segunda-feira, dezembro 20, 2021

 

 

INTERVENÇÃO DE JERÓNIMO DE SOUSA, HOMENAGEM A JOSÉ DIAS COELHO NOS 60 ANOS DO SEU ASSASSINATO

José Dias Coelho, exemplo de vida vertical e de dignidade revolucionária



Os anos podem passar, mas o seu Partido Comunista Português não esquece José Dias Coelho, não o esquecem os seus camaradas, não esquecem os antifascistas, não o esquecem os democratas e patriotas de hoje, e por isso aqui estamos, mais uma vez, a homenagear o militante revolucionário, o funcionário do Partido, clandestino, o homem de cultura e o artista que a polícia política do odioso regime fascista assassinou aqui, em Alcântara, há 60 anos.


Aqui estamos reafirmando e exaltando o seu exemplo de firme e corajoso combatente pela liberdade e pela democracia, pelo direito à livre criação artística e cultural, a sua dedicação à luta pela emancipação dos trabalhadores e do seu povo, à luta do seu Partido pela conquista da sociedade nova, pelo socialismo. 


Aqui estamos para que nunca se esqueça e perdure na memória das gerações vindouras o nome e o exemplo de José Dias Coelho e nele também o de todos os nossos heróis. 


Estamos aqui a homenagear José Dias Coelho, neste ano em que passam 100 anos de vida e de luta do Partido Comunista Português. E nós sabemos bem, porque é que este Partido Comunista chega até nós com a vitalidade e a capacidade de intervenção e com um projecto de futuro que tanto preocupa aqueles que vivem da exploração dos trabalhadores e do nosso povo. Foi porque contou nas suas fileiras com revolucionários da estirpe de José Dias Coelho, gente de uma coragem inaudita, dedicada militância, firmeza de convicções na justeza do ideal que abraçou. Gente de grande tenacidade, capaz de todos os sacrifícios e de tudo enfrentar.


Foi com o seu inestimável contributo em todas as gerações que se escreveu a história ímpar deste Partido Comunista Português. 


A história de um Partido que esteve sempre na linha da frente da luta dos trabalhadores e do nosso povo. Que tomou a vanguarda em todos os combates contra a exploração, a opressão e as desigualdades. Que lutou sempre, e em todas as circunstâncias e correndo todos os riscos, para derrotar a ditadura fascista, para afirmar e fazer avançar Abril, para defender os interesses dos trabalhadores e do nosso povo e o seu direito a decidir do seu futuro e a construí-lo com as suas próprias mãos. 


Foi em 19 de Dezembro de 1961 que a PIDE ceifou a vida de José Dias Coelho, tinha 38 anos. A esse homem generoso que tudo arriscou e tudo sacrificou, incluindo a sua carreira artística, como escultor, para se dedicar por inteiro à luta de libertação do seu povo. Exemplo de vida vertical e de dignidade revolucionária que os 60 anos que nos separam do seu brutal assassinato não conseguem apagar, porque na memória da nossa luta colectiva o seu nome, a sua obra e a sua vida de “artista militante e militante revolucionário” nunca deixou de estar presente na luta que prosseguimos e que ele honrou com o seu trabalho.


Nascido em Pinhel, em 1923, José Dias Coelho, vem para Lisboa com os seus pais, em 1938, onde frequentou o liceu. 

Em Portugal vivia-se o pesadelo da opressão e da violência do regime fascista com a ilegalização de todas as organizações do movimento operário e a proibição dos partidos políticos. 

Enfrentava, então, o nosso povo uma ofensiva brutal, sustentada numa acção e vigilância policial terrorista e numa política cultural que colocava como primeira preocupação a construção e consolidação do domínio político e ideológico da ditadura fascista. 


Uma política cultural claramente assumida como propaganda, falsamente denominada nova “política de espírito” e contra a qual José Dias Coelho não tardará a combater.


