- Edição Nº2155 - 19-3-2015
O império ao ataque
O canal Fox Crime, acessível a pelo menos grande parte dos telespectadores que não se limitam a receber os quatro canais supostamente gratuitos mas de facto pagos porque incluídos na factura da energia eléctrica, permite que se veja e eventualmente reveja a série britânica «Midsomer Murders», produto que um telespectador já um dia qualificou de «viciante» no melhor dos sentidos que a palavra pode ter: «viciante» porque os seus méritos, que são muitos, injectam a apetência de os ver e rever. «Midsomer Murders» é, assim, um produto exemplar da quase mítica «qualidade britânica» porventura em vias de extinção, se não já extinta, e vem funcionando no Fox Crime como factor de atracção e fixação de espectadores. Acrescente-se que o canal bem precisa disso, pois as restantes séries que transmite, geral ou totalmente «made in USA», não estão próximas da mesma qualidade, bem pelo contrário, e mesmo a recente inclusão de uma segunda série britânica baseada em obras de Agatha Christie não parece capaz de igualar o justificado poder de atracção dos episódios de «Midsomer Crimes» cuja repetição, é certo, já começa a ultrapassar a saciedade. Ora, a inclusão neste espaço de todas estas informações um pouco fúteis explica-se pela circunstância de recentemente ter surgido no Fox Crime uma série intitulada «Os Americanos» («The Americans») cujo surgimento é, mais que significativo, verdadeiramente eloquente. O autor dos argumentos da série, Joseph Weisberg, é um ex-oficial da CIA que, em rigor, prossegue nesta sua actual função o trabalho de propaganda política anti-soviética e agora anti-russa desenvolvido pela instituição de que foi funcionário qualificado. E, porque podemos ser crédulos mas convém não exagerar, entendamos que o lançamento de «The Americans» não acontece por acaso e tem um significado.
Com todos os riscos
O centro narrativo de «Os Americanos» é um casal de agentes do KGB que se infiltra nos Estados Unidos simulando ser um casal norte-americano para eficazmente cumprir as suas tarefas obviamente sinistras. Em torno, a série «denuncia» os métodos inescrupulosos e crudelíssimos que são típicos dos comunistas em geral e dos soviéticos em especial. A acção decorre nos primeiros anos da década de 80 e o seu clima sócio-político é o da Guerra Fria no seu topo. Assim, ocorre naturalmente perguntar qual o motivo deste regresso agora, quando a Guerra Fria deveria ser apenas um pesadelo ultrapassado, e ocorre também a resposta mais plausível: porque os Estados Unidos estão de facto a relançar a Guerra Fria em diversas frentes e, assim, aparentemente dispostos a pôr em risco a própria sobrevivência global, pelo que lhes convém a telepropaganda de guerra. A ofensiva ocorre com evidência na Ucrânia e no que pode ser designado como «a Frente Leste», pois as frequentes provocações de cariz militar ocorrem na área da Finlândia e dos países bálticos, a coberto da NATO e com a lamentável participação de aviões portugueses. Mas nem todos os aspectos dessa ofensiva «cheiram a pólvora», digamos assim, e é sabido, ainda que pouco divulgado no «Ocidente mediático», que os States estão também empenhados em ofensivas políticas nas Américas Central e do Sul, com óbvio e especial vigor contra a Venezuela mas também contra outros estados da região, designadamente o Equador de Rafael Correa, a Bolívia de Evo Morales, o Perú de Ollanta Humala, a Argentina de Cristina Kirchner, isto sem falar de Cuba e com um pedido de perdão por algum país que nos esqueça mas não escapará decerto aos cuidados da CIA. E agora, pelo que se sabe e pelo que se vai entendendo (pois não temos a obrigação de sermos parvos), é também a vez do Brasil, cuja presidente nunca agradou aos poderes de Washington. Relacionar tudo isto, e mais o que já não cabe aqui, com a manifesta subida das direita e extrema-direita nos Estados Unidos, não é sucumbir a uma suposta «teoria da conspiração»: é perceber que os Estados Unidos optaram por passar ao ataque. É fazer o que não querem que façamos: entender.
Correia da Fonseca
2 comentários:
Correia da Fonseca sempre extraordinârio.
Bjo
Exactamente o que penso. Mas as palavras do Correio da Fonseca, são sempre ditas de uma forma Magníficas.
BJS,
GR
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