sexta-feira, junho 06, 2008

Materialismo Histórico - 2 (leis)

As leis, no sentido de ligação e dependência profunda, estável, regular, entre os fenómenos ou diferentes aspectos de um mesmo fenómeno, são o reflexo de processos objectivos que decorrem na natureza e são a própria essência[1] da evolução social. O carácter objectivo das leis reside em existirem, sejam ou não conhecidas pelo ser humano.
A “conquista", pelos fundadores do marxismo, do materialismo dialéctico, representa um salto qualitativo no estudo da essência da natureza, e particularmente da sociedade. No entanto, apesar da identidade do desenvolvimento dialéctico, há que distinguir as leis da natureza das leis da sociedade. Enquanto se pode chegar às leis da natureza pela observação seguida da abstracção, as da sociedade verificam-se em condições que mudam permanente sendo, por isso, tendenciais, e podem ser travadas ou aceleradas, perturbadas ou alteradas, por efeito de tendências contrárias. Toda a dinâmica social é o resultado da actividade do ser humano, o “produto” mais complexo e mais diferenciado da natureza e da sociedade.
O que comummente se chama “leis”, normas reguladoras da vida em sociedade, são promulgadas pelo Estado e não são independentes da vontade dos homens. São o resultado da relação de forças entre as classe que toma forma institucional, não sendo os Estados socialmente neutros. Essas “leis” exigem comportamentos e sancionam[2], as leis objectivas existem.
O MD, em que assenta o materialismo histórico, ao reconhecer o carácter objectivo das leis distingue-se claramente dos “sistemas idealistas”, que partem da tese de que as leis são apenas cenários imaginados por “sábios” para facilitar a compreensão da natureza e regular o viver em sociedade.

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[1] - Marx teria escrito, ou assim se traduziu e eu fixei, que se a aparência fosse igual à essência seria dispensável a ciência
[2] - Desde e enquanto houver classes, o Manifesto escreve que “o vosso direito é apenas a vontade da vossa classe elevada a lei” (vontade determinada pelas condições materiais e pelo estádio da relação de forças sociais)

14 comentários:

Anónimo disse...

Mais um excelente texto Camarada.

«O carácter objectivo das leis reside em existirem, sejam ou não conhecidas pelo ser humano.»

Ora nem mais. Isso faz-me lembrar duas coisas. 1) as estruturas sociais, económicas, políticas e culturais/ideológicas apresentam-se como opacas aos olhos dos indivíduos. Contudo, são elas que configuram o modo de viver humano. Ao mesmo tempo, elas também são passíveis de serem transformadas pela acção da mão humana. Por outras palavras, em resultado da luta de classes, no caso do capitalismo, como efeito da luta da classe trabalhadora e seus aliados. 2) as leis são objectivas e, pelo menos fora de contextos revolucionários onde as estruturas do modo de produção dominante entram em convulsão/crise, impõem-se aos indivíduos. Importa não esquecer que elas são tendenciais na sua maioria. Quer dizer, não são leis mecânicas e que actuam linearmente sobre os indivíduos. é isso que faz das leis sociais serem diferentes das leis naturais. Estas impõem-se no meio natural como inelutáveis e, para usar uma metáfora, quase como que um programa de software pré-definido. As leis sociais são tendenciais, historicamente determinadas e, portanto, passíveis de não se expressarem num estado puro no real concreto e, por outro lado, passíveis de serem superadas. Felizmente que para a humanidade as leis do capitalismo não são naturais e "puras". Se assim fosse nunca teria havido (como continuará a haver) contestação popular e de massas. Às leis objectivas do modo de produção capitalista, opomos a luta da classe trabalhadora.

Um abraço

Anónimo disse...

Estou a ficar com as ideias mais claras e definidas.
Agora quero mais, porque que me ajudam a pensar melhor.

Campaniça

samuel disse...

Sérgio

Estamos no bom caminho... telemóveis desligados e o professor a fazer-se entender :)

João Aguiar

Bom comentário!
"Felizmente que para a humanidade as leis do capitalismo não são naturais e "puras".

Diria mesmo que as tais "leis do capitalismo" o mais das vezes não são sequer leis, mas sim vulgares actos de agressão dos momentaneamente mais fortes sobre os mais fracos e sempre obedecendo ao "ideal" mesquinho do lucro a qualquer preço. Daí eu ter tendência para ver o "sacrossanto mercado", mais como um cenário de guerra.

Anónimo disse...

Um dos grandes males, de que enferma humanidade, é não saber distinguir a aparência da essência, desconhecendo a lei e a sua objectividade.
Surrepticiamente a classe capitalista apoderou-se dos meios essênciais e objectivos, accionando-os em seu benefício, utilizando os trabalhadores como meras peças de uma máquina produtiva cujas mais valias, revertem a favor do grande capital.
O markting é hoje uma grande arma do capitalismo.
(já me estou a esticar)ó Setôr tenha calma comigo, eu sou novo, eu ainda aprendo!
Abraço

Maria disse...

