sexta-feira, março 31, 2023

A DIPLOMACIA DE ARMAS EM PUNHO

"Mãos ao ar!"

 - Nº 2574 (2023/03/30)

(Im)parciais

Opinião

«A diplomacia em primeiro lugar», prometida por Biden ao chegar à Casa Branca, parece uma piada de mau gosto quando se assiste à escalada desenfreada do dito orçamento da «Defesa». Depois de terem aprovado para 2023 o maior orçamento militar da história, os EUA preparam-se este ano para romper todas as barreiras e alocar mais de 950 mil milhões de dólares às despesas militares, o que coloca a fasquia da corrida para a guerra à beira de 1 bilião de dólares.

Segundo o órgão online Truthout, citando dados do Projecto Custos de Guerra da Brown University, na origem da escalada desenfreada de custos está uma estratégia de superação militar global, incluindo 750 bases militares dos EUA espalhadas por todos os continentes, excepto na Antártida; 170 000 soldados estacionados no estrangeiro e operações «antiterroristas», agora rebaptizadas «de combate ao extremismo violento», em pelo menos 85 países.

Com cerca de 100 ogivas nucleares armazenadas na Europa, em bases aéreas na Bélgica, Alemanha, Itália, Países Baixos e Turquia; com bases militares da NATO na Estónia, Letónia, Lituânia, Noruega e Polónia – todos fazendo fronteira com a Rússia –, e com a adesão da Finlândia e a Suécia na calha, os EUA classificam de «perigosa e irresponsável» a decisão de Moscovo de colocar armas nucleares na Bielorrússia, enquanto a União Europeia considera que tal facto seria uma «escalada irresponsável e uma ameaça à segurança europeia». O busílis da questão, como se comprova, não é a arma, mas o dono: o nuclear é bom se for americano e mau se for russo. E isto apesar de os EUA continuarem a deter o exclusivo de um ataque nuclear.

A mesma lógica preside à desvalorização e menosprezo das iniciativas de paz, como a apresentada pela China para pôr fim à guerra na Ucrânia, em contraponto com o entusiástico acolhimento ocidental da decisão do TPI de emitir, no curto espaço de um ano, um mandado de detenção contra o presidente russo, Vladimir Putin, acusando-o do crime de guerra de deportação ilegal de crianças.

No calor do aplauso «esqueceu-se» que o Promotor Kan responsável pela medida é o mesmo que em 2021 abandonou a investigação dos líderes americanos e seus aliados por crimes de guerra no Afeganistão. O inquérito preliminar foi iniciado em 2007, mas a autorização para a investigação oficial demorou 13 anos a chegar. O TPI reconheceu que havia motivos razoáveis ​​para acreditar que tinham sido cometidos crimes de guerra, incluindo tortura, ultraje à dignidade pessoal, estupro e outros tipos de violência sexual nos centros de detenção, no entanto, em 2021, depois das sanções de Trump, «investigação imparcial» passou a visar só talibãs e membros do ISIS. É a «Justiça» Ocidental.

Não há guerras limpas, bem sabemos. Mas por isso mesmo é que não se pode pactuar com a hipocrisia.

Anabela Fino

sábado, março 25, 2023

A caminho de uma nova (outra) ordem internacional

O ABSURDO COMO REGRA... POR ENQUANTO 

 - Nº 2573 (2023/03/23)

Regras...

Opinião

Os EUA e seus lacaios deixaram de falar em direito internacional, assente nos princípios da Carta da ONU, e falam agora numa «ordem internacional baseada em regras». O significado das «regras» imperialistas está à vista. Este mês passam 20 anos da invasão do Iraque pelos EUA, 24 anos do começo dos bombardeamentos da NATO sobre a Jugoslávia, 12 anos dos bombardeamentos da NATO sobre a Líbia e da guerra por procuração contra a Síria. Todas elas guerras ilegais, assentes na mentira, que causaram milhões de mortes e desalojados, destruíram países, deixaram atrás de si o caos e a ocupação. Os responsáveis por estes crimes e mentiras (como Clinton, Bush, Blair, Obama) dormem tranquilos. Agora, o Tribunal Penal Internacional emite um mandato de captura contra o presidente russo e a Comissária Presidencial para os Direitos das Crianças por – pasme-se – organizar a evacuação de crianças do Donbass em guerra, considerada «rapto».

Tranquilo anda o primeiro Presidente da Ucrânia após o golpe de 2014, Porochenko, apesar de, ao lançar a guerra contra o Donbass, ter declarado que «as nossas crianças irão à escola e ao jardim escola, enquanto que as deles ficarão fechadas em caves» (www.youtube.com/watch?v=aHWHqj8g7Bk).