É em Lisboa, no Colégio Académico, onde conclui os estudos liceais, que toma contacto com algumas das mais destacadas figuras da cultura portuguesa do período da ditadura, entre os quais Bento de Jesus Caraça, Lopes Graça, Carlos Oliveira, Abel Manta, professores que a ditadura de Salazar persegue e é através deles que acede às tertúlias onde se rasgam e aprofundam os horizontes da sua cultura humanística e democrática, se apura a sua sensibilidade artística e estética e faz crescer nele esse traço da sua personalidade que o acompanhou até ao fim da vida – o da sua revolta contra as injustiças sociais e a opressão. 


Frequenta a Escola de Belas Artes de Lisboa, onde vai cursar arquitectura e depois se fixar na escultura. É nesta altura que José Dias Coelho adere à Federação das Juventudes Comunistas e inicia a sua actividade política na frente da solidariedade, particularmente para com os presos políticos e as famílias atingidas pela repressão fascista. Estávamos em 1942 e este era um tempo de grandes lutas e de uma grande dinâmica do movimento de oposição à ditadura que se vão prolongar nos anos seguintes. Vamos encontrá-lo nesse período a participar nas actividades do MUNAF e do MUD e nos trabalhos da sua Comissão de Escritores e Artistas Democráticos, lutando por dar espaço ao papel libertador da arte. 


Foi o trabalho realizado neste âmbito, no qual José Dias Coelho se empenhou, que permitiu renovar a direcção da Sociedade Nacional de Belas Artes, através de um trabalho sistemático de atracção e adesão de jovens artistas antifascistas, influenciando os seus órgãos directivos. Trabalho que abriu caminho à organização da primeira Exposição Geral das Artes Plásticas, como espaço de confluência de artistas de várias correntes e sensibilidades, liberto das pressões de carácter político ou estético. 


Exposições Gerais que vão desempenhar um inquestionável papel, quer na renovação do panorama artístico português, no combate ao preconceito e aos obscurantismos estéticos, quer no desenvolvimento e fortalecimento da unidade antifascista dos intelectuais portugueses. 


Por lá passaram artistas consagrados, lado a lado com as novas camadas de artistas que também eles se haveriam de afirmar no futuro como criadores marcantes da arte portuguesa. 


Nas Exposições Gerais das Artes Plásticas onde se deu também um grande incremento à gravura. Essa forma de arte que José Dias Coelho executou durante os anos que viveu na clandestinidade, para ilustrar peças da imprensa clandestina, nomeadamente para sublinhar artigos do nosso “Avante!”.

Foi neste espaço congregador da diversidade da criação artística que se aglutinou o que de mais válido e significativo surgiu nas artes plásticas em Portugal.


A actividade de José Dias Coelho desdobra-se entre o trabalho artístico, a actividade e intervenção política e social. 


No trabalho artístico e na sua carreira de escultor começa a ser reconhecido pelas obras que executa, nas quais se destacam as cabeças de Alves Redol, Fernando Namora e Sá Nogueira. 


Na sua actividade de criador de arte, partilha um atelier com Pomar e outros. Ilustra contos de José Cardoso Pires. Continua a produzir, desenhando e esculpindo. Trabalha para encomendas e para expor, mas também executa ilustrações, como as do livro de Alexandre Cabral, “O Sol Nascerá um Dia”. 

Travará com os seus companheiros artistas e seus amigos importantes batalhas pela dignificação da cultura e das instituições culturais, mas também outras pela paz e no decurso das quais sofre as consequências do arbítrio e da repressão fascista. 


Estará no apoio e em tarefas de organização na candidatura do general Norton de Matos à Presidência da República e é em plena campanha, no dia 1 de Janeiro de 1949 que a PIDE o prende, que o encerra incomunicável, durante 10 dias no Aljube. 


José Dias Coelho tem uma activa participação em todas as lutas estudantis e políticas e culturais dos anos quarenta e cinquenta e em meados destes anos cinquenta, em Outubro de 1955, parte para uma outra mais difícil, mais dura e mais perigosa batalha. Mergulha na luta clandestina contra o regime que oprimia o seu povo, como funcionário do Partido Comunista Português. 