Com estas "revisões" que ando aqui a fazer ainda vais conseguir que eu leve para a ilha um destes preciosos livrinhos, para não perder a "embalagem"...

Sérgio Ribeiro disse...

5 comentários (e permito-me sublinhar o "peso" de um deles) já valeu a pena. É pouquito mas, atendendo ao tempo de exposição do "post", foi resposta rápida. Estimulante...
Fico à espera de mais, e já estou a congeminar o próximo tema nesta reflexão sobre o materialismo histórico. Será um de uma grelha de três - necessidades, recursos, trabalho -, cuja ordem se pode arbitrar... - nesta "atrevida" abordagem, claro. Apitem, que este mês de Junho vai ser de excessivas e mal empregadas apitadelas. Compensemos com as nossos.
O que não quer dizer que não vá acompanhar, com equilíbrio e sem histeria nem sobranceria, um campeonato de futebol... como tal e que nada mais deveria ser.
Até já|

Anónimo disse...

Quem legisla é a classe que está no poder e legisla segundo as suas conveniências.

Guilherme da Fonseca-Statter disse...

Continua o interesse... E parabéns pela clareza sucinta.
Só duas pequenas achegas.
Na realidade muitos cientistas e/ou científicos acabam por utilizar nas suas investigações (em vários ramos do conhecimento) um método ou abordagem que releva (ou se inscreve) na "filosofia" (abordagem ou metodologia) do M.D. (e, no caso das ciências ditas sociais, o M.H.)
Estou a pensar, por exemplo e mais concretamente, na chamada "abordagem sistémica". São vários (não sei quantificar) os cientistas sociais que afirmam aplicar (a aplicam mesmo) a "abordagem sistémica" e que não só não se reclamam do marxismo como, se se lhes dissesse que nos seus trabalhos faziam uma abordagem segundo as "regras" ou "leis" do M.D., eram capazes de começar por ficar admirados.
Em segundo lugar, se olharmos o sistema capitalista como sendo regido por um determinado conjunto de "leis" (a busca do lucro, a "coerção" para a acumulação, a contradição na distribuição...) haverá pelo menos uma lei que assume um caracter tão objectivo como as "leis" da geometria euclidiana. Estou a pensar na queda tendencial da taxa de lucro.
Fico por aqui. Mais uma vez, parabens e força!

Justine disse...

O stôr, 'pere lá! É que eu hoje estive indisposta,não estive com atenção, posso pôr dúvidas amanhã? Ou tenho falta?

Sérgio Ribeiro disse...

Para o "guilherme" um agradecimento pela excelente ajuda, clara e concisa, apesar de ter entrado por terrenos mais exigentes que aqueles por onde intento ir, sem qualquer concessão quanto a respeito pelo rigor.
Para a "justine", venho dizer-lhe que estou solidário(íssimo) com as suas "indisposições". Fico com uma metade da falta e desculpo a outra.

Justine disse...

Indisposição passada, lida com atenção a palestra de ontem, não restam dúvidas que o stôr é claro e portanto não tenho dúvidas...
mas vou fazer alguns trabalhos de casa, para "aprofundar"!

miguel disse...

obrigado pelo trabalho de síntese e contributo que aqui vais deixando.

não é de pequena importância hoje fazer-se isto. Aprofundar o estudo e a análise do MD como instrumento fundamental para a compreensão do mundo e das relações que o homem vai estabelecendo com a natureza e com a sociedade.

Exactemente por ter perfeita noção da importância do MD, é que o sistema capitalista, na sua ofensiva ideológica, vai promovendo o pensamento idealista, difuso, moral e abstracto.

A subjectividade, o idealismo e o preconceito são hoje os pilares de um populismo politólogo, veiculado pelos estados do capital e seus fiéis lacaios analistas, colunistas e outros que tais.

forte abraço,
camarada

Sérgio Ribeiro disse...

Porque é exactamente o que penso, a tanto me atrevo. E assim faço por todo o lado por onde ando, procurando, humildemente, "fazer pedagogia política", batalhar como posso na frente ideológica (para dentro - talvez mais! - e para fora).
Com o "ónus" de - aqui - haver exposição e registo (de inevitáveis imprecisões, incorrectos resumos, erros). Por isso, cada comentário vosso é um contributo... e uma auto-avaliação.
Grandes abraços

GR disse...

Contudo, verificamos que ao longo dos tempos o desenvolvimento capitalista, não se modernizou. Ou seja, as leis por eles usadas, são sempre repressivas, não conferindo ao trabalhador melhores recursos económicos e sociais, para melhor desenvolvimento/lucro das próprias empresas, chegando ao ponto de quase podermos dizer que as actuais leis são do princípio do século XIX, a refiro-me às 70 horas de trabalho como querem impor, trabalho sem direitos como (já) existiu, falta de condições sociais, económicas e culturais, a idade da reformas, etc.
O conflito existente entre o sistema capitalista e a classe trabalhadora, penso que existirá sempre, porém, está na mão da classe trabalhadora defender melhor os direitos adquiridos, o que nem sempre acontece.

Penso que não me fiz entender.

GR