domingo, março 29, 2020

Lido e comentado

Lido (do Público):

A humanidade fecha-se em casa e a natureza agradece, porque se a pandemia entre os humanos está a ser uma tragédia, para ela está a ser uma bênção. Com as fábricas paradas ou a meio gás na Europa, nos Estados Unidos da América, na Índia, na China, para apenas referir alguns dos maiores poluidores mundiais, os gases com efeitos de estufa caíram e a qualidade do ar do planeta melhorou substancialmente. À força, o mundo aproximou-se dos padrões definidos no acordo de Paris para o clima e esta é, ou deveria ser, uma lição a ter em conta na altura em que sairmos desta crise sanitária global.
À agitação da globalização, levados pelo imperativo de produzir para consumir e consumir para produzir, sucedeu esta quietude de confinamento, e ficámos reduzidos a uma certa essencialidade de bens, já pouco importando o último modelo de automóvel ou a derradeira tendência da moda do prêt-à-porter. 
O espectáculo da posse a que fomos sujeitos de pouco vale quando a vida e a sua manutenção é o que agora mais importa.
É certo que há vozes prontas a colocar nos pratos da balança uma escolha entre a economia e a sobrevivência, dispostas até ao sacrifico de alguns sob um argumento digno de práticas eugenistas por “apenas se tratar das vidas das pessoas mais velhas”. Na revista alemã Der Spiegel, destaca-se em título que “sim, podemos colocar nos pratos da balança os danos económicos contra as vidas humanas”, e quando chegamos aqui, quando a vida de um idoso não vale o sacrifício da economia, o niilismo venceu. E às urtigas o juramento de Hipócrates, essa promessa solene dos médicos de consagrar a vida ao serviço da humanidade, às urtigas aquele mínimo que faz de nós uma civilização gerida por padrões humanistas. E quem assim pensa, nem sequer se dá conta que o vírus pode ter mutações e dizimar gerações, velhos e novos.

Surdos e cegos

Esses que pretendem colocar as máquinas em marcha em nome da economia são também os mesmos que estão surdos e cegos ao planeta, os mesmos que são indiferentes à cor do céu em Wuhan e Pequim (sem o seu habitual manto de poluição), os mesmos que teimam em não ver a importância da transparência das águas nos canais de Veneza
Há menos de um mês, quase todos nós estávamos hipnotizados no quotidiano consumista, minados pelo vírus do desperdício. Sem quase nos apercebermos, tínhamos a ideia de felicidade associada à posse, sendo que muitas das nossas necessidades eram/são criadas de forma artificial pela publicidade, boa parte delas ecologicamente não sustentável, e tudo isso para manter a concorrência entre empresas, obrigá-las a produzir cada vez mais, um produto dando sempre lugar a um novo produto, numa espiral sem fim, sempre no pressuposto do nosso consumo bulímico. 
Numa altura em que os governos procuram relançar a economia, debaixo do receio e das exigências dos mercados financeiros (insensíveis e amorais à vida), arriscamos a voltar ao mesmo e a rebentar de vez com o planeta. A agricultura industrial é um bom exemplo. Ela repousa sobre as energias fósseis, desde a maquinaria aos pesticidas, a maioria nocivos para o ambiente, nocivos para a saúde. E ao ritmo a que estávamos, grande parte dos insectos arrisca-se a desaparecer em menos de um século, o que é muitíssimo mais problemático do que as suas eventuais picadas. A sua taxa de extinção é mais acentuada do que a dos mamíferos, pássaros ou répteis. É uma catástrofe anunciada. Outra catástrofe. Basta pensar na polinização e na sobrevivência de inúmeros ecossistemas. Mas podíamos falar da moda, dos transportes, de quase tudo o que se foi tornando em hábito…
Nesta altura em que estamos numa emergência de saúde pública, com consequências devastadoras sobre os nossos quotidianos, o que se reerguer daqui não pode deixar de ter em conta o que não conseguimos fazer até aqui para salvaguardar o planeta e o clima da Terra. E se precisamos da ciência para nos tirar deste momento de aflição, precisamos da filosofia para hierarquizar prioridades. A nossa felicidade não pode ser indissociável da manutenção do equilíbrio da natureza, porque para o planeta nós é que estávamos a ser o vírus. 
Jornalista


Comentário (retirado do quase-diário que estava a ser escrito):

Neste momento, repito e sublinho: neste momento em que tanto se diz e tantos dizem tanto, o que menos importa é quem foi o primeiro a dizer… o que quer que seja.

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Também de uma outra maneira, e para fugir a desafios de descoberta de culpados expiatórios (e respectiva manipulação e diversão) menos importará quem foi o infectado zero, melhor se diria nº 1 do que travar a pandemia.

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Neste momento, além de haver mesmo que encarar a sério o que é sério, há que comparar como se enfrenta o grave problema que ataca a humanidade (e a natureza, de que o humano é parte), ser-se capaz, um-a-um e muitos como colectivo, de distinguir entre os objectivos societais.

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Só com a coragem – que alguns têm sempre, e muitos só quando é necessário – de denunciar e combater o interesse individual, egoísta, e de lutar pela prevalência do humano, do social, do solidário, estamos a construir o futuro.

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Para que haja futuro e Humanidade.

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A começar por não dizer fui o primeiro a dizer..., vens tarde porque já foi dito...

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… dito?... e feito?

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Houve alguém/alguns que foi/foram coerente/s com o dito e dessa coerência fez/fizeram o que feito foi? Quais?, Porquê?

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Do conhecimento de quais e porquê não há que o/os tornar ídolos individuais ou vértices metafísicos, não há que criar cultos de pessoais ou de grupo.

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Importa, sim, conhecer, divulgar o/s exemplo/s, seguir o/s mestre/s, falíveis, erráticos como qualquer ser humano.

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Mas há que lembrar que, se existe uma questão – e muito importante – na relação entre o ser humano e a natureza, o ser humano é também natureza, e há uma questão a montante: a da relação do ser humano com o ser humano, a relação social,

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Do tipo desta, da que predomina na/s formação/ões social/ais, histórica/s, resulta a relação da Humanidade como um todo com a natureza, de que o ser humano faz parte.

1 comentário:

Olinda disse...

Perante a crónica de P.Dentinho e a tua reflexão apetece-me dizer como José Marti:"O mundo deveria ser um grande abraço."Mas sabemos que não é.E sabemos também porquê.Beijo