domingo, novembro 25, 2007

Também lá estive!

PRODUTIVIDADE E COMPETITIVIDADE

Convidados, amigos,
camaradas

Perante a tarefa de contribuir para uma conferência económica, um economista marxista sente-se como alguém que quer oferecer a um grupo de amigos um cozido à portuguesa, acompanhado por um bom vinho dos nossos, e tem, na dispensa e no mercado, as couves de Bruxelas como única hortaliça, aquele osso de porco (eis bein) de Estrasburgo como única carne, as salsichas de Frankfurt como único enchido, e que, em vez de vinho, apenas dispõe de produtos químicos importados de um norte onde não há nem sol, nem encostas, nem castas… nem uvas.

As ferramentas do economista, os seus ingredientes, não são os necessários e ajustados. Deve começar pela crítica da economia política do capitalismo… com a enorme dificuldade de ter de o fazer utilizando conceitos operacionais ao serviço da ideologia do que critica.

A “economia de mercado” não é uma forma neutra, desideológica, de organizar a produção, circulação e distribuição do que satisfaz as necessidades das populações. Serve, também ideologicamente – e muito! –, a manutenção, a extensão, o reforço da relação social que se baseia na exploração da força de trabalho, pela apropriação do valor (e das mais-valias) que o emprego desta cria.

E baseia-se em conceitos falaciosos de produtividade e de competitividade. Desde logo, monetarizando o que, enquanto conceito marxista, é uma relação entre quantidades de valores de uso e tempo, horas de trabalho necessárias para os produzir, em condições determinadas, particularmente intensidade de trabalho.

Essa monetarização conduz à sequência salário enquanto custo-->produto em moeda-->competitividade com base em preços, sequência que ignora deliberadamente tudo o resto, as condições em que se concretiza o processo produtivo.

Ignoradas essas condições, abandonados instrumentos nacionais para a competitividade como manipulações cambiais (desvalorizações e apreciações da moeda nacional), a produtividade, enquanto conceito operativo (e ideológico) do instrumental capitalista, centra-se nos salários. Sendo estes a única variável a manipular porque as outras são, ou querem-se intangíveis.

Divide-se o PIB em euros pela população activa com actividade, pelos trabalhadores que para ele teriam contribuído, e conclui-se que Portugal tem uma produtividade cerca de metade da produtividade média da chamada Europa. Pelo que o que haveria a fazer, para melhorar a competitividade, seria manter o único custo estrategicamente manipulável, os salários, baixo e o desemprego alto.

O que, além das implicações sociais, seria um absurdo, no plano da discussão económica pura, se esta existisse. Mas não existe! Toda a discussão económica é classista. Logo, nada é absurdo porque a produtividade passou a ferramenta (ideológica) do capitalismo.

Nem valerá muito a pena argumentar que o mesmo número de horas de trabalho, com a mesma intensidade de trabalho, produz diferente valor acrescentado num outro contexto, quer de meio ambiente ou infra-estruturas, quer de organização do processo de trabalho, quer em outras condições materiais e financeiras exógenas ao processo produtivo.

Por exemplo, em termos de “economia de mercado”, o diferencial entre os valores acrescentados por Manueis e Marias com as mesmas horas de trabalho em França e Portugal, mostra que o produto desse tempo de trabalho é mais competitivo em França do que em Portugal, ainda que os salários em França sejam substancialmente mais elevados.

De onde se concluiria que os mesmos Manueis e Marias têm maior produtividade em França, apesar dos salários serem mais elevados que em Portugal. Porque as outras determinantes são… outras!

Mas… para se ganhar competitividade, qual a falácia, a mistificação sobre o que é necessário mudar para crescer a produtividade à maneira capitalista?

Mudar o que faça com que o denominador da fracção, o número de trabalhadores, se mantenha inalterado ou cresça proporcionalmente menos que o numerador, por aumentarem as horas e intensidade de trabalho. No inaceitável pressuposto de que tudo depende do salário enquanto custo, e único custo sobre que é possível intervir, com tudo o resto sem mudança, ou só mudando no que respeita à remuneração, sempre crescente, das remunerações ao capital.

Ora, como conceito marxista, a produtividade mede –se, e dinamicamente, pela quantidade de valores de uso produzida por unidade de tempo de trabalho. Logo, o aumento da produtividade é inseparável de mudanças nos processos de produção que diminuam o tempo de trabalho socialmente necessário por cada unidade produzida. Como disse Marx, “uma menor quantidade de trabalho adquire a capacidade de produzir mais valores de uso”.

