terça-feira, fevereiro 25, 2020

Reflexões lentas - morte acompanhada, sempre!

Os direitos dos seres humanos e a morte antecipada

As propostas de legislação, o debate e a aprovação de 3 dos 5 projectos de legislação sobre eutanásia provocaram, quase surpreendentemente, o que de melhor temos tido em democracia, nesta democracia. Não isento, evidentemente, de manifestações pouco democráticas, de empolamentos manipuladores, de argumentação falsificadora, de aproveitamentos espúrios. Mas foi, no computo geral – e até agora – de reflexão serena, de debate respeitoso, de votação calma. Sem incidentes ou circunstâncias desagradáveis na Assembleia da República.
A posição mais controversa (e controvertida entre quem quer levar a sério questões sérias como esta) terá sido a do PCP. E sem dúvida que contribuiu para a seriedade com que foi encarada a questão, se não por todos os intervenientes por quase todos os intervenientes, a título individual ou em representação de colectivos ou de correntes de opinião.
Primeiro, o PCP fez alargada e clara fundamentação da posição que foi e seria tomada nas páginas do jornal partidário, abertas não só aos militantes (embora prioritariamente e como obrigação de leitura destes), mas a todos os que se quisessem informar sobre qual e porquê a decisão de não apresentar proposta própria, e do voto nas propostas apresentadas, analisadas com atenção e respeito.
Depois, no debate, merece(-me) destaque a intervenção em plenário do vice-presidente
António Filipe que considero, sem reserva ou rebuço, uma peça notável. Deixo-a aqui e juntaria, apenas, o destaque da preocupação com a banalização ou mercantilização comprovadas em casos adoptados com iguais (boas) intenções e contextos semelhantes.  

Nada acrescentaria ao que disse António Filipe, o que não significa que não tenha outras coisas (ou outra maneira) de as dizer sobre o tema. Mas, no entanto, antes de as passar a escrito, quero afirmar ausência de intenção de as ter como eventuais acrescentos a um texto e alocução que teve a medida certa e foi ajustada ao momento em que foi feita. E de que se recomenda a leitura ou visão-audição.
Apenas desejo – e com veemência – trazer para a consideração de tão vital tema mais uma pessoal e bem (em quantidade!, isto é, muito) reflectida posição sobre o assunto.
Tenho uma sedimentada concepção de vida e do ser humano, que resiste e se reforça com o passar de muitos anos e experiências de viver e pensar o vivido. Só isso vale, e só assim a quero exprimir.
Vivemos, incontroversamete, em sociedade, ajustamo-nos em convivência(s) temporais e espaciais. Há regras, como as da circulação automóvel (aqui pela direita, ali pela esquerda) que ilustram regras a terem de ser respostas a um necessidade de regular essa(s) convivência(s).
Há direitos que parecem incontroversos, assim como há normas e princípios transversais, independentemente do maior ou menor respeito que mereçam ao longo do tempo e ao largo do espaço universal.
O direito que melhor ilustra essa transversalidade será o direito à vida, embora não resulte ou nasça de uma unívoca e universal concepção de quando começa e de quando termina a vida do ser humano.
Mas esse direito à vida deve ser garantido pelas normas que regem a convivência, e será o primeiro dos direitos humanos. Depois, diria que todos os outros direitos são condicionados, não arbitrariamente mas pelas condições materiais das comunidades, pelas opções societais que se formam e predominam nos espaços-nações que se organizam como Estados ou conjuntos de Estados. Direitos societais como direito à saúde, como direito à educação, e outros, derivam desse direito à vida, mas dele não deriva um direito à morte, que é a inevitabilidade por se estar vivo. Quanto muito (e muito e inequívoco é) há a opção/direito individual de pôr termo à vida, que não se pode (não deve) transformar num direito societal cuja prática seria, sempre, administrativa para não ser um crime. O Estado define opções ao legalizar a antecipação da morte para acabar com sofrimento quando não se dota de instrumentos e meios possíveis (hoje e mais amanhã) para cuidados paliativos.
Poderia, ainda, argumentar-se que o suicídio, que resultaria dessa individual opção/direito de antecipar a morte, é punível, mas essa penalização ou é obviamente exclusiva de quem seja crente da existência de vida para além da morte ou é caricata.
Por outro lado e último – pelo menos para agora – bem diferente da eutanásia são a ortotanásia e a distanásia, sendo a primeira, em termos simples (que não quero simplistas), terminar a vida artificial mantida, com ou sem anterior consentimento do paciente, apenas por obsessão terapêutica, e a segunda o seu inverso: a manutenção da vida artificialmente por reconhecida e ineficaz obsessão terapêutica.
E há que ter sempre em atenção na legislação, ou na argumentação para a sua adopção a mudança dos tempos e das vontades. A que, neste nosso tempo, assistimos vertiginosamente

Estas não são mais do que reflexões a propósito de tema que as exigem de cada um de nós, reflexões pessoais sem qualquer resquício de ”arrogância intelectual” ou arroubo de ”superioridade moral”. Mas… coerentes. Certo que estou da inevitabilidade da morte, que encaro com lucidez e a possível dignidade, grato por ter vivido a vida que vivi até hoje. E, espero!, alguns amanhãs.

Gracias a la vida que me ha dado tanto!   

1 comentário:

Olinda disse...

Uma reflexão que enriquece e elucida a clara intenção de voto do PCP.Bjo