domingo, fevereiro 05, 2023

ENTRE VISTAS

  - Nº 2566 (2023/02/2)


Entrevistas

Opinião

O General alemão Harald Kujat deteve o mais alto cargo militar das Forças Armadas alemãs e, mais tarde, da NATO (presidente do Comité Militar até 2005). O que diz sobre a escalada imparável de armamento da NATO para a Ucrânia e os riscos associados é relevante, tal como é relevante que a entrevista tenha aparecido num pouco conhecido órgão de imprensa suiço (zeitgeschehen-im-fokus.ch, 18.1.23, republicada em espanhol em ctxt.es, n.º 292). Afirma Kujat que «esta guerra devia ter sido impedida e podia ter sido impedida [...] Talvez um dia se faça a pergunta de quem quis esta guerra, quem não a quis impedir e quem não a pôde impedir». Adianta que «não, esta guerra não é sobre a nossa liberdade. Os problemas de fundo que conduziram à guerra e que fazem com que ainda decorra, embora pudesse ter acabado há muito, são bem diferentes». Adianta: «o objectivo [dos EUA] é enfraquecer a Rússia do ponto de vista político, económico e militar, a tal grau que depois se possa virar para o seu rival geopolítico, o único capaz de ameaçar a sua supremacia como potência mundial: a China». Kujat lembra que «de acordo com informações fidedignas, o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson interveio em Kiev, a 9 de Abril [2022], para impedir a assinatura [do acordo Ucrânia-Rússia, alcançado nas negociações em Istambul]». Pergunta: «quem fez explodir o Nord Stream 2?». E lembra as declarações «claras» de Angela Merkel que afirmou «só ter negociado os Acordos Minsk II [2015] para dar tempo à Ucrânia. E a Ucrânia usou esse tempo para construir as suas Forças Armadas. O ex-presidente francês Hollande confirmou isso mesmo».

Os Acordos de Minsk previam que o Donbass agredido pelos golpistas de Kiev continuasse território ucraniano, com estatuto de autonomia. Os acordos não tinham apenas a chancela da França e Alemanha. Foram transformados (por unanimidade) em Resolução 2202 do Conselho de Segurança da ONU. Agora Merkel e Hollande dizem que não eram para cumprir. Estão a dizer que o eternamente dúplice imperialismo nunca quis a paz e a defesa da integridade territorial da Ucrânia. Falou de paz para melhor preparar a guerra. Diz o General Kujat: «Sim, é claro que foi uma violação do direito internacional [...]. Afinal somos nós que violamos os acordos internacionais». É sempre assim. Quando os acordos já não convêm, são rasgados. Como o acordo sobre o nuclear iraniano, país que está hoje a ser alvo de ataques militares. Como as resoluções e acordos sobre a Palestina, cujo povo está a ser massacrado todos os dias.

O imperialismo não muda a sua natureza, quer se vista de liberal, de «social-democrata», de «ecologista» ou de fascista. Só recua quando é obrigado. Diz Merkel: «A verdade é que a Guerra Fria nunca acabou realmente, porque em última análise a Rússia nunca foi pacificada» (Corriere della Sera, 27.12.22). Espantoso. Mas a «guerra fria» não era culpa «do comunismo» e da «ameaça soviética»? Afinal, a Rússia capitalista, saqueada e quase destruída pelo imperialismo após o fim da URSS, também precisa de «pacificação». Que é a expressão de todos os colonizadores quando falam da subjugação dos povos pela força. Mouzinho de Albuquerque também «pacificava» o império colonial português. A soberania dos povos é para eles intolerável, ontem como hoje.

Jorge Cadima

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