páginas de um quase-diário:
(...)
Entre as tarefas militantes, de militante assumido,
com cartão e quotas em dia, há uma que considero indispensável, embora muito…
dispensada.
&-----&-----&
Há que comprar o avante!,
há que o vender avulso ou em vendas-campanhas… mas há que o ler, sozinho ou/e
em colectivo!
(...)
Desta vez (como de muitas outras que vão ficando nos
tinteiros… e não os da impressora), por culpa do Manelito de Brigada.
- Edição Nº2353 - 3-1-2019
Concerto
de Ano Novo
No dia 1 de Janeiro de 2019, onde quer que
haja uma orquestra disponível, haverá Concerto de Ano Novo. No mundo lá fora e
no mais chegado Portugal. Aqueles que não disponham de orquestra ao pé de casa
terão sempre a hipótese de, à distância, ter uma ideia da celebração que todos
os anos acontece na casa da Filarmónica de Viena, através da transmissão
televisiva para todo o mundo.
O primeiro Concerto de Ano Novo da
História subiu ao palco da Musikvereinssaal em 1939. Um ano antes –
lê-se na página electrónica da Filarmónica de Viena – «os Nacional-Socialistas
demitiram todos os artistas judeus da Ópera Estatal de Viena e dissolveram a
Associação da Filarmónica de Viena. Só a intervenção de Wilhelm Furtwängler e
de outros responsáveis viria a conseguir a anulação da ordem de dissolução e, com
duas excepções, salvar da expulsão os “meio-judeus” e “intimamente
relacionados”. Cinco membros da orquestra morreram em campos de concentração
nazis, outros dois morreram em Viena em resultado directo da tentativa de
deportação e perseguição. Nove músicos foram expulsos, partindo para o exílio,
onze membros da orquestra, casados com mulheres judias ou estigmatizados como
“meio judeus”, permaneceram, sob a constante ameaça de revogação da
“autorização especial”. Em 1942, sessenta dos 123 músicos da Orquestra eram
membros do partido nazi.»
É, portanto, numa Áustria em desagregação,
numa Europa à beira da guerra, que o primeiro Concerto de Ano Novo acontece.
Mesmo assim, a Música que ali foi soando, de 1939 a 1945, nunca deixou de ser
um assomo de Civilização na escuridão da barbárie, um elemento de Humanidade de
que o nazismo se quis apropriar, mas não conseguiu. A música dos Strauss que
soou naqueles anos macabros sobreviveria à apropriação nazi, por ser produto da
Humanidade, não a sua negação.
Por isso permanece nos nossos dias em cada
Concerto de Ano Novo que, na sala vienense e nas do mundo inteiro, é testemunho
de inteligência, de partilha e de celebração da vida que desponta
simbolicamente neste hemisfério a caminho da Primavera.
À batuta inicial de Clemens Krauss viriam
a suceder-se muitas mais: Herbert von Karajan, Claudio Abbado, Carlos Kleiber,
Zubin Mehta, Ricardo Muti, Nikolaus Harnoncourt, Seiji Ozawa, Mariss Jansons,
Georges Prêtre, Daniel Barenboim, Franz Welser-Möst, Gustavo Dudamel e, neste 2019,
Christian Thielemann – gente de muitas origens e credos, como que recusando a
memória segregacionista inicial.
Mas as feridas grandes tardam a sarar.
Queixam-se os responsáveis da orquestra vienense de que, ainda hoje, as
denúncias públicas do passado nazi da Filarmónica insistem em preceder o
Concerto de Ano Novo. Injusto lamento. Recordar as vítimas que a Wiener Philharmoniker ajudou a gerar é, certamente, a melhor
forma de garantir que o Concerto de Ano Novo nunca deixe de ser um instrumento
de Paz.
Manuel Pires da Rocha
&-----&-----&
Não digo, de maneira nenhuma, que cada um de nós deva
ler todo o avante!, as 32 páginas,
mas sim que o folheie cada semana, e se detenha naquelas que mais lhe digam e
onde encontre o que quer ouvir e saber, e de que é contaminado – dia-a-dia,
hora-a-hora – pelos olhos e ouvidos.
1º de Janeiro de 2019, Viena - O Danúbio Azul, Strauss
Sem comentários:
Enviar um comentário