sexta-feira, janeiro 05, 2007

memória de economista - 4

A inflação esperada, ou seja, o aumento de preços que o INE estima que venha a ser o do ano próximo, passou a ser o instrumento que serve para a fixação de salários, ou dos irrisórios aumentos salariais, e para, dessa forma, se concretizar uma chave da política prosseguida – para não dizer a chave! – que é a contenção salarial.
De onde resultou, com a passagem da inflação verificada à inflação esperada, alteração subrepticiamente introduzida, que, em vez dos aumentos salariais serem para repor poder de compra – além de outras variantes como a do aumento da produtividade e a da repartição do Rendimento Nacional – servirem para compensar, por baixo, o que vai ser a esperada, por baixo, a perda do poder de compra.

4 comentários:

Anónimo disse...

Camarada,

Estive a ler os teus posts sobre a inflação como instrumento que o capital utiliza para, de facto, controlar os custos salariais. A questão que eu gostava de te colocar tem a ver com o seguinte. Imaginemos que, em termos meramente teóricos e hipotéticos, os salários cresceriam 3% e a inflação seria de 2%. O poder de compra dos trabalhadores aumentaria. Mas imagina que nesse mesmo ano os lucros das empresas, ou seja, o volume de capital que estas acumularam descontadas as despesas totais, seria de 10%. Não poderemos considerar que o fosso entre trabalhadores e capitalistas aumenta, na medida em que o crescimento da massa salarial é inferior ao crescimento da mais-valia apropriada pelos capitalistas? Isto num contexto em que os trabalhadores, em termos absolutos, podem consumir mais mercadorias mas em termos relativos têm menos capital disponível para adquirir mercadorias para consumir.

Portanto, uma situação em que os salários crescem mais do que a inflação é, sem dúvida nenhuma, uma boa notícia para os trabalhadores já que terão uma maior massa monetária para adquirir bens de consumo. Como é evidente, esta situação é benéfica para os trabalhadores. O que eu gostaria de te perguntar, e perdoa-me estar a tomar o teu tempo, é se não achas que para além da relação aumento de salários/aumento dos preços o capital não detém um mecanismo ainda mais profundo e, em última instância, mais poderoso que é o rácio salários/lucros?

Esta é mais uma questão teórica do que outra coisa qualquer mas os teus interessantes posts motivaram esta reflexão.

Abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Claro que sim. E agradeço-te o comentário.
Aliás, na nossa terminologia (científica) a relação é entre a remuneração da mercadoria força de trabalho e a mais valia apropriada - cujo epifenómeno, noutra terminologia, são os lucros. Ou, noutra formulação, entre o tempo de trabalho pago e o tempo de trabalho não pago.
Por isso, como observas e bem, a relação salários-preços não esgota, no capitalismo, a avaliação da exploração que enforma este sistema de relações sociais. Bem pelo contrário, às vezes encobre as mais relevantes relações, até pela "ilusão monetária" (a que talvez me venha a referir nas "memórias" sintéticas e blogueiras...). Há muito mais coisas - na terminologia que também temos de adoptar - como a produtividade, a repartição dos rendimentos, e etc.
Um abraço e espero que tenho sido útil para a continuidade das nossas reflexões.

Anónimo disse...

Com estas reflexões que mais há a dizer?
Muito se aprende!
Obrigado aos dois.

GR

Anónimo disse...

Fiquei esclarecido com o teu comentário e agradeço-te a gentileza e disponibilidade demonstradas na tua resposta.

Abraço