Texto que li na introdução ao debate SALÁRIOS, EMPREGO, PRECARIEDADE-pobreza de quem trabalha, promovido pela/na CGTP-Intersindical, 03.12.2021:
Bom dia,
camaradas
É com enorme satisfação que venho colaborar numa iniciativa da CGTP-Intersindical, cujos primeiros passos tive o prazer e o orgulho de ter acompanhado, já lá vai meio-século. Se isto é sinal da minha provecta idade, é também motivo para meu reconhecimento por estar a rejuvenescer um pouco… sem cair na tentação de ficar lembrando o passado mas para tentar contribuir, por quase nada que seja, para que se avance. Como tão necessário é, neste caminhar do ser humano que se faz de avanços e recuos, por vezes com dois passos atrás depois de um grande passo em frente, que os passos atrás não podem anular.
A contribuição que se espera de um economista será a de que traga números, porque se instalou (foi sendo progressiva, ou regressivamente, instalada) a ideia de que é esse o seu negócio. Mas, assumindo-me como economista, recuso, liminarmente, ser negociante do que quer que seja e, para isso, manipulador de números. Os números são uma conquista do ser humano na sua caminhada e serviriam para representari a realidade (o mundo) que vivemos, que se luta para transformar, para humanizar.
Ora a economia é, ao menos também, uma ciência
social, e é como ciência social que se deve servir dos números e do que eles
representam ou deveriam representar, nas suas virtudes e limitações.
Acontece que aos números se foi acoplando uma coisa
chamada cifrão, o que, se começou por ajudar a representação, foram sendo
aproveitados por interesses de classe social, para tudo confundir.
Em lugar destacado, com a quantificação-base de
quase tudo, e instrumento para tudo, com um conceito, o PIB, acrescente-se-lhe per capita, ou paridades de poder de
compra. E com outros aproveitamentos como, em particular no que respeita ao
tema das desigualdades, com os dados recolhidos através
do fisco, dos documentos de declaração fiscal.
À perda de credibilidade da representação da
realidade com base na unidade de medida moeda, seja dólar, euro ou outra
qualquer, perdida a ligação ao real, ao material, ao concreto, desde a decisão
da inconvertibilidade do dólar em 1971, junta-se uma representação das
desigualdades e da sua realidade a ter como base o que bem se sabe haver de
sonegação e fraude nessas declarações, e posições de classe impedem de corrigir
e de penalizar.
Daqui, a ilacção de se deverem abandonar as análises, as negociações, as contratações, por terem por fundamento representações viciadas da realidade?
De modo algum. Mas há que usá-los – aos números –
com a consciência e a clara afirmação de que o que se analisa, negoceia,
contrata, tem por base o que não é um retrato fiel da realidade mas o que a
deforma, a desfigura e por vezes a caricatura.
Os números com que se pretende a representação da
realidade não escondem as
desigualdades e a situação de pobreza, ou do risco de pobreza, e em que
condições, embora apenas sejam material para trabalhar… com cuidados mil.
Só para dar uma ideia das dificuldades, tendo que
pegar nos números e trabalhá-los, as fontes para uma coisa chamada coeficiente ou índice de Gini (indicador de desigualdade na distribuição de
rendimentos-definição do INE) são o Banco Mundial, as Nações Unidas (PNUD),
o INE, a Prodata, a CIA…, ora para 2019, a publicação destaque do INE adianta o
número 36,5, o GES da CGTP, com base no Inquérito às condições de vida do INE, diz ser 31,2 (mais favorável,
por ser tanto mais baixo quanto a desigualdade decresce), outra publicação do
INE, 41,3. Pergunta-se: qual o que melhor representa a desigualdade?
Não importarão muito as diferenças neste índice de
Gini, porque cada fonte tem as suas fontes, tem os seus critérios de cálculo,
mas já importará (e muito) dizer que qualquer dos valores revela afastamento de
0 (que seria o que diria não haver desigualdade) e quanto mais alto maior a
desigualdade, pois 1 quer dizer que apenas UM indivíduo ou agregado fiscal
teria o rendimento de todos.
