(...)
E o resto? Bandos de selvagenzinhos:
Um nu que se gabava de maroto;
Um, que cortada a mão, coçava o coto,
E os bons que nos tratavam por padrinhos.
Pediam fatos, botas, cobertores!
Chorar, humilde, junto da cozinha!
"Cinco-réizinhos!... Nobres benfeitores!..."
E quando alguns ficavam nos palheiros,
E de manhã catavam os piolhos:
Enquanto o sol batia nos restolhos
E os nossos cães ladravam, rezingueiros!
Hoje entristeço. Lembro-me dos coxos,
Dos surdos, dos manhosos, dos manetas.
Sulcavam as calçadas, as muletas;
Cantavam, no pomar, os pintarroxos!»
Em Nós - uma leitura de Cesário Verde, escreve Helder Macedo:
«/...)
Ao reintegrar os factos reais da sociedade rural na visão idealizada do campo arcádico, Cesário estava a fazer uma crítica moral profunda e radical não só dessa falsa visão mas também da classe social cujos valores essa visão reflectia. Com efeito, que “Em Petiz” continha qualquer coisa de gravemente ofensivo para a ordem social estabelecida é confirmado pela reacção escandalizada que a sua publicação provocou. O “Diário Ilustrado”, porta-voz dessa reacção, foi ao ponto de imputar a Cesário o tipo de atitude que o poema tão eloquentemente ataca (…) É óbvio que Cesário Verde não considerava que caridade individual e palavras de conforto nas colunas dos jornais fossem suficientes para vestir e alimentar os “irmãozinhos”. E deve ter desejado que o seu poema provocasse uma reacção de revolta por causa das condições sociais e não por tê-las revelado.
Porque o que Cesário faz neste poema é destruir, por dentro, a visão convencional do campo sorridente e ameno que ele próprio tinha adoptado nos seus primeiros poemas.»
(p. 137)
3 comentários:
Boa série de «leituras e releituras».
«Nós» é, talvez, o mais completo estudo sobre a obra de Cesário - deste Cesário grande-grande que tem ainda o grande mérito de ter sido o primeiro poeta português a trazer os operários para a poesia...
Um abraço.
Gosto destes posts!
Ainda sou do tempo em que não havia visão lírica do campo que resistisse a uma ida ao campo... de olhos abertos.
E olha que mesmo hoje...
Abraço.
Como é bom ler estes post!!! Tanto que se aprende!!!!!
Eu realmente não tinha bem esta visão de Cesário Verde e como me sinto mais culta!!!!!
Um beijo.
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