sexta-feira, março 11, 2011

O indispensável e periódico bom censo

Se, com tempo vivido, a nossa medida do tempo passou dos anos para as décadas, poderia dizer-se que deveríamos ter passado a dar maior importância aos chamados censos da população. Seria uma questão de bom senso.
Embora já tivesse participado antes, ainda que agente passivo, transformado em “mais um”, em recenseamentos gerais da população, aquele a que dei particular atenção, e em que diz ser activo, por observador crítico e interveniente, foi no de 1970, o XI português. Por várias razões mas, à distância, uma se sobreleva, o facto histórico de ter a contagem, o inventário, o balanço, dos portugueses que éramos e como e onde estávamos no final de uma década em que a guerra colonial e a emigração nos tinham de profundamente mudado. A ele dediquei um livrinho. Fica só a referência. E a ilustração!
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Depois, ao longo da vida de trabalho, ou dos trabalhos da vida, confrontei, como elementos muito importantes, outros recenseamentos de outros Estados, em começo de independência política, como nomeadamente os da Guiné-Bissau e de Cabo Verde.
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Estamos a viver, este mês, outro momento de censo. E que de bom senso deveria ser.
Já vieram a casa entregar-me os questionários, dar umas explicações, já olhei os papeis deixados e o envelope fechado com um código, já apreciei a qualidade gráfica, o cuidado da apresentação, as referências muito "modernaças" à internet, às "linhas de apoio", já troquei impressões (muito simpáticas) com a agente recenseadora, e soube de algumas dificuldades que começara a enfrentar... não comigo, não comigo. Por mim, já estou preparado para ser recenseado.
E este é um acto muito importante na nossa vida social. É o momento de balanço, de passarmos das estimativas para o tanto quanto possível exaustivo conhecimento de nós próprios como comunidade. É muito sério. Ora, sendo-o, também serve para se medir a seriedade de quem por ele é responsável. Pelo que a preocupação é muita e fundamentada.
A talhe de foice, Anabela Fino, no avante! de 6 de Janeiro (ler aqui), pôs o dedo na ferida do recrutamento, tratamento e preparação dos recenseadores, elementos fulcrais para a qualidade do recenseamento, e do, comprovando o menosprezo pelo trabalho e pelos trabalhadores que, em todas as circunstâncias, nos agride; agora, no avante! de ontem em outro a talhe de foice, Anabela Fino reincide com justíssimas observações sobre a ideologia que atravessa esta operação estatística que é muito mais que isso. E em que é preciso que cada um participe com a consciência do acto em que está a participar, e da relevância da participação de cada um como membro de uma comunidade. Que está dividida em classes, como os questionários revelam, tomando partido. Veja-se o conceito de trabalhador por conta de outrém. Transcrevo, tal como Anabela Fino, o que se relevou da “explicação” da questão 32:
«“Se trabalha a "recibos verdes” mas tem um local de trabalho fixo dentro de uma empresa, subordinação hierárquica efectiva e um horário de trabalho definido deve assinalar a opção “Trabalhador por conta de outrem”».
É a consagração, no momento histórico do censo, da precariedade, da mercadorização da força de trabalho.
Claro que ao censo terei de voltar. E cada um de nós o deve fazer.

2 comentários:

Ricardo O. disse...

Sérgio,
Em minha opinião o problema não está na classificação do falso trabalho a recibo verdes como trabalho por conta de outrém, que de facto é. Não é trabalho por conta própria ou independente.
O problema está no facto de não haver uma classificação de precária ou não (legal ou ilegal) da relação de trabalho. Por exemplo, Trabalha por conta de outrém ou conta própria? Ocupa um posto de trabalho permanente? Que tipo de contrato tem? Sem temro, com termo ou um outro tipo de contratação, entre as quais a recibo verde?
De facto a estatística assume, smepre, uma opção de classe. mas no caso, parece-me que será do interesse da classe operária que a ilegalidade da relação laboral ou as características da exploração da força de trabalho seja revelada, também pela estatística.

Anónimo disse...

Apesar do meu bom senso (!!!) ainda não sei que pensar deste censo.

Campaniça