sexta-feira, novembro 07, 2008

Materialismo histórico - 33 (mais-valia)

Mais-valia significa, de uma forma geral, suplemento ou excedente de valor. Aplica-se em várias circunstâncias. O reforço de uma equipa de futebol, um imposto sobre o que viu acrescido o seu valor fiscal.
Mas mais-valia é um conceito fulcral no marxismo-leninismo. Se, em materialismo histórico, se remontar à origem das trocas de coisas com valor de uso, estas trocas fazem-se entre equivalentes, isto é, tendo custado, em princípio, o mesmo dispêndio de horas de trabalho, ou de emprego da força de trabalho. Pelo que não é na circulação que se pode encontrar a origem da mais-valia. Mas, sim, na produção.
A jornada de trabalho, no sistema capitalista, divide-se em duas partes. Durante uma parte (t), o trabalhador que vende a sua força de trabalho contra um salário, produz, sob a forma de coisas, de mercadorias, um valor equivalente ao valor dessa força de trabalho (tempo de trabalho necessário); durante a outra parte da jornada de trabalho (t’), o trabalhador não tem retribuição (salarial ou outra), o que quer dizer que ele produz, também sob a forma de mercadorias, um valor suplementar (sobre-trabalho) de que se apropria o proprietário dos meios de produção, que não só comprou as horas de força de trabalho do trabalhadores do tempo de trabalho necessário como as outras mercadorias necessárias à produção, sem que destas lhe tenha advindo valor suplementar.
Reportando-nos ao anterior episódio, o proprietário dos meios de produção trocou capital dinheiro por capital constante (K) e por capital variável (V). Relativamente a K a troca, de uma forma geral, é equivalente; relativamente a V, apenas retribui com o necessário para que o trabalhador satisfaça as suas necessidades, isto é, apenas retribui o tempo de trabalho que lhe é necessário ao trabalhador para viver ou sobreviver, tedo esta expressão a ver com as necessidades do momento (histórico)!Assim, a mais-valia resulta da exploração da classe operária pela classe burguesa, enquanto proprietária dos meios de produção. O grau de exploração pode medir-se pelo sobre-trabalho (ou tempo de trabalho não pago) sobre o trabalho necessário (ou tempo de trabalho pago) (t’/t).
Dir-se-á que esta formulação é simplista e está ultrapassada porque o funcionamento da economia não tem - ou já não tem - esta simplicidade. É certo que o funcionamento da economia não tem – ou já não tem – esta simplicidade, mas também é certo que nada se pode compreender do funcionamento da economia, ou do que quer que seja, se não se for ao que é o seu cerne, ao que, ao tornar-se mais complexo o funcionamento, não deixou de ter as suas raízes, não passou a viver sem o seu alimento essencial, vital. O capitalismo não pode viver sem a exploração do homem pelo homem, através da criação e apropriação de mais-valia.

6 comentários:

samuel disse...

Mais um texto claríssimo...
Não há capitalismo sem exploração, por muito que, quando dá jeito, se queira dourar a pílula.
De qualque modo, a minha apreciação resulta enevoada por uma limitação que arrasto há muito comigo. Não consigo ouvir falar de capitalistas e mais-valia, na mesma frase... sem ficar inundado de trocadilhos parvos prontos a saír... e lá se vai a seriedade!

Abraço

Sérgio Ribeiro disse...

Èpá!, não te inibas. Esta coisa da seriedade das coisas é uma coisa que não pode ser encarada com demasiada seriedade na abordagem das coisas. Sacralizadamente. Às vezes, um bom (e aparentemente parvo) trocadilho ajuda a entender e a vencer a aridez de uma exposição demasiado séria. Aliás, ou se é sério ou não se é. A forma de o ser depende de cada um e de cada momento. Chiça... que raio de discurso! Deve ser da matutina hora e da noite pouco dormida.

Anónimo disse...

Este texto é claro. Quem tiver ouvidos para ouvir, ouça.

Maria disse...

Só não entende quem não quer...
160 anos depois ainda anda gente a dizer que mais valia que quem escreveu sobre a mais-valia tivesse ficado quieto e calado...
... como se fosse possível ignorar a exploração desenfreada do capitalismo, que há-de levar à sua morte.

Beijos

Anónimo disse...

Viva, Xô tôr.

A novela, agora, começa a ser interessante. Um pormenor de somenos, um leve desvio em relação à ortodoxia, dá-lhe o cunho apimentado que faltava. Sei que anda atarefado a explicar teses ao rebanho. Responda a este comentário se quiser e quando puder.

O Barbas/Marx disse que as mercadorias, incluindo a força de trabalho, eram trocadas pelos seus valores. Em conformidade, a troca das mercadorias, de todas as mercadorias, era uma troca equitativa, uma troca de equivalentes, e o trabalhador ao vender a sua mercadoria ficava quite. Disse também que a mais-valia, o tal valor suplementar, era criado pela utilidade da força de trabalho para fornecer mais valor do que o seu próprio valor, para fornecer mais trabalho do aquele que fora necessário para a sua produção.

