Tive o privilégio de viajar de avião (pelo menos) três vezes tendo por companhia próxima (não desejada… de parte a parte, julgo eu) o dr. Mário Soares. Ou de não viajar, como foi aquela, já aqui relatada, em que Sua Excelência faltou ao embarque, em Maio ou Junho de 1974, por não se “rebaixar” a viajar numa TAP “proletarizada”, sem a primeira classe que a Swissair lhe oferecia, quer-se dizer, saindo mais caro aos cofres do Estado.
Da segunda vez, Mário Soares não tinha escolha. Foi uns tempos depois, no começo dos anos 80, e o voo era entre a cidade da Praia e o aeroporto do Sal, o único que nos levava à e trazia da República de Cabo Verde. E os TACV, que faziam essa “ponte”, só tinham espaço, e pouco, para uma classe.
Foi uma viagem inesquecível, para mim.
Era o meu regresso de uma missão de cooperação, pela OIT/BIT (quando a cooperação era, também, solidariedade e não o negócio e a satisfação de clientelas partidárias em que, depois, se tornou).
Estivera na noite anterior no Djonsa, na Fazenda, em despedida fraterna, e fizera praticamente uma “directa”. No caminho, conduzido pelo Xavier, cuja mulher também regressava nesse voo, ainda passámos pelo “plateau” e o “jeep” encheu-se com a miudagem que ele comportava, e que queria despedir-se de mim (do “artista”, como me chamavam o Eliseu, o Elísio, o Val e todos os “mini-pop”*).
Chegados ao aeroporto, feitos os despachos e as pesagens, prontos para embarcar, a primeira surpresa/emoção: os putos que não tinham cabido no “jeep” apareceram, esfalfaldos da correria com que se tinham atirado “plateau” abaixo e amarinhado até ao aeroporto. Não queriam deixar de se despedir de mim... e foram as primeiras lagrimitas a despontar.
Passado um bocado, quase na hora do embarque, aparece a segunda surpresa/emoção. Alguns amigos, que tinham ficado no Djonsa à espera que a manhã nascesse – e não tinham malas para fechar e transportar… – apareceram, com o Didi Marreco e o Zézinho, e fui acompanhado até ao avião ao som dos seus violinos na “hora di bai”.
Lá me aguentei mas, ao chegar ao meu lugar e tempo de “apertar os cintos”, desatei num pranto desabalado.
Foi aí que entrou o dr. Mário Soares. Que estava no avião, vindo da salinha dos VIPs, e observava a cena. Regressava de uma visita de atarefado “caixeiro viajante” da Internacional Socialista, para convencer o PAICV a entrar para o grupo e, decerto, se desmarcar de outras más companhias.
E então não é que a Graça, a mulher do Xavier, talvez perturbada com o meu choro e querendo acudir-me, ao colocar uma cesta de fruta na acanhada bagageira, dá com ela na cabeça do Mário Soares que, se não estava incomodado, mais incomodado ficou.
Depois, ao chegar ao Sal, perdemo-lo. Deve ter ido para a sala de espera a que, homem de todos os direitos, tinha direito e, no voo Sal-Lisboa, terá viajado lá na frente, na 1ª classe de uma TAP já “em recuperação”, sem incómodos companheiros de viagem com violinos que não eram para ele, e cestas de fruta que lhe batiam na cabeça.
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• - esta dos mini-pop será uma outra estória…
4 comentários:
Que linda viagem. Que linda a tua história de vida!!!
Só foi pena que o cesto de fruta não rachasse a cabeça ao M.S.(isto é brincadeira.) Sério,sério é o que se refere à tua viagem e à tua vida tão completa.
Um beijo.
"ora di bai é triste é ora de sentimento ora di bai é triste é ora di sofrimento". mais ou menos assim. uma das mais belas mornas.
Que histórias que tu arranjas para nos dar a conhecer a tramoia que urdiste com a mulher do Xavier para dar uma marrada com a cesta da fruta na cabeça dura do Soares. E dizes tu que choraste que nem um desalmado, pudera.
Pena não estar lá eu também, teríamos combinado outras coisas, sei lá, um saco que cai da bagageira, a água que se entorna mesmo no colo do homem e depois tirar-lhe uma fotos logo à saída do avião, para então sim jazer jus à aversão de Soares pela turística.
Atenção, atenção, não tirem daqui ideias e depois venham dizer que fui eu que as alimentei. Eu até gosto de andar de avião, em turística claro, que em executiva não sei o que seja.
HORA di bai...
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