sábado, março 21, 2015

O Euro e a UEM - seminário

Para 
O Euro e a União Económica e Monetária
- constrangimentos e rupturas

20.03.2015

Isolar o facto (por mais relevante historicamente que ele seja) do processo em que o facto se tem de inserir, quer no tempo, quer no espaço, é como retirar o texto do contexto, é como fazer omeletes sem ovos, estudar ovos ignorando galinhas.

A criação de uma moeda única para a integração económica no continente europeu não surgiu porque algumas cabeças privilegiadas (de tal encarregadas) assim o resolveu, mas construiu-se em sessões várias de compromissos e consensos. Em que também houve oposição, sem capacidade para a impedir, dada a correlação de forças sociais, das classes, nos níveis nacionais então prevalecentes, tendo os Estados-membros a sua reserva de soberania.
Temporalmente, refere-se o após Tratado de Maastrich, que veio crismar como União Europeia este processo de integração regional a passar de 12 para 15 Estados-membros (e não 16 porque o povo norueguês não o quis… como agora desistiu o governo da Islândia), numa associação a preparar-se para, no quadro de um assalto dito de globalização, absorver países do centro e leste europeu.
Mas poderia recuar-se duas décadas e meia e referir o ensaio falhado do Plano Werner de criar uma moeda única para os 6 Estados fundadores. De que resultou a substituição do A de aprofundamento pelo A de alargamento, com a entrada da Dinamarca, da Irlanda e do Reino Unido (e a primeira nega do povo norueguês), parecendo então necessário configurar uma outra estratégia, ou um adiamento estratégico, face a uma explosão de “crise” no sistema capitalista, a do começo dos anos 70, num contexto de confronto real, ao nível de Estados, com o socialismo.
Nos anos 90, a passagem dum tempo a outro – para além da mudança de designação de Comunidades para União Europeia e da alteração de número de membros – revela a assimetrização do espaço em integração e a formação de uma periferia à volta de um núcleo super-imtegrado, o que cumpria a dinâmica prenunciada no relatório Tindemans, de 75. E teria de reflectir, também, a mudança na correlação de forças inter-classes, dado o desaparecimento da União Soviética e dos países socialistas europeus, aliás intérpretes de um processo de integração económica, o COMECON, de 49, anterior à CECA e à CEE e Eurátomo.
Nestes anos, o sistema capitalista – os seus próceres –  arroga-se sistema mundial (e pensamento) único e final da História, com a insistência na globalização que substituiria o confronto de sistemas, e o imperialismo em cuja fase se dizia que estava. E em que permanece…
O terreno parecia liberto de constrangimentos maiores e, no espaço em integração, possibilitava juntar uma periferia leste à que, a sul (mais Irlanda) se formatava. O que ainda mais exigiria uma dinâmica de transferências para cumprimento do princípio, afirmado no Acto Único, de coesão económica e social, que a prioridade para o mercado interno vinha secundarizando até o apagar na prática (e no léxico), assim se agudizando a assimetria da interdependência, formulação adoptada, anos antes, em Cimeira dos países não-alinhados.
Entretanto, foi na sequência do mercado interno que se continuou a dar prioridade às vertentes económica e monetária, sobretudo a esta depois da determinada opção ideológica neo-liberal e monetarista da 2ª metade dos anos 70.
Dessa opção, com efeitos relevantes relativamente à alternativa de coexistência pacífica, derivou, em Maastrich, a Conferência Inter-Governamental dedicada à criação da União Económica e Monetária, a par de uma outra para os passos seguintes, necessários a uma União Política.
Assim, com a criação da UEM, o capitalismo procurava superar, no âmbito da integração europeia, uma crise larvar que vinha desde a declaração unilateral da inconvertibilidade do dólar (Nixon, 15.08.71), e para que a unidade de conta écu fora remedeio e não remédio.
Se passo em frente num descaminho, não se poderia esperar que o euro, tal como criado e enquanto instrumento, superasse a crise larvar. Não só o euro. Também o Banco Central Europeu, enquanto instituição criada com seus objectivos e competências, e à margem de qualquer resquício de democraticidade.
Tratava-se de mecanismos, instrumento e instituição, impostos com pendor federal, sem controlo das soberanias nacionais ou de outras instituições comunitárias com vínculos (ainda que indirectos) aos povos dos Estados-membros. Mas, evidentemente, com controlo directo e submissão ao capital financeiro transnacional…
Esta foi a leitura feita na busca permanente de coerência com uma leitura da História. Com ela teria de ser coerente quer a participação no processo de criação da UEM – muito monetária e pouco ou nada económica –, quer a sua votação, ainda que aparentemente mero ritual homologatório. Essa leitura teria de se inserir no tempo em História, que transcende o tempo do facto ou dos factos.
A criação da moeda única e do BCE é um momento numa fase de sistema que procura, pela via da especulação, sobreviver ao contrariar o que resulta da sua própria dinâmica, com leis tendenciais que impedem a acumulação de capital material como fruto – e único alimento real – de uma relação social que o define como sistema.
Teve o maior significado para nós, nesta frente de luta, a participação no processo de criação e nos actos formais de adopção. Se, na existente correlação de forças, se entendia a UEM como uma imposição de classe para contraditar a crise larvar, embora agravando contradições intrínsecas e insuperáveis, quer a participação, quer a votação só podiam ser uma resposta também de classe.   
O voto do PCP no Parlamento Europeu foi a expressão de uma posição sobre o sistema e o modo como o projecto foi conduzido e os interesses que servia.
Como está na declaração de voto de 2 de Maio de 98, não foi um voto contra a estabilidade de preços, o equilíbrio orçamental, o controlo da dívida; foi, sim, um voto contra a futura utilização de instrumentos e instituições para impor estratégias que prosseguiriam e agravariam a concentração de riqueza, aumentariam e tornariam estrutural o desemprego, agudizariam assimetrias e desigualdades, criariam maior e nova pobreza e exclusão sociais, diminuiriam soberanias nacionais e acresceriam défices democráticos.
E agravariam as condições que tornam evidente a crise larvar e provocam as suas explosões periódicas.
Foi sublinhado, igualmente, que se tratou de um voto que prevenia o decorrente privilégio de zonas geográfico-monetárias e a partilha de influência entre grandes famílias partidárias, numa evidente polarização do poder que viria condicionar todas as políticas dos Estados enquanto Estados-membros.
Foi essa, então, a posição dos deputados do PCP no Parlamento Europeu, em representação dos interesses nacionais. No voto contra foram acompanhados por 10 membros do grupo que integravam e por 52 outros, com mais 24 abstenções (das quais, 6 do grupo).

