A história da Rua da Murteira
(de serventia a rua e o caminho às avessas)
Era uma vez uma serventia. Por ela passavam os vizinhos na prática de uma boa convivência e respeitando hábitos ancestrais. Por ela se faziam mais curtos os percursos das fainas, se tocava o gado, se cruzavam e saudavam as gentes.
Assim foi durante tempos – anos, décadas, nalguns casos séculos – e, de tanto caminhadas, certas serventias se tornaram caminhos, de tão pisadas, começaram a ser terra de todos e não dos que seus donos tinham sido e aos outros as abriram.
Um dia, por decisão dos eleitos autárquicos, o caminho que era conhecido por uma designação popular (ou por mais que uma) passou a ter nome oficial, com registo “civil” e “baptismo” de placa toponímica. Foi em Assembleia de Freguesia, em 24 de Setembro de 1989 que a rua nasceu, com o registo 4005, com o nome de Rua da Murteira e com os seus limites fixados. Com direito a placa identificadora.
O tempo passou – o tempo nunca deixa de passar… e, neste caso, os anos somam já mais de década e meia, e entretanto mudou o século e o milénio.
Poucos benefícios terá tido a rua, mas recebeu iluminação pública, e por ela se ia à e vinha da missa, se chegava ao cemitério, se alcançava o centro da povoação, das Fontaínhas. Como antes se fazia pela serventia, depois pelo caminho, agora pela rua. Pela rua iluminada. Pública. De todos.
Eis que, estranhamente, parece que a Câmara teve dúvidas e quis saber se a rua era rua, se o caminho fora caminho, se a serventia fora serventia. E perguntou à Junta.
A Junta, em vez de responder com a decisão que a freguesia tomara há 16 anos, com o nome – se julgasse necessário, com a fotografia da placa toponímica que não nasceu ali mas ali foi posta –, talvez acrescentando alguma manifestação de estranheza pela pergunta, em vez disto, a Junta foi perguntar às pessoas. E com as respostas que recebeu, deu a sua resposta à Câmara.
Na sequência desta estranha consulta, muros altos, ao que parece mais altos que o que licenciado fora, foram levantados até aos limites da rua e, a seguir, foi cortada a rua com o prolongamento desses muros fechando um espaço e impedindo que a rua continuasse rua.
Como se não bastassem os muros, fora dos muros levantados, máquinas escavaram-se e encravaram-se grandes pedregulhos no que tinha sido passagem de pessoas para que nem até ao muro as pessoas pudessem chegar-se e, muros adentro, remexeu-se a terra agredindo-a na epiderme e onde mergulham raízes, retiraram-se os candeeiros de iluminação pública, que públicos eram. Perante quem, tendo poder delegado por eleição, impotente se mostrou.
Como foi isto possível? Como é isto possível?
Como é possível que uma serventia que se tornara caminho e que, de caminho, se transformara em rua, tenha feito o sentido contrário da história?
Como é possível que se tenha ignorado o que rua era, que se tenha cortado o que caminho tinha sido, que tenha deixado de ser – e de ter – serventia de todos o que como serventia nascera?
Como é possível que tenha passado à condição primeira, de propriedade e uso apenas de um, o que era público há tanto tempo que se perde na memória dos tempos, e que tem nome e registo de rua há mais de década e meia?
Espero que se venham a conseguir algumas respostas para estas questões, e para outras que por detrás destas estão, e se encontrem formas de repor o sentido da história e da História (a repetição e a maiúscula são propositadas!) na Assembleia de Freguesia Extraordinária que sexta-feira, dia 5 de Agosto, se vai realizar na Atouguia.
(de serventia a rua e o caminho às avessas)
Era uma vez uma serventia. Por ela passavam os vizinhos na prática de uma boa convivência e respeitando hábitos ancestrais. Por ela se faziam mais curtos os percursos das fainas, se tocava o gado, se cruzavam e saudavam as gentes.
Assim foi durante tempos – anos, décadas, nalguns casos séculos – e, de tanto caminhadas, certas serventias se tornaram caminhos, de tão pisadas, começaram a ser terra de todos e não dos que seus donos tinham sido e aos outros as abriram.
Um dia, por decisão dos eleitos autárquicos, o caminho que era conhecido por uma designação popular (ou por mais que uma) passou a ter nome oficial, com registo “civil” e “baptismo” de placa toponímica. Foi em Assembleia de Freguesia, em 24 de Setembro de 1989 que a rua nasceu, com o registo 4005, com o nome de Rua da Murteira e com os seus limites fixados. Com direito a placa identificadora.
