estamos prestes a ter a maior guerra na Europa desde a II Guerra Mundial».

O perigo de provocações do partido da guerra, visando precipitar a situação, é bem real.

Jorge Cadima

2 comentários:

Maria João Brito de Sousa disse...

E a mensagem vai sendo passada exactamente ao contrário, no que respeita à origem de um perigo que é real...

Abraço!

Justine disse...

Excelente artigo, esclarecedor de uma situação muito perigosa!