Hoje, passada década e meia, muitos mais se juntariam a esse NÃO à moeda única, entre eles alguns que festejaram euforicamente o que chamaram (cito) “acontecimento singular”, orgulhosamente colocando Portugal “na primeira fila dos países fundadores” (do euro), e que só agora descobriram – e escandalizados denunciam – o que, então, anatematizaram como presságios de mau augúrio vindos de gente perversa ou perversamente etiquetada, augúrios que a realidade veio, afinal, confirmar. Com os gravíssimos danos sociais, humanitários, que se confrontam. Hoje.
A luta continua. Contínua.

Sérgio Ribeiro    










3 comentários:

Olinda disse...

Lembro-me de ter lido,nos anos 90,as dûvidas e interrogacoes,sobre a UEM,vindos de deputados europeus do PCP.E de Sêrgio Ribeiro,entao deputado,ter perguntado num plenârio de Estrasburgo,quanto custaria,em termos sociais,a adopcao da moeda ûnica.Jâ sabemos!

Bjo

Unknown disse...

É bom recordar coisas,que foram previstas e ditas por alguém,que pelo o seu estudo e conhecimento do mesmo,assim o previam...!

RV disse...

Subscrevo literalmente tudo que diz o Camarada Sérgio Ribeiro.
A mo€da única NUNCA pagará o caos e o estado social a que chegamos!
Favorece sim, os grandes grupos económicos e os (des)governos da Alemanha, França e outros que tais...
Camarada Sérgio, 2ª feira em Espinho disse que não era vidente (mas parece), pois vaticinou o que nós (PCP) previamos.
A LUTA É O CAMINHO...SEMPRE!
RV