quinta-feira, janeiro 11, 2018

O financiamento dos partidos

Esclarecedor!:

 - Edição Nº2302  -  11-1-2018

Mistificações e mentiras sobre 
alterações à lei do financiamento dos partidos
ESCLARECIMENTO 
O PCP tomou recentemente posição sobre a campanha de mentira, manipulação e má-fé e o veto do Presidente da República às alterações à Lei de Financiamento dos Partidos, campanha baseada em mistificações e falsidades sobre o processo, o conteúdo e motivações dessa iniciativa legislativa, escondendo as questões de fundo e o essencial do que está em causa em matéria de financiamento partidário.


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Esta campanha, pela dimensão que assumiu e pela ausência de possibilidades dadas a quem se propusesse esclarecer devidamente tudo o que estava em causa e desmentir as atoardas com que os portugueses foram bombardeados através de jornais, rádios e televisões, gerou inevitavelmente interrogações, confusões e perplexidades. Importa por isso abordar este assunto com a profundidade e clareza que ele merece. 

Lei do financiamento
O ponto de partida deste processo é a famigerada lei de financiamento dos partidos aprovada em 2003, que no essencial ainda está em vigor, e que neste processo nem sequer seria alterada nos seus aspectos mais negativos. Esta lei, negociada entre o PS, o PSD e o CDS (mas de que o PS se demarcou à última hora) veio consagrar um aumento enorme das subvenções públicas aos partidos, ao mesmo tempo que limitou de forma drástica as possibilidades de angariação de fundos com recurso à actividade partidária, ao pagamento de quotas e à contribuição de militantes e simpatizantes.
Com afirmou Bernardino Soares no debate então realizado, a lei aprovada, «ao mesmo tempo que faz um aumento escandaloso das subvenções, pretende limitar a capacidade de intervenção e de iniciativa àqueles partidos que, pelo seu esforço próprio, pelo esforço dos seus militantes, pelo seu empenhamento, têm capacidade para recolher receitas próprias».
As dificuldades criadas a um partido, como o PCP, que não pretende viver à custa do Estado e cujo financiamento assenta essencialmente no esforço dos seus militantes e simpatizantes, passaram pela consagração de limites drásticos à possibilidade de angariação de fundos em numerário (que em 2018 não podem ultrapassar, na totalidade, 21 445 euros) e na imposição de limites às iniciativas de angariação de fundos, que em 2018 não podem exceder um montante global de 643 350 euros.
Basta verificar os números divulgados pelo Tribunal Constitucional quanto ao grau de dependência dos partidos relativamente às subvenções públicas (em que se vê que o CDS depende em 96% da subvenção pública enquanto no PCP só 11% das receitas decorrem da subvenção) para perceber quem se pretendeu atingir com esta lei e para perceber igualmente a atitude lamentável do CDS na oposição à remoção dos limites à angariação de fundos. 

Fiscalização arbitrária
A imposição de limites à angariação de fundos foi apresentada por alguns como uma medida de transparência e de limitação de financiamentos ilícitos. Nada mais falso. Desde logo porque a lei proíbe financiamentos por parte de pessoas colectivas (durante muitos anos foi o PCP o único partido a bater-se por essa proibição), proíbe financiamentos anónimos, impõe limites aos donativos individuais, e todo o tipo de receitas partidárias são obrigatoriamente depositadas em contas bancárias próprias. As receitas obtidas por via de iniciativas de angariação de fundos «constam de listas próprias e anexas à contabilidade dos partidos, com identificação do tipo de actividade e data de realização».
A par disso, a lei criou uma entidade para funcionar junto do Tribunal Constitucional (a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos) dotada de amplos poderes de fiscalização, que na sua prática concreta confundiu fiscalização com perseguição, conduzindo à margem da lei e ao seu livre arbítrio acções de devassa de iniciativas partidárias, impondo regulamentos sem base legal, alterando arbitrariamente regras por si estabelecidas e chegando até a apresentar queixas crime contra dirigentes partidários por causas tão absurdas como a realização de iniciativas em locais públicos a título gratuito.
O quadro gerado pela aplicação da lei de 2003 levou a que, 14 anos depois, fosse o próprio TC a reconhecer a necessidade de a alterar, invocando inclusivamente a inconstitucionalidade de algumas das suas disposições. 