Biden congratulou-se com a decisão do TPI. Mas não só os EUA não aderiram ao TPI, como ameaçaram prender os juízes que ousassem investigar os crimes de guerra dos EUA no Afeganistão (france24.com, 10.9.18) e sancionaram a sua Procuradora Bensouda (BBC, 2.9.20). O então Conselheiro de Segurança Nacional Bolton, afirmou: «Vamos proibir os seus juízes e procuradores de entrar nos Estados Unidos. Vamos sancionar os seus fundos no sistema financeiro dos EUA e vamos acusá-los no sistema penal dos EUA. Faremos o mesmo com qualquer empresa ou Estado que ajude investigações de americanos pelo TPI» (BBC, 11.9.18). Bolton acrescentou que a intenção dos palestinianos levarem Israel ao TPI pelos seus crimes de ocupação «foi uma das razões que levou o governo dos EUA a encerrar a missão diplomática palestiniana em Washington» (BBC, 11.9.18).

Obama e Biden mantiveram os EUA fora do TPI. Desde 2002 existe uma lei dos EUA, aprovada no Senado por 30 Democratas e 47 Republicanos, conhecida informalmente como a Lei da Invasão da Haia (a cidade holandesa onde o TPI tem sede), pois permite aos presidentes dos EUA usar «todos os meios necessários e adequados para obter a libertação de qualquer funcionário dos EUA e aliados que seja detido ou encarcerado pelo, em nome de, ou a pedido do, TPI».

Que o TPI não faz justiça sabem-no bem os países africanos, pois até 2020, «todos os julgamentos do TPI [...] dirigiram-se apenas contra africanos» (BBC, 2.9.20). A União Africana apelou ao abandono pelos países africanos do TPI (BBC, 1.2.17).

As «regras» das potências imperialistas são as coloniais: o total arbítrio para impor a sua dominação pela força. «Regra» há só uma: a defesa do grande capital imperialista e da sua hegemonia planetária. É também a «regra» dos cassetetes sobre os trabalhadores franceses enquanto se entregam biliões de dinheiros públicos aos banqueiros. Por detrás da hipócrita farronca está a decadência dum sistema em colapso, que nada tem para oferecer a não ser miséria, guerra e mentira.

Jorge Cadima


As palavras em pino

 - Nº 2573 (2023/03/23)


Padrões imorais
Opinião

Miguel Morgado foi assessor político do primeiro-ministro Pedro Passos Coelho entre 2011 e 2015 e, daí até 2019, deputado do PSD. Hoje é investigador na Universidade Católica e acaba de editar o livro Guerra, Império e Democracia – a Ascensão da Geopolítica Europeia. Em entrevista recente à Antena 1, a propósito da sua obra, discorreu sobre os padrões morais que alegadamente regem a geopolítica das potências europeias (ou de raiz europeia, como os Estados Unidos), imposta ao mundo há mais de dois séculos.

Aos microfones da rádio (como seguramente nas páginas do livro), Morgado garante que «fazer política internacional em nome dos direitos humanos, em nome de práticas democráticas, é uma inovação europeia». E, observando o inexorável fim do predomínio ocidental, antecipa que «todas as formas espirituais, culturais e políticas que a Europa exportou e impôs ao mundo vão agora começar a entrar em regressão»: o mundo que aí vem, garante, será «muito menos receptivo à democracia e aos direitos humanos».

Tivesse sido um caso isolado e a coisa não mereceria o relevo que aqui lhe é dado. Acontece que a tese não só não é original como prolifera diariamente nos meios do comentário político e da produção que se diz académica. E tem outro problema, mais grave: é que é muito difícil, senão mesmo impossível, descobrir onde param os tais padrões morais, hoje e nos últimos duzentos e tal anos…

Não estiveram seguramente presentes na Conferência de Berlim que em 1884-85 lançou a colonização efectiva do continente africano e, com ela, o genocídio de povos, os massacres, trabalho forçado e a segregação racial, a expropriação de terras, a transferência compulsiva de populações, a destruição das anteriores formas de organização social. É também tarefa árdua tentar encontrá-los nas guerras coloniais impostas aos povos de África e da Ásia que lutavam pela sua libertação e emancipação: no Quénia e na Argélia, no Vietname e na Coreia, em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau. Ou nas múltiplas formas de ingerência com que os EUA e demais potências imperialistas procuraram impedir caminhos soberanos de desenvolvimento: com os golpes contra Mossadegh, no Irão, ou Lumumba, no Congo; as ditaduras militares da Operação Condor por toda a América Latina; os criminosos bloqueios impostos aos povos de Cuba, Venezuela ou Síria; apartheid na África do Sul ou a ocupação da Palestina.

