sexta-feira, janeiro 25, 2019

Venezuela - uma crónica dorida e lúcida


sobre... o horror económico, diria Rimbaud

Expresso curto de hoje:


       
Valdemar Cruz
Jornalista

Às armas, cidadãos!

25 de Janeiro de 2019




Um sopro de morte percorre as ruas de Caracas, na Venezuela. Há quem, como na revista Foreign Affairs, fale do suicídio de um país falido. O espetro da tragédia percorre os recantos de uma nação diabolizada. Ontem, na edição da tarde da SIC Notícias, a um investigador em Ciências Sociais da Universidade de Lisboa não lhe tremeu a voz quando vaticinou a existência de apenas duas possibilidades para a Venezuela: a guerra civil, ou massacres. Isto é, a morte, ou a morte.

Desgraçado país este para o qual tantos parecem apostar num futuro imediato feito de guerra entre homens e mulheres que, seja qual for o lado em que se posicionem, só quererão um quotidiano de paz e tranquilidade.

Não há narrativas fáceis para o que se passa há vários anos naquele país sul-americano, por muito que haja a tentação de tudo acantonar na habitual e simplista dicotomia bons e maus. Não há inocentes, na Venezuela. Não há, sequer, uma oposição. Há um conglomerado de oposições, quase sempre muito divididas como reflexo dos muitos e contraditórios interesses representados. E há um setor de extrema-direita, cada vez mais radicalizado, a assumir o palco, empurrado e alimentado por atores externos, cuja intervenção desejam.

A Venezuela vive uma situação política, social e económica desastrosa, seja quais forem as razões que cada um entenda privilegiar para justificar o caos instalado, com exponencial aumento da pobreza, colapso dos serviços públicos, hiperinflação e crescente violência nas ruas.

As chefias miliares declararam estar ao lado do Presidente da República, Nicolas Maduro, e deixaram clara a existência de “um golpe de Estado”. A situação é de uma gravidade extrema. No El País escreve-se que “a crise na Venezuela expõe a divisão internacional”, com os EUA a liderarem o apoio ao autoproclamado presidente, enquanto “China, Rússia e Turquia apoiam Maduro e a EU e a ONU apelam ao diálogo”.

Ontem à noite, enquanto na generalidade da imprensa portuguesa e internacional os grandes títulos continuavam focados nas múltiplas incidências do conflito, outros jornais, como o La Jornada, do México, ou “El Público”, de Espanha, avançavam com informações importantes para quem não está interessado em banhos de sangue. Maduro terá aceitado uma proposta dos governos do México e Uruguai para que sejam mediadores da abertura de uma nova linha de diálogo de modo a encontrar uma solução para a crise do país, tal como defendem a ONU e a UE.

Há muito em jogo no país que se estima possuir as maiores reservas de petróleo do mundo. Num artigo datado de Washington e intitulado “O martelo de Trump sobre Caracas”, escreve-se no El País que a política do presidente dos EUA na Venezuela, secundada, de resto, pelo chamado “Grupo de Lima” “tem consistido numa pressão em crescendo face à deriva autoritária de Maduro, deixando inclusive passar a ideia de uma intervenção militar”.

Quando ressalta a evidência de uma “ingerência externa em questões internas da Venezuela”, com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, a apelar na prática a um golpe de Estado, e Mike Pompeo a dar instruções aos diplomatas norte-americanos para ignorarem as ordens de Maduro para abandonarem o país, teme-se o pior para um país onde residem 300 mil portugueses ou luso-descendentes.

Há o risco de vingar a tese muito defendida por vários setores extremistas de que não há diálogo possível. A ideia dos cidadãos em armas parece entusiasmar muita gente. Mas a ideia de cidadãos em armas ou do exército na rua a disparar indiscriminadamente será, não apenas uma tragédia, como a materialização do horror. E o horror é tudo o que sobre quando falta inteligência contra a intolerância.


4 comentários:

Anónimo disse...

... quando a indiferença é a máscara com que se esconde o horror, e acolhe e aceita a hipócrita e criminosa informação manipuladora!

João Baranda disse...

Mas insisto ... como foi possível chegar a este ponto? A aversão e o bloqueio americano ao regime explicarão tudo? A acreditar no que vemos e ouvimos - podemos acreditar? - há uma miséria atroz na Venezuela ...
Portanto o ponto de ordem é saber se a informação que chega até nós é fidedigna.
Uma coisa sabemos ... são os luso-venuzuelanos que chegam em catadupa à Madeira.
Portanto se calhar podemos dar como certo que as coisas não correm bem naquele país.
Custa-me a crer que um só país (EUA), por muito poderoso que seja, possa ser a causa de todos os males.
Há que fazer um pouco de, como diria, "autocrítica",e ver o que correu menos bem.
Abraço
João Baranda
Nota: bem sei que antes do Chavez havia uma maioria silenciosa de venezuelanos pobres que viviam na pobreza mais profunda e que se resignavam à sua pouca fortuna. Chavez veio trazer esperança a esses ... e também é verdade que essas misérias nessa altura não eram notícia.
Nota 2: por outro lado acabo de ler o artigo no site AbrilAbril:
https://www.abrilabril.pt/internacional/venezuela-que-eu-vi-ii
... e fico com uma sensação de "deja vu":
"
Era importante que os barcos que não fossem pescar não estivessem na boca do rio, e assim foi decidido. Era importante que todos dessem uma quota do pescado para que as crianças nas escolas pudessem comer peixe, e assim foi decidido. Era importante acabar com os especuladores e intermediários que faziam negócios à custa de quem trabalha, e assim foi decidido. Parecia uma democracia caótica mas mais democrática do que qualquer um dos nossos regimes ordenados.
"
Fez-me lembrar o PREC ...
Abraço
João Baranda

João Baranda disse...

Deixo outro comentário.
https://www.abrilabril.pt/internacional/venezuela-que-eu-vi
"
Apesar de o governo tentar controlar alguns preços, os empresários e comerciantes, entre os quais muitos portugueses, tratam de açambarcar os produtos e inflacionar os preços.
"
Sempre se soube que, quer na África do Sul, quer na Venezuela, a principal atividade dos portugueses era o pequeno comércio ...

É outra maneira de ver as coisas ... é o outro lado das notícias.

cid simoes disse...

Não podemos olhar para a Venezuela e os EUA sem pensar no Chile, Vietname,Líbia e os milhões de vítimas causadas pelos gangsters de Chicago em todos os continentes, e já agora não esquecer Carluci e o seu amigo MS.