Logo, a produtividade não pode melhorar sem progresso técnico. Ao invés, pode dizer-se que a produtividade mede o progresso técnico, neste se incluindo a qualificação dos trabalhadores.

Não sendo esta a natureza (de classe) dos ingredientes “oferecidos” pela estatística, às propostas de rupturas com as políticas de direita do cap. IV, Outro rumo. Nova política, do texto-base preparado para esta Conferência, se juntam as medidas para dinamização do crescimento da produtividade e competitividade da economia portuguesa (7.4.2), vectores estratégicos de uma política económica e social baseada no relançamento da economia produtiva, como desde a Conferência de 1977, Saída da crise, o PCP defende. Pela via que, nesse ponto, se refere: "investimento, qualificação dos recursos humanos, factores de produção a preços de concorrência".

A terminologia reflecte compromissos a que se é levado pelo instrumental com que se tem de trabalhar, o que de modo algum diminui a importância de um contributo desta Conferência, o da denúncia e correcção possível dos “mecanismos ideológicos de justificação e diversão do capitalismo” (8.3 do cap. III).

Para terminar, sublinha-se que esta 5ª Conferência económica é sobre questões económicas e sociais, e em nenhuma circunstância se devem separar ou subalternizar os efeitos sociais das políticas económicas. Bem se conhece essa tentação e intenção, nomeadamente quando, a propósito de produtividade e competitividade, monetarizada a questão, os salários apenas são tratados como custos (para o capital!) e nunca como rendimentos, que são!, para os trabalhadores. Assim se evita responsabilizar os baixos salários pela dispersão de rendimentos que coloca Portugal na cauda da situação social dos países ditos nossos parceiros, com níveis de pobreza extensos e extremos.

Para terminar não…
… porque ainda quero dizer que os economistas marxistas, apesar das dificuldades instrumentais, não podem desistir da luta, que é de classes… como não se pode desistir do bom cozido à portuguesa, com ingredientes portugueses, bem regado por um tinto ou um palhete cá dos nossos, sem prejuízo da nossa inalienável característica de internacionalistas... mas independentes e soberanos.

Viva a Conferência Nacional!
Viva o Partido Comunista Português!


24.11.2007



8 comentários:

Maria disse...

Excelente texto, clarinho como a água.
Acompanhei a conferência, ao "vivo" e a cores, através da net.... (alguns minutos, aqui e além, claro...)
O que chateia é que a comunicação social não deu à Conferênca Económica o relevo que esta merecia. Eles lá sabem porquê (e nós também).

almada disse...

Bom texto, vou guardar para ler com mais atenção

miguel disse...

reforço o abraço.
obrigado pela versão escrita da excelente intervenção, cujo contributo foi apressado pelo camarada que empenhadamente geria os tempos.

não esqueci a visita. sabes que as tarefas não nos levam sempre onde gostaríamos de ir. mas acabamos por gostar de estar onde nos levam.

Magnolia disse...

Eu também lá estive! E estivemos muitos! É isso que a corja não aguenta: o sermos cada dia mais e mais fortes! Como disse a Odete, "nós somos os imprescindíveis", e vamos continuar a lutar... sempre, toda a nossa vida, e a deliciar-nos vendo como se danam com a nossa persistência.

João Filipe Rodrigues disse...

Camarada,
Tive a oportunidade de ouvir a tua intervenção através da transmissão em directo.
Mais uma vez o Partido pioneiro na tecnologia!
Abraço

Anónimo disse...

Não consigo ainda acreditar no que li: um partido comunista, com "economistas marxistas", discutindo produtividade e competitividade... do ponto de vista do capital! Impressionante. Aqui no Brasil, onde, digamos, o buraco é mais embaixo, essa intervenção seria ridícula. Eis o abandono do comunismo, em nome de um capitalismo mais justo: como chegar à justiça se não se extingue a mais-valia? De que adianta a prod./compet. se a extorsão, o roubo continua? Se vc tiver respostas para isso, por favor, meu email é ventocontra@yahoo.com.br.

GR disse...

Foi uma excelente intervenção.
Fez-se silêncio quando começaste a falar!
Eu fiz figura de ursa!!!
Quando escrevi para o site da Conferência a “reclamar” a tua intervenção!
Ainda não está porque, não foi entregue!!!
Faz falta!

GR

Jorge disse...

Interessante intervenção, bastante socrática (nada de confusões!) na pedagogia e fazendo recurso a conceitos que convém reavivar, para que, ao menos na nossa casa, a "cozinha" seja como deve ser!