Um sopro de morte
percorre as ruas de Caracas, na Venezuela. Há quem, como na
revista Foreign Affairs, fale do suicídio de um país falido. O espetro
da tragédia percorre os recantos de uma nação diabolizada. Ontem, na edição da
tarde da SIC Notícias, a um investigador em Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa não
lhe tremeu a voz quando vaticinou a existência de apenas
duas possibilidades para a Venezuela: a guerra civil, ou massacres. Isto é, a
morte, ou a morte.
Desgraçado país este
para o qual tantos parecem apostar num futuro imediato feito de guerra
entre homens e mulheres que, seja qual for o lado em que se posicionem, só
quererão um quotidiano de paz e tranquilidade.
Não há narrativas
fáceis para o que se passa há vários anos naquele país
sul-americano, por muito que haja a tentação de tudo acantonar na habitual
e simplista dicotomia bons e maus. Não
há inocentes, na Venezuela. Não há, sequer, uma oposição.
Há um conglomerado de oposições, quase sempre muito divididas como reflexo
dos muitos e contraditórios interesses representados. E há um setor de
extrema-direita, cada
vez mais radicalizado, a assumir o palco, empurrado e
alimentado por atores externos, cuja intervenção desejam.
A Venezuela vive uma situação política, social e económica desastrosa,
seja quais forem as razões que cada um entenda privilegiar para justificar
o caos instalado, com exponencial
aumento da pobreza, colapso dos serviços públicos,
hiperinflação e crescente violência nas ruas.
As chefias miliares
declararam estar ao lado do Presidente da República,
Nicolas Maduro, e deixaram clara a existência de “um golpe de Estado”. A situação é de uma
gravidade extrema. No El País escreve-se que “a crise na Venezuela expõe a divisão internacional”,
com os EUA a liderarem
o apoio ao autoproclamado presidente, enquanto “China,
Rússia e Turquia apoiam Maduro e a EU e a ONU apelam ao diálogo”.
Ontem à noite, enquanto
na generalidade da imprensa portuguesa e internacional os
grandes títulos continuavam focados nas múltiplas incidências do conflito,
outros jornais, como o La Jornada, do México, ou “El Público”, de Espanha, avançavam com informações importantes para
quem não está interessado em banhos de sangue. Maduro terá aceitado uma proposta dos
governos do México e Uruguai para que sejam mediadores da abertura de uma nova linha de diálogo de
modo a encontrar uma solução para a crise do país, tal como defendem a ONU
e a UE.
Há muito em jogo no
país que se estima possuir as maiores reservas de petróleo do mundo.
Num artigo datado de Washington e intitulado “O martelo de Trump sobre Caracas”,
escreve-se no El País que a política do presidente dos EUA na Venezuela,
secundada, de resto, pelo chamado “Grupo de Lima” “tem consistido numa pressão em crescendo face à
deriva autoritária de Maduro, deixando inclusive passar a
ideia de uma intervenção militar”.
Quando ressalta a
evidência de uma “ingerência externa em questões internas da Venezuela”,
com o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, a apelar na prática a um golpe de Estado, e
Mike Pompeo a dar instruções aos diplomatas norte-americanos para ignorarem as ordens de Maduro para
abandonarem o país,
teme-se o pior para um país onde residem 300 mil portugueses ou
luso-descendentes.
Há o risco de vingar a tese
muito defendida por vários setores extremistas de que não
há diálogo possível. A ideia dos cidadãos em armas parece entusiasmar muita
gente. Mas a ideia de cidadãos em armas ou do exército na rua a disparar
indiscriminadamente será, não
apenas uma tragédia, como a materialização do horror. E o
horror é tudo o que sobre quando falta inteligência contra a intolerância.
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4 comentários:
... quando a indiferença é a máscara com que se esconde o horror, e acolhe e aceita a hipócrita e criminosa informação manipuladora!
Mas insisto ... como foi possível chegar a este ponto? A aversão e o bloqueio americano ao regime explicarão tudo? A acreditar no que vemos e ouvimos - podemos acreditar? - há uma miséria atroz na Venezuela ...
Portanto o ponto de ordem é saber se a informação que chega até nós é fidedigna.
Uma coisa sabemos ... são os luso-venuzuelanos que chegam em catadupa à Madeira.
Portanto se calhar podemos dar como certo que as coisas não correm bem naquele país.
Custa-me a crer que um só país (EUA), por muito poderoso que seja, possa ser a causa de todos os males.
Há que fazer um pouco de, como diria, "autocrítica",e ver o que correu menos bem.
Abraço
João Baranda
Nota: bem sei que antes do Chavez havia uma maioria silenciosa de venezuelanos pobres que viviam na pobreza mais profunda e que se resignavam à sua pouca fortuna. Chavez veio trazer esperança a esses ... e também é verdade que essas misérias nessa altura não eram notícia.
Nota 2: por outro lado acabo de ler o artigo no site AbrilAbril:
https://www.abrilabril.pt/internacional/venezuela-que-eu-vi-ii
... e fico com uma sensação de "deja vu":
"
Era importante que os barcos que não fossem pescar não estivessem na boca do rio, e assim foi decidido. Era importante que todos dessem uma quota do pescado para que as crianças nas escolas pudessem comer peixe, e assim foi decidido. Era importante acabar com os especuladores e intermediários que faziam negócios à custa de quem trabalha, e assim foi decidido. Parecia uma democracia caótica mas mais democrática do que qualquer um dos nossos regimes ordenados.
"
Fez-me lembrar o PREC ...
Abraço
João Baranda
Deixo outro comentário.
https://www.abrilabril.pt/internacional/venezuela-que-eu-vi
"
Apesar de o governo tentar controlar alguns preços, os empresários e comerciantes, entre os quais muitos portugueses, tratam de açambarcar os produtos e inflacionar os preços.
"
Sempre se soube que, quer na África do Sul, quer na Venezuela, a principal atividade dos portugueses era o pequeno comércio ...
É outra maneira de ver as coisas ... é o outro lado das notícias.
Não podemos olhar para a Venezuela e os EUA sem pensar no Chile, Vietname,Líbia e os milhões de vítimas causadas pelos gangsters de Chicago em todos os continentes, e já agora não esquecer Carluci e o seu amigo MS.
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