O tempo passou – o tempo nunca deixa de passar… e, neste caso, os anos somam já mais de década e meia, e entretanto mudou o século e o milénio.
Poucos benefícios terá tido a rua, mas recebeu iluminação pública, e por ela se ia à e vinha da missa, se chegava ao cemitério, se alcançava o centro da povoação, das Fontaínhas. Como antes se fazia pela serventia, depois pelo caminho, agora pela rua. Pela rua iluminada. Pública. De todos.
Eis que, estranhamente, parece que a Câmara teve dúvidas e quis saber se a rua era rua, se o caminho fora caminho, se a serventia fora serventia. E perguntou à Junta.
A Junta, em vez de responder com a decisão que a freguesia tomara há 16 anos, com o nome – se julgasse necessário, com a fotografia da placa toponímica que não nasceu ali mas ali foi posta –, talvez acrescentando alguma manifestação de estranheza pela pergunta, em vez disto, a Junta foi perguntar às pessoas. E com as respostas que recebeu, deu a sua resposta à Câmara.
Na sequência desta estranha consulta, muros altos, ao que parece mais altos que o que licenciado fora, foram levantados até aos limites da rua e, a seguir, foi cortada a rua com o prolongamento desses muros fechando um espaço e impedindo que a rua continuasse rua.
Como se não bastassem os muros, fora dos muros levantados, máquinas escavaram-se e encravaram-se grandes pedregulhos no que tinha sido passagem de pessoas para que nem até ao muro as pessoas pudessem chegar-se e, muros adentro, remexeu-se a terra agredindo-a na epiderme e onde mergulham raízes, retiraram-se os candeeiros de iluminação pública, que públicos eram. Perante quem, tendo poder delegado por eleição, impotente se mostrou.
Como foi isto possível? Como é isto possível?
Como é possível que uma serventia que se tornara caminho e que, de caminho, se transformara em rua, tenha feito o sentido contrário da história?
Como é possível que se tenha ignorado o que rua era, que se tenha cortado o que caminho tinha sido, que tenha deixado de ser – e de ter – serventia de todos o que como serventia nascera?
Como é possível que tenha passado à condição primeira, de propriedade e uso apenas de um, o que era público há tanto tempo que se perde na memória dos tempos, e que tem nome e registo de rua há mais de década e meia?
Espero que se venham a conseguir algumas respostas para estas questões, e para outras que por detrás destas estão, e se encontrem formas de repor o sentido da história e da História (a repetição e a maiúscula são propositadas!) na Assembleia de Freguesia Extraordinária que sexta-feira, dia 5 de Agosto, se vai realizar na Atouguia.
(publicado no NO de 5 de Agosto de 2005)
7 comentários:
O "bichinho" mordeu!
Votos de bons escritos.
Obrigado pela estimulante visita.
Refere-se ao "bichinho blogueiro"?
Sou muito atreito a ser mordido por "bichinhos" que contribuam para a comunicação.
Este blog é mais um local de encontros, estes relativamente reservados. Com santas citas e similares. Apareça sempre!
Sérgio,
o SAnta Cita é um amigo de longa data dos nossos blogs.
Para que conste, foi a alma que me ensinou a juntar os comentários do blogextra.
O ano passado ele prometeu ir visitar a Som da Tinta, para conhecer aquele magnífico ambiente.
Nunca apareceu???
Para Luís (e para "Santa Cita")
Conhecia o Santa Cita de comentários aos blogs pelo que a visita a este meu recatado cantinho foi uma alegria e um estímulo.
Quanto à outra visita, menos virtual e mais real, ao Som da Tinta não sei se a terá feito mas, se a fez, não se identificou.
Lá, e cá, o esperamos, caro Santa Cita.
Abraços
Caros Amigos,
(Permitam-me que os trate assim que é assim que vos sinto.)
Convosco, aprendo.
Um forte abraço a ambos e continuem o vosso excelente trabalho.
(E não, ainda não tive o prazer de conhecer "in loco" a Som da Tinta. Em breve será.)
Não há novidades da Assembleia de Freguesia de 05 de Agosto?
Beijinho. Tita
Ó Tita essa pergunta deu-me satisfação!
Já vieram notícias no No e no Notícias de Fátima. Interessantes mas sem irem ao âmago. Isto acho eu...
Entretanto saíu o nº 32 do jornalinho Notícias de Cá com alguma outra informação.
O caso, que é escandaloso, vai dar pano para muitas mangas.
A partir desta pergunta, sinto-me obrigado a aqui publicar algo.
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