E onde estava essa moral no inferno nuclear de Hiroxima e Nagasáqui, na destruição da Jugoslávia, do Iraque e do Afeganistão? Esteve porventura presente quando se negava à maioria da população mundial o acesso a vacinas e outros medicamentos?

Se estes padrões morais estão em risco, isso é uma boa notícia. Para desespero dos morgados e daqueles a quem servem…

Gustavo Carneiro

  

sábado, março 18, 2023

Pelos quotidianos de cada um/a; pelo futuro da Humanidade

---------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------
  - Nº 2572 (2023/03/16)


Máquina de guerra

Opinião

A guerra na Ucrânia continua a não ter fim à vista, com os EUA, a NATO e a UE a aumentarem as suas despesas militares para alimentarem o conflito com a entrega de mais armamento à Ucrânia, para esta, em seu nome, combater e enfraquecer o que dizem ser a «ameaça imediata» que representa a Rússia. No entretanto, somam-se as baixas militares, as vítimas civis, a destruição de localidades em ambos os lados, uma tragédia, particularmente para os povos ucraniano e russo.

Com a máquina bem oleada, geram-se lucros astronómicos da indústria militar, em especial para o complexo militar-industrial dos EUA, que nos últimos quatro anos representaram cerca de 40% das exportações globais de armas (dados do Instituto Internacional de Pesquisa sobre a Paz de Estocolmo – SIPRI). Percebe-se, neste sentido, a falta de interesse na paz, quando para os senhores da guerra valores mais altos que as vidas humanas se levantam. A guerra é um negócio e não há nada mais rentável que criar a insegurança e a desestabilização para alimentar a corrida aos armamentos. A devastação e horror da guerra não contam na lógica da imposição a todo o custo do domínio do imperialismo norte-americano.

Como não lhes chega a guerra na Ucrânia, a contínua desestabilização do Médio Oriente ou os conflitos em África, o imperialismo está apostado na provocação e instigação da tensão e do conflito na região Ásia-Pacifico, apontando à China, arregimentando os seus aliados na região, com destaque para a Austrália e o Japão.

Os acontecimentos atropelam-se. Taiwan tem sido utilizada como instrumento da estratégia de confrontação crescente do imperialismo contra a República Popular da China. A intensificação da cooperação militar entre EUA e Taiwan e a aprovação, no início deste mês, por parte do Departamento de Estado da administração norte-americana, de uma venda de armas e equipamentos no valor de 619 milhões de dólares, são a mais recente afronta à soberania e integridade territorial da China, que tem reiterado o «princípio de uma só China», a não aceitação da interferência de forças externas e de actividades separatistas.

O AUKUS – bloco político-militar entre EUA, Reino Unido e Austrália, criado contra a China – realizou, esta semana, a sua cimeira anunciando que a Austrália vai adquirir submarinos nucleares. A China acusa os EUA e o Reino Unido, duas potências nucleares, de não respeitarem o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares e de, ao transferirem tecnologia e materiais nucleares, ferirem a paz e a estabilidade na região.

Também esta semana, o Reino Unido lança o documento de Revisão da sua política externa onde rotula a China como «desafio sistémico e definidor de uma era» e referindo por mais do que uma vez a questão de Taiwan.

A aposta na desestabilização da região Ásia-Pacífico tem-se claramente intensificado. A linha do imperialismo norte-americano em estabelecer uma «nova ordem com regras» e garantir o seu domínio hegemónico passa pelo confronto, planeado e preparado, com aquele que aponta como seu «adversário estratégico», a República Popular da China. Um perigoso caminho belicista que os EUA estão a trilhar, que passa também pela guerra na Ucrânia e que ameaça a paz global e todos os povos do mundo.

 

Cristina Cardoso

Notas & aponta mentes

 "isto" foi escrito há uns dias. estava em pousio. com outras coisas. até ontem. até à leitura do a talhe de foice da Anabela Fino. que me exigiu divulgação (à minha medida). valerá a pena? prejudicial não será...

10.03.2023

 ...

Muito tempo desperdiçado. Porque não agarrado entre os dedos que se atiram às teclas para que o vivido não se perca de todo no tempo vivido e irrecuperável. E as marcas deixadas, talvez (… ou logo) esquecidas, não é que para isso foram - letras e palavras  -juntas e que são apenas (em vez de são apenas, deveria ter escrito teriam sido?) teriam sido o que sobrou do que foi vivido.

Do que se viveu. Hoje.

Hoje, voltei ao quase-diário. Em mais um regresso, ou mais uma tentativa de uma continuidade, de um prolongamento. Nesta luta contra o envelhecimento, recusando o envilecimento, não deixando que adiamentos vençam com a ajuda do excesso e do cavalgar de projectos sobre projectos.