Mas há outros indicadores mais fáceis (para
leigos interessados em saber, e por isso
- na versão de cultura integral do indivíduo - mais cultos que especialistas
desinteressados do que sabem). Por exemplo, quantas vezes 10% dos agregados
fiscais com rendimentos mais altos é superior ao rendimento de 10% dos de
rendimentos mais baixos.
No documento que trabalhei, essa relação é de 7
vezes, o que quer dizer que 10% dos agregados fiscais declara um “rendimento bruto deduzido de IRS liquidado”
que em um ano é igual ao rendimento de outros 10% dos agregados em 7 anos. E
não resisto a tirar deste exemplo a contra-prova da qualidade meramente
indicativa destes números, muito longe de poderem representar a realidade,
sabendo todos como a fuga ao fisco, todas as Conta-habilidades legais (e de que
leis?) ou fora da lei, desvirtuam (tiram virtude) às fontes e a estes
indicadores.
No ratio 10% de maiores rendimentos 10% de menores
(o chamado P90/P10), a municipalização do indicador revela serem os concelhos
de Lisboa e Porto os mais desiguais – 10,3 e 9,7 – acompanhados pelos concelhos
de Murtosa-Aveiro e Cascais – 9,3 e 9,2 –, que serão, naturalmente, concelhos
onde se localizarão as mais altas declarações fiscais, só acompanhados, acima
de 9, pelo concelho Vila do Porto, Açores, o que é curioso e merecedor de
estudo, por ser pequeno concelho de 2.682 agregados fiscais (Lisboa, 317.490,
mais de 5 milhões na totalidade) e onde não deverá ter havido qualquer fuga na
declaração dos rendimentos. Para encerrar esta abordagem, que daria pano para
muitas mangas, apenas refiro que o concelho com menor desigualdade é o de
Alandroal, com 32,9 no Gini (41,3 para Portugal, 48,1 para Lisboa) e 4,7 de
P90/P10.
Introduzo, um pouco de passagem, uma questão que se diria ideológica e que é um esclarecimento da maior importância: o relevo dado às desigualdades sociais e o combate ao seu agravamento, como a luta pela sua diminuição, não alberga qualquer conceito ou pré-conceito de igualitarismo, na perspectiva do economista social.
E uma outra, que serve de bengala às minhas reflexões: a de que as desigualdades sociais têm causas e configurações agravantes de diverso tipo e origem, mas na raiz de todas elas, na formação social que vivemos, está numa relação social de base; na relação social marcada pela postura de classe perante o trabalho, para uma a sua força enquanto mercadoria, para outra a sua realização como libertador, por via directa ou induzida, da sujeição à natureza, via ou meios de satisfazer necessidades humanas, cada vez mais humanizadas.
Procurando não sair do tema proposto, terei tergiversado um pouco. Mas a “ponte” das desigualdades à pobreza de quem trabalha é evidente, e um documento do GES da CGTP percorre-a com grande rigor e passo certo.
Há muitas décadas, quando os economistas saídos da
escola que agora tem nome em inglês e abusa da designação business, a repartição
do Rendimento Nacional (RN) pelos factores
de produção trabalho e capital era uma peça fundamental para análise da
evolução social, designação mais clara que a que agora mais se utiliza de PIB
(Produto Interno Bruto) de certo modo as duas faces de uma mesma moeda.
(...)
1 comentário:
Isto dos números tem muito que se lhe diga.Ao ler a exposição,veio à minha memória,que aparecia semestralmente uma funcionária do INE à minha loja,e apontava o preço de N artigos.Quando voltava a aparecer eu dizia-lhe:" Tenho com o mesmo valor,mas de qualidade inferior,não é a mesma coisa".Dizia-me ela,"Não faz mal,o que interessa é o preço,eles depois trabalham os números."Ora,quem veste de ruim pano,veste duas vezes ao ano.E tínhamos pano para mangas.Bjo
Enviar um comentário