quinta-feira, março 12, 2015

Também acho...

Vai por aí um grande alarido por o Presidente da República ter feito um retrato, a traço grosso, das qualidades que deve ter o próximo inquilino do Palácio de Belém. Não faz sentido. A haver um alarido devia ser para pedir a Cavaco Silva para detalhar ainda mais as características do futuro Presidente da República e do futuro primeiro-ministro. Se devem ser altos. Ter movimentos rígidos. Caminhar como se tivessem engolido uma vassoura. Coisas importantes para seguirmos a sua douta opinião quando formos chamados a votar para o substituir em Belém. 

O Presidente é criticado quando fala ou quando está calado. Há quem diga que ele fala quando devia estar calado e devia estar calado quando fala. São os maldizentes do costume, que tem problemas lá em casa (como Cavaco lembrou há muitos anos) e não é nada justo. O Presidente fala com voz grossa quando o governo não lhe agrada (caso do executivo de José Sócrates) ou o governante não lhe caiu no goto (Santana Lopes) ou quando as medidas lhe pesam nos bolsos (cortes nas pensões decretados pelo atual governo, que o atingiram violentamente). E está calado quando há descalabros na Educação ou na Justiça – mas isso decorre do juízo que faz de que os colapsos no sistema informático da Justiça ou a barafunda na colocação de professores são coisas perfeitamente normais e, logo, a confirmação do regular funcionamento das instituições.

Ora o que disse demais o Presidente? Que o seu sucessor tenha alguma experiência no domínio da política externa e uma formação, capacidade e disponibilidade para analisar e acompanhar os dossiês relevantes para o país. É assim uma coisa tão fora do contexto? Na verdade, são características que só excluem Rui Machete de se candidatar ao cargo, dada a sua manifesta incompreensão do mundo atual. Mas Marcelo Rebelo de Sousa, que fala de todos os assuntos, de economia ao ténis, obviamente não pode ser excluído. Santana Lopes também não, até porque já veio lembrar a sua experiência como primeiro-ministro durante seis meses. A Durão Barroso o fato veste-lhe como uma luva. Mas a António Guterres também. E António Vitorino, que foi comissário europeu, está igualmente na corrida. E Sampaio da Nóvoa pode sempre apresentar o cartão de visita de conselheiro do governo brasileiro para a educação. Claro que, se chegarem a Belém têm de ler uns dossiês. Mas também não parece que isso assuste os putativos candidatos.

As características que Cavaco enunciou como sendo essenciais para o seu sucessor, na verdade só excluem Rui Machete de se candidatar ao cargo, dada a sua manifesta incompreensão do mundo atual. Todos os outros podem manter as suas esperanças de chegar a Belém.

Portanto, à semelhança de tantas coisas que já disse, Cavaco Silva é muito lapalissiano neste prefácio de mais um volume dos seus Roteiros. E como também ninguém liga ao que ele diz, não se percebe o alarido. Mais importante foi o Presidente ter dito que os problemas de Passos Coelho com o fisco e a segurança social são lutas político-partidárias, pelo que se abstinha de os comentar – até porque já cheira a campanha eleitoral.

Ora os problemas de Passos com a Autoridade Tributária e com a segurança social não foram inventados pelos jornalistas ou pelos partidos da oposição: existem e foram reconhecidos pelo primeiro-ministro. Depois, um primeiro-ministro que também exigiu aos portugueses nestes três anos em matéria fiscal, em que tantos contribuintes foram penhoradas pelas suas dívidas para com o Estado, e que teve ao longo deste período um discurso culpabilizador para os cidadãos não pode arranjar meia dúzia de desculpas esfarrapadas, que foi mudando várias vezes e sair lampeiro e airoso de tudo isto. Mas o Presidente da República assim não entende e logo lhe veio pôr a mão por cima (ou por baixo, como se quiser): são jogos políticos e é a campanha eleitoral a aquecer.

Lá está: Cavaco não deveria ter falado sobre o tema. Ou se falasse, como falou, não deveria ter dito o que disse. Mas é assim tão estranho? Esperava-se algo diferente? O Presidente amparou o Governo sempre que este mostrava sinais que se podia desconjuntar; e o Governo apoiou-se sempre no Presidente quando os escolhos surgiam no caminho. 

Para falar verdade, este novo tomo dos Roteiros vai fazer companhia aos outros oito anteriores. Ficam muito bem na estante a criar pó.

2 comentários:

Olinda disse...

As quatro linhas sublinhadas a amarelo,dizem bem sobre o mandato medîocre e antidemocrâtico do PR.

Bjo

Olinda disse...

As quatro linhas sublinhadas a amarelo,dizem bem sobre o mandato medîocre e antidemocrâtico do PR.

Bjo