domingo, junho 19, 2022

As lutas surdas de povos ignorados

  - Nº 2533 (2022/06/15)


Fracassou no Sudão diálogo com golpistas

Internacional

No Sudão, foram «suspensas por tempo indefinido» as negociações com vista a uma solução para a crise política no país.

O processo era dirigido por um mecanismo tripartido, formado pela Missão de Assistência para a Transição, das Nações Unidas, a União Africana e a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, uma associação de vários países da África Oriental. Nas últimas semanas, diplomatas dos Estados Unidos da América e da Arábia Saudita pressionaram, sem êxito, o avanço das conversações.

O falhanço do diálogo ficou a dever-se à firmeza dos democratas sudaneses que, apesar das ingerências, se recusaram a participar em conversações com a junta militar liderada pelo general Abdel Fattah al-Buran, responsável pelo golpe de Outubro de 2021 que interrompeu a transição. E responsável também pela repressão sangrenta das manifestações populares de rua que desde então têm abalado Cartum e outras cidades.

As Forças para a Liberdade e a Mudança, o Partido Comunista Sudanês, os Comités de Resistência, a Associação de Profissionais Sudaneses e outras correntes exigem o retorno dos militares aos quartéis, sem condições, e a formação de um governo democrático dirigido por civis. E consideram que a instalação de uma mesa de diálogo – em que participavam os generais, os seus partidários políticos e os aliados do antigo regime (de Omar al-Bashir, derrubado em 2019, após um levantamento popular) – pretendia legitimar os golpistas, o que é inaceitável.

As forças democráticas são claras e insistem nas suas posições. Um dirigente das Forças para a Liberdade e a Mudança, Omar al-Digair, assegura a sua disponibilidade para «tratar de forma positiva com o mecanismo tripartido para pôr fim ao golpe e às suas consequências e restabelecer o caminho da transição democrática com uma autoridade inclusiva que represente todas as forças da revolução». De igual modo, Siddiq Youssif, membro do Comité Central do Partido Comunista Sudanês, reafirmou ao diário Sudan Tribune que os comunistas não participarão em nenhuma conversação directa com o mecanismo tripartido «até à queda do actual regime golpista e à realização de justiça».

A par do boqueio do processo de transição do poder político dos militares golpistas para um governo civil democrático, há notícias de outros problemas graves no Sudão.

Nos últimos dias, registaram-se confrontos armados na região de Darfur, no oeste sudanês, alegadamente entre comunidades de pastores e de agricultores pelo controlo de terras. A violência provocou centenas de mortes e milhares de deslocados, de acordo com entidades ligadas às Nações Unidas.

Explica a FAO, agência onusina para a agricultura e a alimentação, que se a violência continuar o ano agrícola pode ficar comprometido, agravando a fome no país e atingindo milhões de pessoas.

A crise, a pior em 10 anos, é atribuída aos conflitos armados internos, à longa instabilidade na região, às sequelas da pandemia de Covid-19 e à seca e pragas, a que se poderão somar as consequências da guerra no Leste da Europa. Apesar de longe do teatro da guerra, a África é ameaçada pelos efeitos das sanções impostas pelos EUA e a União Europeia à Rússia, em especial as perturbações na cadeia de fornecimento de trigo e outros cereais e de fertilizantes.

 

Carlos Lopes Pereira

Bem aje/haja quem lhe dá voz

4 comentários:

Justine disse...

Artigo esclarecedor!

Anónimo disse...

Faço meu o conselho dado pelo pcp à Ucrânia. O Sudão que se resigne para evitar um escalar da situação.

Maria disse...

Mais uma curva apertada... desta vez bastante apertada.
Obrigada pelo texto.
Um abraço

Olinda disse...

Só no Avante,encontramos um esclarecimento lúcido sobre o que se passa cá ...e mais "alá".Bjo