Nesse Outono, José Dias Coelho deixava para trás as primeiras encomendas de escultura e a sua mais que certa consagração como artista de grande nível. Deixava os amigos. Deixava tudo, para se dedicar por inteiro à luta de libertação do nosso povo e contra a ditadura fascista opressora.


José Dias Coelho sabia o alcance da sua decisão de escolher a vida de funcionário clandestino. Sabia o caminho dos grandes perigos que era preciso percorrer, até à liberdade, ou à prisão ou à morte. Esse caminho de “obscura heroicidade” como ele próprio o caracterizou para nos dar conta da vida de gerações de outros clandestinos. Decisão que revela a nobreza e a firmeza das suas convicções quando aceita trocar a perspectiva de uma vida artística promissora e a consideração de uma vida cheia de relações sociais pela modesta, mas essencial, tarefa de pôr de pé uma oficina de falsificação de documentos destinados à defesa dos camaradas clandestinos. 


Muitas outras tarefas tomará nas suas mãos no virar da década de sessenta. Essa década do “Rumo à Vitória”. Uma década que José Dias Coelho inicia com a sua integração na direcção do Partido em Lisboa, com a responsabilidade do sector intelectual. É o regresso ao trabalho de construção da unidade antifascista junto dos intelectuais. A sua última tarefa será a preparação do trabalho unitário de organização da campanha das eleições fascistas de Novembro de 1961 que a Oposição aproveitava para desmascarar a guerra colonial que havia irrompido no início desse ano de 1961. 


Este era um tempo de agudização de todas as contradições da ditadura. O ano de 1960 tinha-se iniciado com a fuga de Peniche que restituiu à liberdade o camarada Álvaro Cunhal e outros dirigentes do Partido. Uma dura derrota para o regime e o seu aparelho repressivo e não tardaria outra – a audaciosa fuga de Caxias de dirigentes e militantes comunistas que há dias assinalámos. 


Um tempo de apontar novos caminhos, visando um "levantamento nacional" contra o regime. Um tempo de crescimento e reanimação das forças democráticas e da luta de massas. 


Acontecimentos que faziam estremecer os alicerces do regime. A repressão era, mais uma vez, o único recurso de uma ditadura odiosa e em crescentes dificuldades. O PCP, a força impulsionadora de Resistência ao fascismo, sofria as consequências da vaga repressiva que a todo o custo e sem olhar a meios prendia, torturava e matava. 


José Dias Coelho tombou para sempre às balas assassinas desse regime brutal, tecendo armas neste combate desigual pela libertação do seu povo. A vida de um revolucionário chegou ao fim, mas não a luta que ele honrou.


Essa continuou e venceu em Abril de 1974 e continua hoje, porque inacabada ficou essa Revolução libertadora, porque ficaram por cumprir muitas das suas causas que hoje continuamos a tomar em mãos e porque no horizonte permanece a luta por uma sociedade livre da exploração do homem pelo homem. 


São essas causas que alimentam os nossos combates de hoje e dão coerência e sentido a esse futuro que queremos construir.


A causa do direito do nosso povo ao desenvolvimento soberano, livre das imposições e submissões impostas do exterior, sejam as antigas que ainda permanecem, sejam as novas que resultam das imposições da União Europeia e do Euro. 


A causa que exige a recuperação de instrumentos de soberania, o controlo público dos sectores e empresas estratégicas, a aposta na produção nacional como questão decisiva para o emprego, o desenvolvimento e a diminuição da dependência e endividamento externos.


A causa que exige romper com a política de direita e de submissão aos interesses do grande capital nacional e transnacional promovida pelas forças que, à vez, têm governado o País nas últimas décadas. 


A causa da valorização do trabalho e dos trabalhadores, dos seus justos interesses e direitos. Uma causa que, na sua realização, exige a valorização geral dos salários, do Salário Mínimo Nacional e do salário médio, das carreiras e das profissões, o combate à precariedade, a eliminação das normas gravosas da legislação laboral, designadamente com a revogação da caducidade da contratação colectiva e a reposição do princípio do tratamento mais favorável ao trabalhador, repondo a negociação colectiva.