O Xô tôr, à sua conta, desvia-se do enredo original tal como ele foi descrito pelo autor, e faz umas simplificações abusivas. Afirmou, da sua lavra, num episódio anterior, que a troca da força de trabalho é uma troca desigual, ao contrário do que sucede com a troca das restantes mercadorias. Neste episódio, afirma que a jornada de trabalho está dividida em duas partes, uma para o trabalhador (trabalho necessário), outra para o capitalista (trabalho excedente). Afinal, em que ficamos? A troca das mercadorias é uma troca equitativa, de equivalentes, como disse o Barbas/Marx, ou é uma troca desigual? Ou a troca de umas mercadorias é uma troca equitativa e a troca da força de trabalho é uma troca desigual? Ou no capitalismo isto é como no feudalismo, em que o servo trabalhava uns tantos dias para si (trabalho necessário) e o resto dos dias para o senhor das terras (trabalho excedente)? Tem de decidir-se: é fiel à ortodoxia e respeita o autor e a sua concepção, tal como a dos ideólogos burgueses, de que a troca, em geral, é uma troca equitativa; ou abraça a heterodoxia e reconhece que a troca da força de trabalho, ao contrário (aparentemente) da troca das restantes mercadorias, é uma troca desigual! Não pode é proclamar haver duas leis para reger o mesmo fenómeno, a troca das mercadorias, e pretender que mesmo assim respeita a concepção do Barbas/Marx.

Porque, veja, Xô tôr: se a troca da força de trabalho é uma troca desigual, é precisamente através dessa troca desigual que ocorre a apropriação de uma parte do valor pelos capitalistas. Em conformidade, esta parte do valor é apropriada na troca, e não na produção das mercadorias. Na produção das mercadorias é gerado o seu valor; na troca das mercadorias, na relação social da troca, é gerada a apropriação duma parte desse valor. Na troca, de facto, não é gerado qualquer valor, apenas é gerada a apropriação e uns se apropriam de valor fornecido por outros. E é essa parte do valor apropriada que é a famosa mais-valia. Está a acompanhar? Também em conformidade, a parte do valor apropriada é a que é paga a menos ao trabalhador na troca da mercadoria que ele vende; não é qualquer parte suplementar que seja criada pela mercadoria que o trabalhador vende. Está topando? Porque, veja: nada fornece mais do que contém, seja lá o que for que contenha (valor ou outra coisa qualquer). Nem mesmo essa mercadoria mágica que o Barbas/Marx inventou, a força de trabalho, tem o virtuosismo de contrariar as leis mais elementares da física. Encaixou?

Depois, veja bem: o modo de produção capitalista caracteriza-se pela produção de mercadorias, toda a produção é efectuada tendo como objectivo a troca. A produção destas mercadorias é efectuada através de outras mercadorias. O valor das mercadorias só pode resultar do valor das outras mercadorias que foram usadas na sua produção. Está a topar? O Barbas/Marx, para escapar do buraco em que o Ricardo havia caído para explicar o lucro, teve de inventar que o valor das mercadorias não era resultado do valor das que entravam na sua produção, mas da utilidade de uma mercadoria especial de corrida, a força de trabalho. Essa tão especial mercadoria era dotada de uma utilidade muito especial, a de produzir trabalho, e este trabalho, além de ter a utilidade de criar a utilidade das restantes mercadorias, alterando-lhes as formas, as qualidades, os lugares, etc., ainda tinha a especialíssima utilidade de lhes criar o seu valor. O valor aparecia, assim, como sendo criado pela utilidade e não pelo valor. Está acompanhando?

Ora, até a garotada sabe que a utilidade gera utilidade, não gera valor, tal como as gaivotas geram gaivotas e não zebras. Porque carga de água haveria de ser a utilidade da mercadoria força de trabalho, o trabalho, a criar o valor das outras mercadorias? Qualquer coisa não bate certo, não é? O valor das mercadorias deveria ser criado pelo valor daquelas que entram na sua produção (aliás, como o próprio Barbas/Marx disse). Ou não? É claro, se assim fosse, e se as mercadorias fossem trocadas pelos seus valores, como os ideólogos burgueses diziam e o Barbas/Marx aceitou como verdade, não era possível explicar a origem do lucro. Então, para que essa explicação fosse possível, sobrava uma alternativa: ou o valor das mercadorias era criado pela utilidade duma mercadoria para fornecer mais valor do que o seu próprio valor, e o lucro era esse valor a mais; ou o valor era criado pelo valor das mercadorias que participavam na produção, e o lucro só poderia ser o valor a menos que o trabalhador recebia pela troca desigual da mercadoria que vendia. Está a topar, ou isto vai muito depressa?