Consenso geral, reunião pública e mentiras do CDS

O processo de alteração da lei do financiamento dos partidos resultou assim de uma iniciativa do Tribunal Constitucional junto da Comissão de Assuntos Constitucionais da AR. O presidente e o vice-presidente do Tribunal participaram em duas reuniões com a Comissão e elaboraram um memorando com as suas sugestões. Depois disso, funcionou um grupo de trabalho informal – dado que não havia qualquer iniciativa legislativa – com representantes de todos os grupos parlamentares, que procederam ao levantamento das disposições legais que poderiam reunir consenso para ser alteradas.
Para além das sugestões do TC, que foram acolhidas, embora o PCP tenha deixado claro que as soluções propostas quanto à competência própria da Entidade das Contas não seriam as suas soluções, foram consensualizadas cerca de uma dezena de propostas de alteração, de entre as quais, duas, não teriam o acolhimento do CDS. Em finais de Outubro, o texto assim acordado foi apresentado em Comissão (em reunião que foi pública), foi enviado para conhecimento ao TC (que juntou sugestões adicionais) e aos líderes parlamentares que, em Dezembro, subscreveram conjuntamente a iniciativa a apresentar e, em face da urgência reclamada pelo TC, decidiram em conferência de líderes, sem qualquer oposição, promover o respectivo agendamento para debate (que ocorreu em plenário em 21 de Dezembro). A mentira tantas vezes repetida de que houve um grupo de trabalho secreto e que foi votado sem discussão um texto que ninguém conhecia, não se transforma em verdade.

As razões invocadas pelo Presidente da República para vetar politicamente o texto aprovado (dissipadas supostas inconstitucionalidades que teriam sido invocadas por alguém para consumo mediático), de que a fundamentação das alterações à lei não teriam sido publicamente escrutináveis, corresponde à versão da comunicação social dominante, mas não corresponde à verdade dos factos. Aliás, a «onda de indignação» que se terá gerado na opinião pública foi claramente induzida pela opinião publicada, não com base em factos, mas assente em mistificações e em grosseiras deturpações do sentido e conteúdo das alterações aprovadas, como é fácil demonstrar.


