Diz ele:
As pessoas e as causas
O duro é aquele que, em nome das causas, abandona amigos e até a família. O crédulo é aquele que em nome de amigos e família abandona as causas. O inseguro é o que mantém um equilíbrio instável entre as causas e os amigos ora privilegiando uns ora outros. Mas há com certeza uma espécie que eu nem sei como designar que de causas e amigos nunca quer saber... Pois... digo eu:
Nascemos numa família (os que em família nascemos). Ao longo da vida, fomos criando amizades, fomos encontrando "causas", fomos criando famílias (que às famílias existentes se acresceram ou não).
Duro é, ao longo da vida, alguns de nós descobrirem que as amizades não são incondicionais, que as "causas" exigem coerência, que as famílias podem ser instáveis e perenes, como as relações que mais queridas foram o podem ser. Por causa das "causas"?
Também. E por um pormenor que o dicionário pode ajudar a explicar. Causa é s.f. Princípio. Motivo, razão, o porquê de qualquer coisa.
Ora a descoberta/invenção dos porquês pode levar à razão de ser de um homem (uma mulher). E essa razão de ser, ao escorar-se em princípios e valores, pode relativizar muita coisa e causa (et pour cause, como diriam os... ingleses).
Pode um homem (uma mulher), que tem como princípios e valores os da solidariedade, do companheirismo, da entre-ajuda, ter como amigos quem pratica princípios e valores antónimos ou nos antípodas?, pode ser parte de uma família que se enconche (e o/a enconche) na sublimação do egoísmo, da indiferença, da des-solidariedade?
Se pode haver "causas" (que não encontrei no meu caminho, e não procuro...) que defendam o abandono de amigos e a destruição da família, há as que, valorizando a amizade, prezando muito os laços familiares, exigem uma coerência que leva a relativizar e a pôr em risco, até por incompreensão, relações muito queridas.
Escrevi coerência? Pois é uma palavra-chave (teoria <--> prática).
Também é verdade que os sentimentos, a afectividade, o amor, perturbam muito. E que há as tais razões que a razão (de ser) desconhece.
Por isso, somos todos uma mescla de "duros", de crédulos", de "inseguros" e de "outras coisas". A questão é a dosagem, e o que conseguimos pôr ao de cima para nos fazer ser o que queremos parecer. Para ser.
5 comentários:
Eu, humildemente, sublinho com palmas.
Um texto magnífico!
A receita é difícil, mas comigo resulta:
Acreditar com a força da razão, por o que se Luta!
Respeitando a luta do outro/a!
Uma dose forte, de muita coerência da nossa parte!
Um sentimento verdadeiro de afectividade e fortes elos de amizade pelo outro/a (familiar ou amigo/a).
Dose reforçada de respeito mutuo, no debate de ideias!
Um pouco de silêncio, sempre que necessário!
Para melhor ponderação! Nas ideias e palavras!
Mas continuar o diálogo!
A verdadeira amizade faz o resto!
Costuma a resultar!
Só não resultou com um familiar!
Não tinha o mínimo de respeito no debate das ideias, na solidariedade, não existia amizade! Impossível o diálogo, quando outro/a é um déspota.
Coerentemente e sem dureza, mas com toda a determinação, desterrei-o, para o esquecimento!
Já lá vão vinte e tal anos!
GR
Sérgio: já li este texto 3 vezes, em três dias diferentes.
A cada leitura, a reacção é diferente, as teclas deitam cá p'ra fora frases contraditórias e, por isso, o comentário não surgiu mais cedo.
Não tenho a capacidade do amigo GR, de desterrar alguém para o esquecimento, é-me impossível e, talvez por isso, me é tão difícil ser "duro", intransigente, mesmo quando as causas me são caras e exigiriam mais veêmente defesa da minha parte.
Será isto um eufemismo para a crua "cobardia"? Não sei.
Mas sei que a idade nos ajuda (mais a uns que outros, é certo) a distinguir os verdadeiros dos falsos, as crenças das descrenças, as causas dos "entusiasmos".
Ser coerente não é fácil.
Ser diferente também não.
Mas ser verdadeiro e respeitar o que vem de dentro ajuda muito.
No meu texto, tal como saiu e agora releio, há uma distinção essencial entre o que é ser "duro" e o que é duro ser.
E o que é muito duro é ser capaz de relativizar conceitos e afectos que só têm sentido se relativizados quando muito fácil seria tomá-los por ou como absolutos, eternos, incondicionais.
Meu Caro Marco, por favor, lê pela 4ª vez (que raio de pedido!) o final do que escrevi. Só esse final...
Como diria alguém: "Eu sei que você sabe que eu sei..." - Não me consigo é exprimir de forma tão clara.
Mas a ideia está lá: só é pena eu não saber (por vezes) muito bem o que quero parecer.
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