Tal como a valorização das pensões de reforma de quem trabalhou, garantindo a actualização anual de todas as pensões, incluindo das que estiveram congeladas, assegurando a reposição e valorização do poder de compra e o direito à reforma sem penalização nas longas carreiras contributivas.


A causa dos direitos das crianças, garantindo nomeadamente creches gratuitas para todas as crianças e a construção de uma rede pública de creches.

Estas são causas que dão expressão concreta à grande causa do combate às desigualdades e injustiças sociais. 


A causa do direito do nosso povo à saúde, à educação, à habitação e à mobilidade, por funções sociais e serviços públicos de qualidade. 


Premente nos dias de hoje é a causa da defesa e o reforço do Serviço Nacional de Saúde. A grave situação do SNS exige respostas imediatas. Entre outras medidas, é fundamental instituir a opção de dedicação exclusiva dos médicos e enfermeiros. É preciso também garantir incentivos que tornem atractiva a sua opção, pela fixação em zonas carenciadas, tal como se impõe a construção de infraestruturas já decididas e programar o conjunto de outras, inclusivé obras de reabilitação e requalificação do parque de instalações do SNS. 


centenas de milhar de alunos, vinculando todos os professores com três ou mais anos de tempo de serviço. Ao mesmo tempo, é preciso avançar para a contratação de milhares de trabalhadores não docentes. 


Tal como é preciso assumir no domínio da cultura uma política que assegure condições de trabalho aos seus profissionais e à criação artística, concretizando no imediato a nossa proposta de 1% do Orçamento do Estado para a cultura. 


É preciso responder aos velhos e novos problemas com que o País está confrontado em matéria de habitação e transportes. É preciso revogar a Lei do Regime de Arrendamento Urbano e a adopção de um quadro legal que combata a especulação e regule preços, e nos transportes impõe-se assegurar a progressiva gratuitidade dos transportes públicos, a começar pela gratuitidade até aos 18 anos desde já.


A causa por uma justa política fiscal que enfrente a corrupção, os privilégios e a fuga do grande capital ao pagamento de impostos.


A causa do desenvolvimento económico ao serviço do povo e do País. Causa que exige hoje avançar de facto com a sua reindustrialização, substituir importações por produção nacional, promovendo o desenvolvimento da agricultura, da pesca, visando a soberania e segurança alimentares. 


Estas são, entre outras, causas que não encontram resposta nas forças que, à vez, têm governado o País nas últimas décadas. 


Causas que estão no centro das lutas sociais dos trabalhadores e do nosso povo e que a nossa luta coloca como necessárias assegurar na exigente batalha eleitoral para a Assembleia da República que agora se colocou e que, com confiança, vamos travar, por um Portugal desenvolvido, mais justo e soberano e que reclama a urgência de uma política alternativa, patriótica e de esquerda, como a que defende o PCP e a CDU. 


Mudou muita coisa desde que José Dias Coelho prematura e dramaticamente nos deixou, mas permanecem as injustiças e as desigualdades, e permanece este seu Partido que hoje continua determinado a percorrer os incessantes caminhos da vitória sobre elas. Este Partido que continua de pé, determinado, confiante e combativo a olhar e a caminhar para a frente, confiante nas suas próprias forças e na força das nossas convicções, transportando o nosso projecto transformador e emancipador. 


Hoje estamos aqui evocando o exemplo de José Dias Coelho, porque honramos e jamais esquecemos os nossos lutadores, os nossos heróis, por quem nutrimos um profundo respeito e admiração. 


Foi com homens da sua grandeza humana e coragem que se construiu a Resistência ao fascismo em Portugal. É o seu exemplo de firmeza serena, de convicções e de carácter que nós, com orgulho comunista, queremos guardar para sempre como património da nossa luta colectiva para se projectar na afirmação do nosso projecto comunista por um Portugal mais livre, mais justo e mais solidário.


1 comentário:

Olinda disse...

Grande intervenção!Como diz Jerónimo de Sousa,os comunistas não esquecem Dias Coelho.Bjo