quarta-feira, março 10, 2010

Em PECado original

Não há por (e para) onde fugir! O PEC (este PEC!) assaltou-nos, invadiu-nos.
Na minha “leitura” (discutível, evidentemente), o Governo bem tentou o impossível. Tentou gerir a informação, o tempo e o modo de o tornar público, jogando entre o OE, com prazos apertados, e a “pressa” de Bruxelas incompatível com obrigações internas, constitucionais, consultas formais a partidos e forças sociais, procura de visíveis consensos, passagem pela AR. Mas não conseguiu evitar o atropelar com o OE, o cavalgar informativo, inevitável porque o PEC atinge-nos “no osso”!
Olho as previsões e fico perplexo. Daqui a 2013, as previsões são de que o crescimento económico será… tímido – 0,7; 0,9; 1,3; 1,7 – enquanto a dívida pública crescerá tendencialmente - 85,4; 88,9; 90,1; 89,3 em % do PIB –, isto e tudo o resto condicionado pela apresentação do objectivo de chegar a 2013 com o défice orçamental inferior a 3% do PIB – 8,3, 6,6, 4,7, 2,8 em % do PIB. O que se está mesmo a ver - quem quiser ver - que será impossível... E esse “tudo o resto”, inclui, nas variáveis macroeconómicas, o desemprego – 9,8; 9,8; 9,5 e 9,3 % da população activa – e o que se refere à situação social dos trabalhadores e da população, em previsível e assumida inevitável degradação.
É uma opção política. Dirão que nos é imposta do exterior. Mas isso quereria dizer – ou confirmar da forma muito dolorosa – que corresponde a abdicação de toda a independência e soberania nacionais. E fará deste governo um mero executor de determinações vindas do exterior, de quem dispõe do capital financeiro e se coloca na posição prepotente de dizer “façam lá como quiserem… têm é que colocar o défice abaixo dos 3% até 2013, e compromentam-se com um PEC. Porquê? Porque é o indicador que corresponde à demissão do Estado das suas funções (sobretudo as sociais, mas também as de motor/regulador da economia), para além da de executor de estratégias de capital financeiro transnacional.
Quando se esperaria que um mínimo clarividência quanto ao funcionamento do capitalismo (leiam Marx, porra!) levasse a procurar remendos ou adiamentos tipo keyneseanos que faria com que o sacrifício, no momento histórico, de largas camadas da população fosse menor, reforça-se a via do neo-liberalismo, o monetarismo fictício/creditício. Dir-se-ia tratar-se da perspectiva táctica do para a frente e em força!, quanto pior, melhor… porque, na actual relação de forças na luta de classes, se espera que os trabalhadores e a população irão aguentar! Talvez se enganem…

Ilustro o ziguezaguear do “nosso” governo com três notas sobre investimento público, a partir de recortes:

  1. Um trabalho de Eugénio Rosa – dos muitos e utilíssimos que vai fazendo – de 3 de Setembro de 2009, que tem o título O súbito e estranho “amor de Sócrates pelo investimento público, e mostra como, depois de 4 anos em que o investimento público diminuiu 32,3% passando de 3,1% do PIB para 2,1%, e en divergência com a União Europeia, se estava a verificar uma inflexão, digamos de coloração keyneseana;
  2. A 15 de Outubro, no Público, podia ler-se que o objectivo no OE 2009 do investimento público atingir os 3% do PIB estava difícil de alcançar e, dado o atraso (em relação ao orçamentado e em relação ao que fora o ritmo na União Europeia), poderia provocar derrapagem orçamental… o que se verificou sem se ter cumprido o objectivo relativamente ao investimento público;
  3. Em Janeiro de 2010, as notícias davam conta que «investimento público aumenta por um lado e desce por outro», que «Governo sinaliza contenção no investimento público» (com incidência mais gravosa no PIDDAC) e, agora, o PEC avança (?!) com um decréscimo de 0,8% para 2010 nessa rubrica.

