quarta-feira, fevereiro 01, 2012

A mentira e a verdade na Revolução de Abril - 2

(continuação de publicação de excertos de uma entrevista com o prof. Franisco Pereira de Moura, no DL de Abril de 1977, cuja enorme qualidade didática e rigor histórico pode ajudar a contrariar algumas ideias construidas, com perversidade ideológica, sobre a Revolução de Abril)

«(,,,)
DL – Posto isto, podemos passar às razões da crise…
FPM – Sim, mas com uma ideia que resulta do exame rápido que procurei fazer acerca do modo como é vista a crise: nem todos a podemos ver da mesma maneira; as informações não são iguais para toda a gente, e a apresentação dos factos também não é neutra, antes muito dependente de ideias feitas e de interesses pessoais ou de “classe”. Insisto neste ponto porque agora, tal como no tempo fascista, desenvolvem-se grandes esforços para convencer a opinião pública de que as coisas têm de ser vistas e resolvidas em termos de país – como se todos os interesses e projectos pudessem iguais, como se Portugal fosse a mesma coisa para um trabalhador alentejano e um rural ou um operário do Norte, e para um empresário capitalista que só pensa no modo de ter mais lucro e aumentar o seu poderio e o dos seus comparsas. (…)
(…) sendo verdadeiras, essas explicações são parciais e incompletas, cada uma delas deixando na sombra questões fundamentais, e tendo o resultado de criar a impressão generalizada de que nestes problemas é legítimo cada um dizer o que melhor lhe parece ou que é mais conveniente à defesa dos seus interesses; ora não é assim.
O 25 de Abril encontrou a economia portuguesa numa posição débil, ainda que não estivessem a manifestar-se todos os sintomas dessa fraqueza. Durante os anos de expansão, desde meio da década de cinquenta, crescera a produção industrial mas aumentara muito a ligação e dependência do estrangeiro – para colocar exportações e receber turistas, para comprar matérias-primas, equipamentos, bens de consumo e energia (ramas de petróleo). Ainda se acentuara mais a dependência externa através de alguns empréstimos contraídos pelo Estado mas, sobretudo, pela entrada de empresas estrangeiras (designadamente muitinacionais) e pelo avolumar das remessas dos emigrantes – assim se conseguindo saldos positivos na balança de pagamentos e acumulação de reservas externas, mas com base numa estrutura de relações internacionais altamente precária e instável. O desemprego não se via porque milhão e meio de portugueses saíra desde 1960, em busca de pão e trabalho na França ou Alemanha. De modo que o único sintoma de algum mal na economia era a alta de preços, a acelerar-se desde o fim dos anos sessenta e atingindo ritmos já muito elevados (…). Para alguns, entre eles certamente os responsáveis dos governos de então, conhecia-se muito mais que essa pequena ponta do terrível iceberg que se via acima das águas; mas estavam ilaqueados, incapazes de alterar o rumo das coisas, pois as tentativas de liberalização (…) esboroaram-se diante das contradições levantadas pela guerra colonial e pelo carácter repressivo e não democrático do regime internamente.»

(continua)

3 comentários:

Antuã disse...

O corporativismo nazi-fascista é que nos queria colocar exploradores e explorados no mesmo barco. E qual foi a participação das enciclicas "Rerum Novarum" e "quadragesino Anno" na teorização deste corporativismo?!...

Sérgio Ribeiro disse...

Enorme! E por isso, valorizo muito a ironia (em que Pereira de Moura era exímio) daquela frase "mercado... cristão" (no anterior "post"). O que vindo dele, católico que fez um caminho, me parece muito significativo.

Um abraço

Antuã disse...

Cá estou de novo. Para a relativa falta de emprego nos últimos tempos do fascismo português tqambém contribuiram as dezenas de milhares de jóvens que estavam permanentemente ocupados com a guerra colonial.