sexta-feira, dezembro 24, 2021

... E VIVÓ LUXO!...

  - Nº 2508 (2021/12/23) - actual

Luxo


Opinião

Sem qualquer intenção de minar o espírito da quadra, há uma zona da economia que virá a propósito. Trata-se do luxo. Veja-se a astronómica dimensão desse mercado: 1,14 milhões de milhões de euros em 2021, segundo uma fonte (Bain & Company e Fondazione Altagamma). Deste total, 283 mil milhões em bens pessoais de luxo, 551 mil milhões em carros de luxo, 49 mil milhões em comida gourmet e refeições requintadas, 22 mil milhões em jactos privados e iates, 45 mil milhões em mobiliário e equipamento doméstico de alta qualidade, etc., etc. Com o necessário alerta de que se trata de áreas inteiramente diferentes na economia, mas para dar alguma escala a estes valores, ponham-se ao lado das exportações globais em 2019 de trigo (39,6 mil milhões de dólares) ou de arroz (24,7 mil milhões de dólares).

Não podem misturar-se alhos com bugalhos nem interessa partir de posições de ordem moral. Interesse teria identificar-se a economia política deste sector – próspero em todo o lado, incluindo em países que se caracterizam pela pobreza. A própria OCDE dá uma ajuda: «o rendimento médio dos 10% mais ricos é cerca de nove vezes superior ao dos 10% mais pobres. […] Há 25 anos era sete vezes superior.»

Evoca o mercantilismo francês do séc. XVII: um relativamente pequeno mercado solvente (então a aristocracia, hoje uma grande burguesia com enorme poder aquisitivo) sustenta uma desproporcionada parcela da actividade económica. Mas a analogia termina aí. Porque, ao contrário do que então se verificou, o que sucede com o luxo actual imprime uma distorção negativa no universo da produção. A economia capitalista actual pouco tem a ver com a satisfação de necessidades humanas básicas. Opera uma brutal contracção social no mercado mundial que gerou. Produz preferencialmente para quem possa pagar muito, e instalou um interessante mecanismo na sociedade da desigualdade: extrai aos ricos – que cria – 1,14 milhões de milhões em 2021 em inutilidades sobrevalorizadas, e para o ano venderá mais.

Se há problema não é o luxo, é o capitalismo.

Filipe Diniz
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extracto de recente intervenção em reunião da CGTP:

"(...) No ratio 10% de maiores rendimentos/10% de menores (o chamado P90/P10), a municipalização do indicador revela serem os concelhos de Lisboa e Porto os mais desiguais – 10,3 e 9,7 – acompanhados pelos concelhos de Murtosa-Aveiro e Cascais – 9,3 e 9,2 –, que serão, naturalmente, concelhos onde se localizarão as mais altas declarações fiscais, só acompanhados, acima de 9, pelo concelho Vila do Porto, Açores, o que é curioso e merecedor de estudo, por ser pequeno concelho de 2.682 agregados fiscais (Lisboa, 317.490, mais de 5 milhões na totalidade) e onde não deverá ter havido qualquer fuga na declaração dos rendimentos. (...)"
 S.R.

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