Já estão rascunhadas umas notas de introdução sobre palavras-chave e a passwords. A serem rastilho para tópicos de que deixo, agora, simples referências-compromissos.

abc»»»#»»»123

 Com palavras entre nós comunicamos, nos entendemos ou nos desentendemos.

 Para a compreensão das cousas, e para a abertura de textos ou de “portas” e amplo “átrios” de diversificadas espaços de relacionamentos humanos são, por vezes, indispensáveis palavras-chave nuns casos, e/ou passwords noutros.

Umas são erigidas em paradigmáticas, e sendo todas conceitos, ganham uma dimensão conceptual absoluta,  de valores, e – por isso mesmo – são utilizadas para sustentáculos civilizacionais quando o seu uso, a prática que deles decorre (ou em  seu nome), os contraria, desmente, nega, agride. São palavras-chave para a compreensão das cousas e das mudanças de que é composto o mundo.

 A outras atribui-se-lhes a função aparentemente anódina de nada se querer dizer com elas, de serem apenas um código, de terem uma função tão-somente convencionada e completamente independente do seu significado dicionário, são as passwords, por vezes importante salvaguarda para reservas de privacidades e éticas.

Podem parecer palavras de universos diferentes, mas podem encontrar-se-lhes muitos ângulos de aproximação convergentes. Não se pretende especular, em abstracto com o confronto de dois pontos de partida e abordagens em abstracto e especulativas, mas, observando a realidade que hoje e aqui (mas não só aqui) se vive, saltaram estas notas de reflexão introdutórias (a quê?...).

abc»»»#»»»123

A tratar em notas & aponta mentes futuros:

Público e privado                OSCE – RTP e eu (1975)        

(Dia da Mulher)        Direito à saúde e mercado da doença e geriatria

       ideologia                     desigualdades sociais e direito à saúde

Direito à informação e luta de classes            Verdade e mentira


Glorifica-se a verdade a mentir!


  - Nº 2572 (2023/03/16)


Novilíngua

Opinião

Quando Orwell publicou o seu famoso 1984, em meados do século passado, o futuro sombrio imaginado pelo autor britânico serviu de arma psicológica na Guerra Fria do Ocidente capitalista contra o Leste a dar os primeiros passos na construção do socialismo. A realidade encarregou-se de demonstrar que o Big Brother, o pensamento único, o 2+2=5 (na vertente actual das fake news), eram afinal apanágio da dita civilização ocidental e hoje, quase 75 anos depois, o livro ganha nova actualidade, com a Inglaterra, que ironia, na vanguarda da edificação de um Ministério da Verdade que modifica obras para as pôr conforme com a mentalidade vigente do «politicamente correcto».

Na berlinda estão as obras de Roald Dahl, célebre escritor britânico autor de livros infantis tão populares como Charlie e a Fábrica de Chocolate ou Matilde, que a editora Puffin Books decidiu modificar para as expurgar da «linguagem ofensiva». Baseando-se em critérios estabelecidos sabe-se lá por quem, deixa de haver gordospequenos homens ou homens nuvem, e passa a haver brutos,pequenas pessoas ou pessoas nuvem. Até a referência ao uso de perucas é visado: apontadas em As Bruxas como servindo para esconder a careca, na nova edição acrescenta-se nova explicação: «Há muitas razões pelas quais uma mulher pode usar uma peruca e certamente que não há nada de errado nisso.» É quase hilariante.

A mesma sorte espera a obra de Ian Fleming, autor do 007, que vai ser revista para remover referências consideradas racistas ou ofensivas.

A iniciativa faz lembrar outra, mais antiga, de um procurador do Ministério Público Federal brasileiro que há mais de uma década intentou uma acção contra o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. E porquê? Porque nas acepções para a palavra «cigano», o dicionário, cumprindo a sua função, além das definições correntes, refere as de sentido pejorativo, assim as identificando, tais como «trapaceiro» e «velhaco». O procurador, adepto da borracha, considerava isto ofensivo, preconceituoso e racista.

É a novilíngua imaginada por Orwell, destinada a adulterar registos tidos por inapropriados para dar a impressão de que nunca existiram. É a construção deliberada de buracos da memória, o reescrever da história ao sabor dos ditames do presente. É a imposição de uma «normalidade» bem mais grave do que a censura, fomentando o «duplipensar» de Orwell, que faz com que se aceite duas crenças contraditórias ao mesmo tempo, sem ter noção de que se trata de uma contradição. Glorifica-se a verdade mentindo deliberadamente, do Iraque à Síria, da Palestina ao Afeganistão, do Kosovo à Líbia, do Vietname a Cuba.

Como no mundo distópico de Orwell, Guerra é Paz; Liberdade é Escravidão; Ignorância é Força. Benvindo às fogueiras do século XXI.


Anabela Fino