terça-feira, agosto 12, 2008

Materialismo histórico - 17

Na comunidade primitiva não havia classes, não havia Estados. Os seres humanos espalhavam-se pela Terra, formando grupos locais, mais ou menos isolados, clãs ou tribos. O espaço, ou melhor, os espaços eram aqueles que podiam percorrer as pernas dos que se aventuravam em busca de novos meios de subsistência para a comunidade. Para além da colheita, aqui, “armados” do que transformavam, da natureza, em prolongamentos do corpo.
No tempo, sempre colhendo, mas começando a pôr a natureza ao seu serviço, ao serviço das relações parentais, em que se materializava a divisão natural (por sexo e idade) do trabalho.
O ramo afilado que perfura, que se aguça, a lança que surge, a pedra que se junta ao ramo, que é afiada, o machado que aparece, o fogo que salta. A possibilidade de arrastar o que ali se “caçou”, ou além se “pescou”, para o local da comunidade onde se colhe o que aqui há, e tem ciclos, e se vai esgotando quando não renovado.
O ser humano aprendendo, apreendendo. E conquistando. Também conquistando espaço. Em que encontra outros, em que confronta outros de outras comunidades. Com quem luta. Pela mesmo presa, pelo mesmo alimento (e pela pele que pode preservar do frio), e que, depois, arrasta para onde possa satisfazer necessidades da comunidade de que é, a que pertence.
Assim se melhorando, continuamente, a forma do ser humano se servir da natureza, mas sem que a força produtiva essencial deixe de ser o corpo humano, a força do trabalho apenas com rudimentares (embora em progresso) instrumentos de trabalho e objectos de trabalho.
O machado de pedra afiada com que se abate e desmancha a carcaça de um animal é um instrumento de trabalho, a carcaça é um objecto de trabalho, que se pode tornar instrumento, tal o osso descarnado que se usa como mais um “braço prolongado” que arranca raízes, que chega a frutos, que defende de agressões e agride, que agride e defende de agressões.
Dispor de um corpo completo, em vez de apenas do que completa o próprio corpo começa a ser uma transformação essencial no modo de produção. Não matar aquele com que se lutou e venceu, mas pô-lo – de corpo inteiro – ao seu serviço, eis uma passagem na História, um ponto de rotura, em que novas relações de produção são possíveis (e exigidas!) pelo desenvolvimento das forças produtivas.
É o começo da divisão dos seres humanos não em comunidades, em que comunitariamente se vive, mas em classes, em que começa a haver “exploração do homem pelo homem”. Uns seres humanos proprietários de outros seres humanos, servindo-se dos corpos destes para satisfazerem as suas necessidades (e também as daqueles de que são donos para que, amanhã, os continuem a servir), assim se configurando novas relações sociais de produção, um modo de produção, uma formação social.

15 comentários:

Mar Arável disse...

É bom não perder a memória

Anónimo disse...

E foi nessa altura que as coisas se começaram a complicar.

CAMPANIÇA

samuel disse...

É extraordinária a tomada de escravos como "progresso"...
Grande texto, professor!
Professor mesmo, mesmo, "cinco estrelas", como acabou de me assegurar a filha do proprietário do café aqui da esquina... mundo pequeno!... :)

Abraço

Anónimo disse...

-Com Grande Classe: Sim senhor, uma extraordinária síntese do que até hoje temos lido e estudado...boa malha Mestre.
Adelante Comandante

a.ferreira

Sérgio Ribeiro disse...

Meus amigos, como esperava isto pode começar a animar. Colocados os conceitos, agora inicia-se outro trajecto, talvez mais interessante (historicamente...).
Em particular fiquei muito contente com as notícias do Samuel, pelo encontro que deve ter tido como uma ex-aluna, a Sofia. São tantos os alunos e alunas que gostaria de reencontrar...
Mas, atenção, isto não são aulas. Isto que estamos a fazer é uma conversa! A ponto solto, como dizia o camarada que mais me ensinou de vida e partido.
Abraços

Justine disse...

Hum, pelas ilustrações de hoje (muntagiras!) vê-se logo que a partir daqui a coisa vai começar a "aquecer"...
Vamos a isso!!

Maria disse...

Muito bem explicadinho....
É bom ler-te, assim escrito parece uma estória, que até se pode contar a jovens... pena que muitos não percebam ( ou não queiram perceber)...

Abreijos

Anónimo disse...

E lá passámos do Comunismo Primitivo para o Esclavagismo....

Anónimo disse...

Pela maneira como escreves, se nota a tua paciência e arte para ensinar e explicar.
Obrigado camarada Sérgio!
Abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Eu não diria que tudo se começou a complicar ou a "aquecer", diria a animar... e de outra maneira.
A "prisão", o condicionalismo, era, sobretudo, do "meio" (do tempo, das "intempéries", e dos "lobos"), e passou a ser - também e cada vez mais - do "homem lobo do homem".
Nem calculam como me estão a ajudar com os vossos comentários...
Obrigado.

Anónimo disse...

-Tou :(((.Atão não andava cá o egas todo vaidoso de nariz empinado a pensar com os meus botões e dizendo por toda a parte com todo o meu "engenho e arte de rapaz nascido e criado nas Fontainhas desta mui nobre cidade do PORTO" que um destes dias ainda saia doutor, e zás... (quem quiser ser Doutor que vá para a faculdade, que isto aqui não são aulas, os meus caros por acaso pagaram as propinas? -Não não pagaram, AHAHAHAHAH portanto não há curso prá ninguém. e muito menos canudo.)
Tou frito e agora como vou sair desta????
a.ferreira

Sérgio Ribeiro disse...

Ó a. ferreira, queres canudo? Então, compra-o... Depois de Bolinha é assim, e então os mestrados e doutoramentos estão cá a um preço... embora apareçam por aí uns saldos! É preciso é estar atento ao mercado.
Um abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Claro que queria escrever Bolonha, mas bolinha até tem graça!

Anónimo disse...

-Pois, lá vai ter de ser!!!!
-Mas espera lá; a não ser que... vá gamar um a antiga fabrica de loiça da quinta dos Ingleses que dizes.

-Agora a sério: E eu não sei o que custa ter um filho a frequentar o ensino superior e é publico.

Um abraço também para ti camarada.
a.ferreira

Tiago R. disse...

Também começam a surgir divisões com base no domínio de certas técnicas especializadas (estou a pensar na olaria, no trabalho da pedra, embora ainda não na metalurgia), não?

De certa forma, a própria complexificação tecnológica exige mudanças radicais na divisão social do trabalho (o surgimento de especialistas), e a criação de grupos de indivíduos com diferentes posições em relação ao processo de produção (classes?).

Ou será que não percebi nada?