sexta-feira, junho 17, 2011

Leituras e releituras - Cesário Verde (em Helder Macedo)

4 estrofes de "irmãozinhos" do poema Em Petiz, de Cesário Verde (1855-1886):

(...)
E o resto? Bandos de selvagenzinhos:
Um nu que se gabava de maroto;
Um, que cortada a mão, coçava o coto,
E os bons que nos tratavam por padrinhos.

Pediam fatos, botas, cobertores!
Outro jogava bem o pau, e vinha
Chorar, humilde, junto da cozinha!
"Cinco-réizinhos!... Nobres benfeitores!..."

E quando alguns ficavam nos palheiros,
E de manhã catavam os piolhos:
Enquanto o sol batia nos restolhos
E os nossos cães ladravam, rezingueiros!

Hoje entristeço. Lembro-me dos coxos,
Dos surdos, dos manhosos, dos manetas.
Sulcavam as calçadas, as muletas;
Cantavam, no pomar, os pintarroxos!»

Em Nós - uma leitura de Cesário Verde, escreve Helder Macedo:

«/...)
Ao reintegrar os factos reais da sociedade rural na visão idealizada do campo arcádico, Cesário estava a fazer uma crítica moral profunda e radical não só dessa falsa visão mas também da classe social cujos valores essa visão reflectia. Com efeito, que “Em Petiz” continha qualquer coisa de gravemente ofensivo para a ordem social estabelecida é confirmado pela reacção escandalizada que a sua publicação provocou. O “Diário Ilustrado”, porta-voz dessa reacção, foi ao ponto de imputar a Cesário o tipo de atitude que o poema tão eloquentemente ataca (…) É óbvio que Cesário Verde não considerava que caridade individual e palavras de conforto nas colunas dos jornais fossem suficientes para vestir e alimentar os “irmãozinhos”. E deve ter desejado que o seu poema provocasse uma reacção de revolta por causa das condições sociais e não por tê-las revelado.
Porque o que Cesário faz neste poema é destruir, por dentro, a visão convencional do campo sorridente e ameno que ele próprio tinha adoptado nos seus primeiros poemas.»

(p. 137)

3 comentários:

Fernando Samuel disse...

Boa série de «leituras e releituras».

«Nós» é, talvez, o mais completo estudo sobre a obra de Cesário - deste Cesário grande-grande que tem ainda o grande mérito de ter sido o primeiro poeta português a trazer os operários para a poesia...

Um abraço.

samuel disse...

Gosto destes posts!
Ainda sou do tempo em que não havia visão lírica do campo que resistisse a uma ida ao campo... de olhos abertos.
E olha que mesmo hoje...

Abraço.

Graciete Rietsch disse...

Como é bom ler estes post!!! Tanto que se aprende!!!!!
Eu realmente não tinha bem esta visão de Cesário Verde e como me sinto mais culta!!!!!

Um beijo.