Assim se espera acalmar Bruxelas (e Frankfurt, já com aval de Vitor Constâncio, e as fantasmagóricas agências de rating). cumprindo ordens – porque para 2013 lá estão os 2,8% no déficemas decerto não acalmarão as vítimas da ausência de crescimento (por desprezo da actividade produtiva) e dos números previstos (por baixo) para o desemprego.

15 comentários:

Graciete Rietsch disse...

Obrigada por este post. Eu, que não sei nada de Economia, fiquei a compreender tanta coisa de que intuitivamente quase me tinha apercebido.

Um beijo, camarada

Justine disse...

Didáctivo, claro, elucidativo, o teu post!
E a raiva continua...

Anónimo disse...

Como Lenine foi arredado das leituras dos militantes do PC desde há muito tempo, sugiro o seu depoimento nas vésperas da Revolução Russa com o título " A Catástrofe eminente e os meios para a conjurar".
As Edições Avante têm uma versão com o título, "A CATÁSTROFE QUE NOS AMEAÇA E COMO COMBATÊ-LA".

Maria disse...

Clarinho para quem sabe ler. Ou quer...

Obrigada, Sérgio.

aferreira disse...

-Eu direi mais:
-Mais uma vez, um militante comunista diz de forma claríssima....-O que o PCP e seus dirigentes vêm alertando desde há muito tempo.
-Lembram-se do camarada Carlos Carvalhas. apregoar aos quatro ventos o a politica seguidistas dos governos PS,psd /cds nos iria levar ao desastre. - Quando o camarada utilizava a expressão "panela de barro contra a panela de ferro"
-Poucos nos ouviram!
-O resultado está á vista.

Um grande abraço para todos.
aferreira

Sérgio Ribeiro disse...

Graciete - De médico, de economista e de louco todos temos um pouco... menos alguns "economistas" que só são "financeiros". Mas, ó querida camarada, olha que isto dava para, pelo menos, um semestre, ou uma licenciatura antes de Bolonha!
Justine - Muito obrigado pela avaliação que tanto prezo. A raiva resce e a esperança multiplica-se.
Maria - Pois é. Há quem não queira saber ler, são os anti-comunistas, porque anti partido com base teórica (e praxis) marxista-leninista, mascarados de ulta-ortodoxos.
aferreira - Mas, atenção, "eles" não erraram! Eles servem... a panela de ferro.

Abreijos

Sérgio Ribeiro disse...

O senhor anónimo das 14.55 está enganado. Ou está de má fé. O que, no caso, é capaz de não ser muito diferente.
Lenine não foi arredado das leituras dos militantes do PCP! O problema, e é um problema!, é que as tarefas são tantas e o ambiente´cultural é tão pouco propenso a leituras que há, na verdade, um défice de leituras de Marx, de Engels, de Lenine, de Cunhal. Mas o Partido está consciente desse problema e há decisões e esforços sérios para o corrigir.
É a vertende ideológica da luta. Da luta! Para que se saiba... quem queira saber.

aferreira disse...

-Caro camarada.
-Eu não disse que eles erraram.
-Eu disse que "poucos nos ouviram"
-Referia-me aos trabalhadores e povo em geral.
Sei muito bem quem eles servem e como se servem.
um abraço e desculpa qualquer coisinha.
aferreira

Sérgio Ribeiro disse...

aferreira - Não quis corrigir-te. Aquela chamada de atenção é um dos meus habituais comentários, que me pareceu oportuno... mas não se dirigia a algo que tivesses dito e não foi para te corrigir.

Um abraço

aferreira disse...

-Não levo a mal que me corrijas, até te agradeço que o faças, sempre que entenderes ...só me pareceu que não tinhas entendido bem o que quis dizer.
Por isso reforcei a ideia.
aferreira

Antuã disse...

Eles não sabem de economia nem querem saber. O seu objectivo é servir os grandes senhores e mais nada.

Pata Negra disse...

Compreendi. É claro que o "trabalhinho" destes tipos não me inspira nenhuma confiança mas faz papas para tolos!
Um abraço pecado

Pata Negra disse...

Pecado não, pequido!

Pata Negra disse...

Pêcasse! Já pe(c)ei!

samuel disse...

Texto tão claro que não resisti a usá-lo também como ferramenta...

Abraço.