Três falsas questões
Vejamos então.
As malfeitorias constantes das alterações à lei, supostamente negociadas em segredo e conluio entre os partidos (com exclusão dos impolutos CDS e PAN) teriam sido três: o efeito retroactivo da lei, o fim do limite para a angariação de fundos e a alteração do regime de IVA.
retroactividade foi sempre uma falsa questão. A norma votada, tal como foi sugerida expressamente pelo TC, reza o seguinte: «a presente lei aplica-se aos processos novos e aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor que se encontrem a aguardar julgamento, sem prejuízo da validade dos actos praticados na vigência da lei anterior». Basta ler a norma até ao fim para perceber que não se trata de nenhum efeito retroactivo, mas da aplicação de uma regra geral de direito no que se refere à aplicação das leis no tempo. Entretanto, a assunção pelo TC da paternidade do texto veio rapidamente afastar a tese da conjura interpartidária que havia sido difundida.
A segunda questão, relativa ao fim do limite para angariação de fundos, foi já em larga medida explicitada atrás. Quando foi aprovada em 2003 esta norma tinha um claro destinatário: era o PCP que se pretendia atingir. Porém, a sua aplicação tem produzido efeitos reconhecidamente indesejáveis e absurdos para todos os partidos que não dependam quase exclusivamente do Estado. E por outro lado, há uma questão essencial: a que título e com que legitimidade se retira o direito a angariar de forma lícita e amplamente fiscalizada os meios necessários para garantir a sua subsistência e actividade? A imposição de limites à angariação de fundos é uma absurda limitação sem qualquer sustentação constitucional à liberdade de actuação política dos partidos e à liberdade dos cidadãos contribuírem para a actividade partidária. A oposição do CDS à remoção do limite à angariação de fundos é própria de um partido que vive e quer viver quase exclusivamente à custa dos contribuintes e que convive mal com a liberdade de actuação de quem quer ter o direito de ser independente do Estado e de sustentar a sua actividade essencialmente à custa da contribuição financeira dos seus aderentes e do seu esforço próprio de angariação de fundos.
Resta a questão do IVA. Os partidos foram acusados de pretender aumentar as suas receitas alargando a isenção do IVA para além do que está previsto actualmente na lei. Chegámos até ao clímax da desonestidade quando um «jornalista» afirmou num programa de entretenimento da SIC que um dirigente partidário poderia fazer uma festa para os amigos em sua casa e ficar isento de IVA, se imputasse a despesa ao partido.
Importa então esclarecer o seguinte: a isenção de IVA para os partidos foi aprovada por unanimidade em 2000, através da Lei n.º 23/2000, de 23 de Agosto. Não suscitou qualquer crítica nem foi objecto de qualquer contestação, nem da opinião pública, nem da opinião publicada. Nem sequer foi uma originalidade portuguesa. A própria Directiva Europeia sobre o IVA (2006/112/CE) prevê expressamente essa isenção.
Na lei actual a isenção do IVA está estabelecida nos seguintes termos:
– Imposto sobre o valor acrescentado na aquisição e transmissão de bens e serviços que visem difundir a sua mensagem política ou identidade própria, através de quaisquer suportes, impressos, audiovisuais ou multimédia, incluindo os usados como material de propaganda e meios de comunicação e transporte, sendo a isenção efectivada através do exercício do direito à restituição do imposto;
– Imposto sobre o valor acrescentado nas transmissões de bens e serviços em iniciativas especiais de angariação de fundos em seu proveito exclusivo, desde que esta isenção não provoque distorções de concorrência.
A questão colocou-se perante a aplicação que a Autoridade Tributária tem vindo a fazer quanto à primeira alínea, ao considerar que não estão isentas de IVA actividades partidárias como foram, por exemplo, as comemorações do centenário de Álvaro Cunhal. Faz algum sentido que a Autoridade Tributária possa considerar que as comemorações do centenário de Álvaro Cunhal não visam difundir a ideologia e identidade própria do PCP? Ou seja, a Autoridade Tributária entendeu substituir-se ao legislador e aplicar a lei ao seu modo, de forma casuística e discricionária. Impunha-se uma clarificação interpretativa do legislador e foi isso que se pretendeu fazer com a formulação adoptada: «aquisição de bens e serviços para a sua actividade». Evidentemente, a sua actividade política. E sem alterar a segunda alínea. 

PCP defendeu e defende redução das subvenções públicas
A imputação de que os partidos que aprovaram esta disposição pretendiam aumentar os seus proventos não encaixa com a orientação que tem sido seguida nos últimos anos relativamente ao montante das subvenções públicas. Basta lembrar que o PCP em 2010 apresentou uma proposta de corte de 40% nas subvenções públicas que foi rejeitada, tendo ainda assim as subvenções sido reduzidas em 10% (Lei n.º 50/2010); que em 2013 esse corte foi mantido até 2016 (Lei 1/2013); que em 2017 esse corte foi tornado definitivo (Lei n.º 4/2017) tendo o PCP renovado a sua proposta de corte de 40%; que em 2017 as subvenções foram congeladas no OE por proposta do PCP; e que para 2018 esse congelamento foi mantido.
É importante referir que o PCP não tomou nenhuma iniciativa de alterar a lei do financiamento dos partidos. Participou com seriedade nos trabalhos de revisão da lei, correspondendo ao apelo do Tribunal Constitucional. Subscreveu um conjunto de propostas de alteração da lei que, não sendo as suas, visavam melhorar alguns aspectos de uma má legislação.
Como foi afirmado em nome do PCP no debate que alguns dizem não ter havido, mesmo com aquelas alterações, a lei de 2003, que teve e tem a firme oposição do PCP, iria manter-se na sua matriz essencial e não passaria a haver uma boa lei.
Mas nestes precisos termos, o PCP não renega o que subscreveu e aprovou, nem se intimida perante campanhas de difamação, por mais poderosas que sejam.

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