O Barbas/Marx adoptou a primeira alternativa: o lucro seria o valor a mais criado pela utilidade duma mercadoria especial, uma utilidade deveras útil. Como uma tal mercadoria não existia, teve de inventá-la: a força de trabalho. Até aí, o trabalho fora identificado como sendo a mercadoria vendida pelo trabalhador assalariado. Mas, é claro, se o trabalhador vendia o seu trabalho, não havia como justificar a criação do lucro, pois uma quantidade de trabalho não tinha a faculdade de se transformar noutra quantidade maior. Tornava-se necessário identificar como mercadoria vendida pelo trabalhador outra mercadoria que não o trabalho. Nada melhor do que a mágica força de trabalho. Mesmo que o trabalhador não pudesse fornecer força de trabalho aos seus compradores, continuando a fornecer-lhes trabalho. Deste modo, o trabalhador venderia ao capitalista força de trabalho, capacidade de produzir trabalho, mas, como não consegue entregar-lhe capacidade de produzir trabalho, entrega-lhe trabalho. E assim um vendedor venderia um produto e forneceria outro. Isto só no reino da fantasia. Não lhe parece, Xô tôr?

Duma penada, o Barbas/Marx contrariou as leis da inferência válida, as leis da física, etc.; não contrariou foi o pensamento burguês dominante de que as mercadorias eram trocadas pelos seus valores (o que, de facto, nem acontecia, nem acontece, nas trocas entre os próprios capitalistas, embora tenda a ocorrer precariamente, através da concorrência nos ramos e da mobilidade dos capitais). É a errada concepção da origem do valor como criação da utilidade, assim como a errada concepção do lucro como sendo criado pela utilidade mágica duma especialíssima mercadoria para produzir mais valor do que o seu próprio valor, a inventada força de trabalho, constituindo uma completa inversão da realidade, contrariando todo o conhecimento disponível, que são tidas como as grandes inovações do Barbas/Marx.

É claro que a exploração existe, no capitalismo como noutros modos de produção que o antecederam. Toda a gente reconhece a sua existência. O que está e sempre esteve em causa é explicá-la. Já o D. Ricardo havia dito que o trabalho era a medida do valor, e o A. Smith também já havia dito que o trabalho passado comandava (comprava) mais trabalho presente. Qualquer deles não explicou como era gerado o lucro. E foi este problema magno que o Barbas/Marx pretendeu ter resolvido, através da invenção duma mercadoria mágica, a força de trabalho, que tinha o “dom” (palavra dele) de fornecer mais trabalho do que aquele que fora necessário para a sua produção, trabalho suplementar “que nada custava ao trabalhador”, contrariando a física mais elementar. Está a topar a trapaça? E como a troca era uma troca equitativa, ninguém roubava nada a ninguém. Uns tinham a felicidade de comprar a mercadoria mágica que produzia o lucro. Ehm! Tudo nos conformes, certinho, direitinho! Que tal, como explicação científica da exploração? Trigo limpo, Farinha Amparo!

Engraçado é os marxistas afirmarem que o trabalhador fornece ao capitalista trabalho, e não força de trabalho (capacidade de produzir trabalho), na quantidade de X horas, e recebe trabalho (na forma de produtos transformados pelo trabalho), na quantidade de X-Y horas, e continuarem alegremente a repetir as patranhas do Barbas/Marx de que o trabalhador venderia força de trabalho, que a venderia pelo seu valor, e que o valor apropriado seria um valor a mais gerado na produção por aquela mercadoria mágica, e não um valor a menos pago na troca. Afinal, o trabalho excedente (excedente em relação a quê?) é trabalho não pago (na troca desigual entre o trabalhador e o capitalista) ou é trabalho produzido a mais pela força de trabalho, pertença do capitalista, e, como tal, não é pago nem deixa de ser pago, porque não tinha de ser pago. Para ser trabalho não pago, o trabalho teria de ser a mercadoria vendida pelo trabalhador. Então poderia afirmar-se que o trabalhador venderia X horas de trabalho e receberia X-Y horas de trabalho, e que Y horas de trabalho era trabalho não pago. O Xô tôr, como professor catedrático de economia, e, enfim, prior desta paróquia e oficiante noutra paróquia maior, deveria estar em condições de perceber que isto não tem nada a ver com a ciência. Pelos vistos, não está! Bem, se não está, o que dizer dos seus paroquianos, incluindo o cantigueiro e os outros ainda mais atarefados a governarem a vida e que apenas têm tempo para se preocuparem com a economia doméstica?

Desculpe o lençol, mas como bem sabe isto dá pano para mangas.

A. Fagundes, um criado às ordens de vocelência para qualquer explicaçãozinha suplementar.

Justine disse...

Mais-valia tornou-se um lugar-comum, uilidado a despropósito e a torto e a direito.
É bom que seja explicado assim, com clareza.